Fazendo a América grande novamente…ou não
São várias as razões que explicam como chegamos nas eleições americanas de hoje. Dois candidatos odiados pelos eleitores adversários como nunca se viu antes nos EUA são crias de fatores econômicos e sociais que foram sendo construídos ao longo de décadas. Do lado econômico, o dilema americano é descobrir como crescer mais com menos desigualdade. […]
Da Redação
Publicado em 8 de novembro de 2016 às 10h37.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.
São várias as razões que explicam como chegamos nas eleições americanas de hoje. Dois candidatos odiados pelos eleitores adversários como nunca se viu antes nos EUA são crias de fatores econômicos e sociais que foram sendo construídos ao longo de décadas.
Do lado econômico, o dilema americano é descobrir como crescer mais com menos desigualdade. Depois da segunda guerra mundial, o crescimento veio da reconstrução do capital físico e mundial destruído mundo afora. Com o esgotamento dessa fonte de crescimento, os anos 70 viram o surgimento das demandas de consumo via aumento do crédito. Foi quando o Congresso americano começou a propor medidas de liberalização de crédito. Sem renda crescente, consumir passaria a depender de crédito. Deu no que deu em 2008.
Sem forte aumento de renda ou de crédito e com uma população envelhecendo, o único caminho para crescer passa a ser por produtividade e continuar sendo atrator de imigrantes, para que a população em idade produtiva, considerada em geral de 15 a 64 anos de idade, continue em crescimento. Mas aumento de produtividade em um mundo com forte crescimento tecnológico e aumento de competição significará menos empregos e renda achatada ou pelo menos com baixo crescimento. Ao mesmo tempo, continuará sendo necessário aumentar o fluxo de imigrantes, pois nenhum país cresce sem que sua população também cresça. Com baixa taxa de fertilidade, boa parte desse crescimento terá que vir de estrangeiros. Não à toa, a ONU projeta para 2050 um número de hispânicos na mesma proporção de brancos nos EUA.
Esse novo mundo que rapidamente surge nos EUA causa as reações viscerais que estamos vendo agora. De fato, isso não parece algo tão novo e quando se vê os eleitores de Trump dizendo que ele diz o que sempre esteve em seus pensamentos, fica um pouco claro a construção desse sentimento ao longo de muito tempo. Só que não há muita alternativa e os americanos terão que conviver com mais imigração e menos emprego para os WAPS menos educados para aumentar a produtividade, condição aliás não diferente do que teria que ser visto em outros países desenvolvidos.
Esse sentimento contrário ao diferente tende a ser cada vez mais alimentado, pois não há mais espaço para se considerar os EUA uma ilha isolada de prosperidade. Em que pese o país estar cercado por dois oceanos e dois países amigos, o que dificulta o país ser invadido em uma guerra, vimos desde 2001 que isso não seria mais empecilho para tipos diferentes de ataques nos EUA e reações conflituosas do americano com o diferente.
Percebi isso in loco quando morava lá durante os atentados. Imediatamente houve uma reação histérica contra estrangeiros por parte do americano de classe média. Morando no meio oeste e ainda não tendo os cabelos brancos de hoje apenas por tê-los escuros no meio de muitos loiros era abordado na rua diretamente sobre perguntas se era mulçumano. Como não esquecer a caixa de banco que, ao perceber que era estrangeiro, começou a chorar pensando que, provavelmente, iria explodir o banco. Não fosse a gerente que já me conhecia estaria em maus lençóis.
Essa América começou a ver que não estava isolada e inviolável. A difusão de poder tão bem descrita por Moises Naím em O Fim do Poder coloca desafios para um país que se sentia inatacável. O hard power americano, caracterizado pelo poder material especialmente militar, nada pode fazer contra, por exemplo, uma guerra cibernética em que o que vale é a destreza de programação de cada lado. Em documentário recente chamado Zero Days, de Alex Gibney, a tentativa americana de derrubar o programa nuclear iraniano através de vírus indetectáveis acabou saindo pela culatra e tendo como resposta dois ataques cibernéticos em indústrias e no sistema financeiro americano, com origem provável de hackers do Oriente Médio.
Essa sensação de insegurança leva às repostas de ódio que se tem visto ultimamente, não apenas por parte do eleitor, mas especialmente de americanos que abraçaram a causa do ISIS e lançaram ataques contra seus próprios concidadãos. Vale aqui a lembrança de Nobert Elias, que tratou disso em seu Os Estabelecidos e os Outsiders. Nesse livro, a tese de Elias, corroborada em estudo de um vilarejo na Inglaterra, é que comunidades já estabelecidas em determinado local se sentem imbuídas de um espirito de superioridade contra o novo, seja esse novo inclusive branco e de mesmo nível de renda.
Ou seja, a questão aqui não é apenas os estrangeiros em si, mas a noção do americano médio que sua comunidade tradicional está sendo “invadida” por outras pessoas. Só piora a situação para esse americano saber que essa nova comunidade é estrangeira. Com a ampliação dos imigrantes em rincões cada vez maiores dos EUA, a sensação de ser contra o diferente só se generaliza. Essa sensação que senti lá atrás em 2001 mesmo sendo branco de olhos claros hoje parece dominar a visão do americano sobre quem não é WASP, red neck, etc.
Como se acostumar com o novo e integrá-los sem se pensar em invasão? Nada do que Trump tem feito ajuda nesse processo, pois a incitação ao ódio apenas aprofundará essa percepção dos estabelecidos contra os outsiders. Ir contra isso terá que passar por aprofundar o capital social americano, tão bem descrito por Robert Putnam. Este é feito das normas subjetivas que facilitam a integração entre comunidades e aprofundam o engajamento social das mesmas. É passar a conhecer e integrar o que antes era uma ameaça. Talvez nunca como antes o slogan de Hillary Clinton, stronger together, fosse tão necessário para que os EUA saiam da barafunda social em que se meteram. Mas aceitação e integração, como se sabe, não é algo que se constrói da noite para o dia.
Ou talvez os EUA possam estar se transformando em uma nova Roma de fato. Na figura de Ian Morris em seu livro Guerra, Roma foi sendo dilapidada na hora que as guerras não conseguiam ser mais produtivas, ou seja, depois do conflito, havia a incorporação das comunidades de forma que se gerasse externalidades positivas dessa combinação de povos diferentes. A hora em que os bárbaros passaram apenas a guerrear sem integrar, Roma passou a perder espaço e entrou em decadência. As guerras produtivas hoje não são mais por armas, mas sim pelo capital social de Putnam. Não integrar é como se gradativamente a relação entre os diferentes não conseguisse ser mais produtiva como no passado. Para um país que precisará desesperadamente de aumento de produtividade o baixo capital social poderá ser um grande problema.
Caso não haja evolução nesse sentido, a ideia de que o século americano acabou poderá avançar. Josephy Nye responde negativamente a essa indagação em seu livro, mas usando os argumentos velhos do poderio americano em hard e soft power. Mas isso pode não ser suficiente nessa América dividida e amarga que se espalha.
São várias as razões que explicam como chegamos nas eleições americanas de hoje. Dois candidatos odiados pelos eleitores adversários como nunca se viu antes nos EUA são crias de fatores econômicos e sociais que foram sendo construídos ao longo de décadas.
Do lado econômico, o dilema americano é descobrir como crescer mais com menos desigualdade. Depois da segunda guerra mundial, o crescimento veio da reconstrução do capital físico e mundial destruído mundo afora. Com o esgotamento dessa fonte de crescimento, os anos 70 viram o surgimento das demandas de consumo via aumento do crédito. Foi quando o Congresso americano começou a propor medidas de liberalização de crédito. Sem renda crescente, consumir passaria a depender de crédito. Deu no que deu em 2008.
Sem forte aumento de renda ou de crédito e com uma população envelhecendo, o único caminho para crescer passa a ser por produtividade e continuar sendo atrator de imigrantes, para que a população em idade produtiva, considerada em geral de 15 a 64 anos de idade, continue em crescimento. Mas aumento de produtividade em um mundo com forte crescimento tecnológico e aumento de competição significará menos empregos e renda achatada ou pelo menos com baixo crescimento. Ao mesmo tempo, continuará sendo necessário aumentar o fluxo de imigrantes, pois nenhum país cresce sem que sua população também cresça. Com baixa taxa de fertilidade, boa parte desse crescimento terá que vir de estrangeiros. Não à toa, a ONU projeta para 2050 um número de hispânicos na mesma proporção de brancos nos EUA.
Esse novo mundo que rapidamente surge nos EUA causa as reações viscerais que estamos vendo agora. De fato, isso não parece algo tão novo e quando se vê os eleitores de Trump dizendo que ele diz o que sempre esteve em seus pensamentos, fica um pouco claro a construção desse sentimento ao longo de muito tempo. Só que não há muita alternativa e os americanos terão que conviver com mais imigração e menos emprego para os WAPS menos educados para aumentar a produtividade, condição aliás não diferente do que teria que ser visto em outros países desenvolvidos.
Esse sentimento contrário ao diferente tende a ser cada vez mais alimentado, pois não há mais espaço para se considerar os EUA uma ilha isolada de prosperidade. Em que pese o país estar cercado por dois oceanos e dois países amigos, o que dificulta o país ser invadido em uma guerra, vimos desde 2001 que isso não seria mais empecilho para tipos diferentes de ataques nos EUA e reações conflituosas do americano com o diferente.
Percebi isso in loco quando morava lá durante os atentados. Imediatamente houve uma reação histérica contra estrangeiros por parte do americano de classe média. Morando no meio oeste e ainda não tendo os cabelos brancos de hoje apenas por tê-los escuros no meio de muitos loiros era abordado na rua diretamente sobre perguntas se era mulçumano. Como não esquecer a caixa de banco que, ao perceber que era estrangeiro, começou a chorar pensando que, provavelmente, iria explodir o banco. Não fosse a gerente que já me conhecia estaria em maus lençóis.
Essa América começou a ver que não estava isolada e inviolável. A difusão de poder tão bem descrita por Moises Naím em O Fim do Poder coloca desafios para um país que se sentia inatacável. O hard power americano, caracterizado pelo poder material especialmente militar, nada pode fazer contra, por exemplo, uma guerra cibernética em que o que vale é a destreza de programação de cada lado. Em documentário recente chamado Zero Days, de Alex Gibney, a tentativa americana de derrubar o programa nuclear iraniano através de vírus indetectáveis acabou saindo pela culatra e tendo como resposta dois ataques cibernéticos em indústrias e no sistema financeiro americano, com origem provável de hackers do Oriente Médio.
Essa sensação de insegurança leva às repostas de ódio que se tem visto ultimamente, não apenas por parte do eleitor, mas especialmente de americanos que abraçaram a causa do ISIS e lançaram ataques contra seus próprios concidadãos. Vale aqui a lembrança de Nobert Elias, que tratou disso em seu Os Estabelecidos e os Outsiders. Nesse livro, a tese de Elias, corroborada em estudo de um vilarejo na Inglaterra, é que comunidades já estabelecidas em determinado local se sentem imbuídas de um espirito de superioridade contra o novo, seja esse novo inclusive branco e de mesmo nível de renda.
Ou seja, a questão aqui não é apenas os estrangeiros em si, mas a noção do americano médio que sua comunidade tradicional está sendo “invadida” por outras pessoas. Só piora a situação para esse americano saber que essa nova comunidade é estrangeira. Com a ampliação dos imigrantes em rincões cada vez maiores dos EUA, a sensação de ser contra o diferente só se generaliza. Essa sensação que senti lá atrás em 2001 mesmo sendo branco de olhos claros hoje parece dominar a visão do americano sobre quem não é WASP, red neck, etc.
Como se acostumar com o novo e integrá-los sem se pensar em invasão? Nada do que Trump tem feito ajuda nesse processo, pois a incitação ao ódio apenas aprofundará essa percepção dos estabelecidos contra os outsiders. Ir contra isso terá que passar por aprofundar o capital social americano, tão bem descrito por Robert Putnam. Este é feito das normas subjetivas que facilitam a integração entre comunidades e aprofundam o engajamento social das mesmas. É passar a conhecer e integrar o que antes era uma ameaça. Talvez nunca como antes o slogan de Hillary Clinton, stronger together, fosse tão necessário para que os EUA saiam da barafunda social em que se meteram. Mas aceitação e integração, como se sabe, não é algo que se constrói da noite para o dia.
Ou talvez os EUA possam estar se transformando em uma nova Roma de fato. Na figura de Ian Morris em seu livro Guerra, Roma foi sendo dilapidada na hora que as guerras não conseguiam ser mais produtivas, ou seja, depois do conflito, havia a incorporação das comunidades de forma que se gerasse externalidades positivas dessa combinação de povos diferentes. A hora em que os bárbaros passaram apenas a guerrear sem integrar, Roma passou a perder espaço e entrou em decadência. As guerras produtivas hoje não são mais por armas, mas sim pelo capital social de Putnam. Não integrar é como se gradativamente a relação entre os diferentes não conseguisse ser mais produtiva como no passado. Para um país que precisará desesperadamente de aumento de produtividade o baixo capital social poderá ser um grande problema.
Caso não haja evolução nesse sentido, a ideia de que o século americano acabou poderá avançar. Josephy Nye responde negativamente a essa indagação em seu livro, mas usando os argumentos velhos do poderio americano em hard e soft power. Mas isso pode não ser suficiente nessa América dividida e amarga que se espalha.