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E se Dilma voltar?

O esquecimento do passado no Brasil está atingindo níveis recordes. Seria ótimo se fossem apenas os 15 anos em que o país como que começasse do zero na frase lapidar de Ivan Lessa. Parece que o esporte agora é esquecer o que aconteceu há apenas um mês. Não faz muito tempo que a presidente Dilma […]

DILMA ROUSSEFF: em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada (Evaristo Sa / Getty Images) (Evaristo Sa/Getty Images)
DILMA ROUSSEFF: em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada (Evaristo Sa / Getty Images) (Evaristo Sa/Getty Images)
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Sérgio Vale

Publicado em 14 de junho de 2016 às, 10h57.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h31.

O esquecimento do passado no Brasil está atingindo níveis recordes. Seria ótimo se fossem apenas os 15 anos em que o país como que começasse do zero na frase lapidar de Ivan Lessa. Parece que o esporte agora é esquecer o que aconteceu há apenas um mês.

Não faz muito tempo que a presidente Dilma se isolou no Alvorada, e já começou a discussão sobre uma possível volta, com senadores aparentemente mudando de ideia e/ou trabalhando por eleições diretas. Seria muito cômico, não fosse tristemente trágico.

A volta da presidente Dilma seria a catástrofe econômica dos últimos dois anos concentrada em um curtíssimo espaço de tempo. Para começar, haveria a troca imediata de toda a excelente equipe montada em menos de um mês. O desmonte de tal equipe e a volta das ideias esdrúxulas da presidente demandaria uma troca inédita de uma equipe de alto nível por um salto completo no escuro. Quem estava antes dificilmente voltará. O agora ex-presidente do BC Alexandre Tombini, por exemplo, já foi alocado para o FMI. Com muita dificuldade a presidente encontraria bons nomes para entrar em um governo que renasceria efêmero. O desastre nas expectativas seria imediato. A esperança de um quarto trimestre positivo cederia rapidamente, a recessão continuaria, e o PIB de 2017 cairia mais de 3%.

Mas diz quem acredita em pensamento mágico que a presidente pediria plebiscito para novas eleições — plebiscito esse que teria que passar pelas duas casas legislativas que, digamos, não morrem de amores pela presidente e por seus pedidos. Com uma eleição municipal já preparada para este ano, se tudo desse certo quem sabe até a metade de 2017 estivesse tudo resolvido. Toda essa manobra seria realizada para um presidente ficar apenas um ano e meio no poder — isso depois da saída de uma presidente, a entrada do vice, a volta da presidente e a eleição de um mandato tampão extremamente curto. Como se vê, tais vias tortuosas teriam um efeito de fôlego curto, e causariam ainda mais stress em uma economia que apenas começa a sair das cordas. Isso tudo, claro, se a presidente de fato optar pelo plebiscito.

Para esse cenário aterrador ficar ainda mais contundente, é bom ter em mente números mais claros sobre o que pode significar abortar a presente recuperação. Com a recessão de volta no final do ano, o PIB de 2017 deverá cair ainda mais do que os estimados 2,5% de antes. Isso porque o choque do retorno da recessão deverá trazer mais incerteza sobre a política brasileira. Se a paralisia já acontecia porque não havia clareza do futuro político, um retorno de Dilma jogaria a política em uma escuridão ainda mais profunda. Com isso, a tendência de uma taxa de câmbio muito mais depreciada fica nítida, com números que rapidamente sobem para R$/US$ 4,5 com chance de altas adicionais caso a presidente de fato fique até 2018.

Quem está preocupado com a taxa de desemprego de 13% que devemos alcançar ainda este ano deveria colocar as barbas de molho com a taxa de 17% que seria alcançada neste cenário de saída de Temer. O processo de recuperação judicial das empresas ainda está ocorrendo, e deve levar um tempo para que consigam renegociar suas dívidas com fornecedores e bancos. Vislumbrar um crescimento à frente traria novo fôlego para evitar a piora desse processo. Mas a volta da recessão aborta essa recuperação, e uma rodada mais agressiva de recuperações judiciais e falências seria inevitável.

Com câmbio nesse patamar, o Banco Central terá que lidar com uma inflação que bateria nos 8% ano que vem, com a piora nos preços livres. Pensar em queda de juros nesse cenário seria impensável, a não ser que a tão falada guinada à esquerda na volta da presidente faça com que o BC olhe mais o desemprego do que a inflação. De qualquer maneira, é um desastre tanto para a inflação quanto para a atividade.

Por fim, esqueçam-se do ajuste fiscal. Até um mês atrás a visão implícita da equipe econômica era de ampliar os gastos para estimular a economia com truques exóticos como usar o FGTS ou regras fiscais assimétricas para justificar a expansão fiscal nas crises. Com nova queda de receita real em 2017, sem nenhum controle efetivo de gastos, o déficit público chegaria a mais de 200 bilhões de reais e a dívida bruta bateria facilmente em 90% do PIB em 2018.

Melhor parar por aqui, pois não se tem ideia da inflamação social que a volta da presidente poderia causar na população.

Com tudo isso em mente, a dúvida atroz a dividir com o leitor é como um senador que não seja petista ou da estrita base de apoio da presidente possa desejar isso para o país. Além de tudo, é um tiro político no pé. Não há como comparar o que acontece hoje com o período Collor em que o desastre econômico foi bem menor e havia uma quantidade muito menor de meios de relembrar à população quem votou pela volta da ex-presidente Dilma.

Depois de tantos cisnes negros aparecendo no país, espera-se que esse derradeiro não dê o ar da graça no azarento mês de agosto.

sergiovale