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Dois cenários em 2017

Havia a expectativa, algum tempo atrás, que 2017 seria um ano diferente, especialmente na economia. Como salientado em artigo anterior, o que se imaginava de melhora para esse ano ficará postergado para, talvez, o segundo trimestre do ano que vem. Seria justo imaginar se de fato esse segundo trimestre é provável ou se poderíamos novamente […]

Congresso: parlamentares reforçaram as investidas contra o governo para deixar a reforma da Previdência só na idade mínima e na regra de transição
DR

Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 09h43.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h05.

Havia a expectativa, algum tempo atrás, que 2017 seria um ano diferente, especialmente na economia. Como salientado em artigo anterior, o que se imaginava de melhora para esse ano ficará postergado para, talvez, o segundo trimestre do ano que vem. Seria justo imaginar se de fato esse segundo trimestre é provável ou se poderíamos novamente ver nova postergação da recuperação. Se com Dilma era certo o desastre futuro, com Temer a melhora lá na frente ainda segue nublada, apesar do caminho correto.

O problema aqui, como tem sido recorrente nos últimos anos, está atrelado à política. Talvez nunca tivemos durante vários anos seguidos a confluência de um forte fim de ciclo na economia após os 13 anos petistas ao mesmo tempo que também se verificou uma crise política estendida, sem prazo para terminar.

Crises econômicas costumam ser resolvidas com os instrumentos de política à mão. Mesmo crises graves como a de 2008 sempre possuem chaves de saída não usuais, como foi o uso extensivo do quantitative easing por diversos países desenvolvidos. A crise de 30 também trouxe inovações na economia com o próprio desenvolvimento da macroeconomia e o uso mais claro da política fiscal como estímulo de curto prazo. Problemas econômicos em geral criam suas próprias soluções e levam os economistas a se desdobrarem para buscar saídas.

Mas o que fazer quando a crise econômica fica emperrada por uma crise política? Crises políticas em ditaduras ou democracias são resolvidas ou pelo menos redirecionadas com a troca do comando. No caso da ditadura, troca-se o ditador de plantão. Em democracias, o voto resolve na maior parte das vezes.

Crises econômicas tendem a ser mais rápidas de serem resolvidas quando há instrumentos à mão. Crises políticas além de serem longas pelo tempo de mandato de um presidente podem ser resolvidas de forma traumática como um impeachment ou a queda de um primeiro ministro. Em geral, as crises políticas se referem a problemas no Executivo e a troca da liderança costuma apaziguar os ânimos.

No caso brasileiro, a troca não tem tido esse efeito, pois o pano de fundo mais dramático não é a crise econômica nem a dinâmica boa ou ruim do Executivo, mas sim as diversas operações empreendidas pela Justiça. De repente, todo o aparato de Justiça criado na Constituição de 1988 para dar limites ao Executivo se volta contra o próprio Legislativo. Há, de certa forma, nesse momento, um impasse de difícil solução entre Justiça de um lado e Legislativo de outro, com o Executivo no meio, mas também pendendo a ficar ao lado do Legislativo pela necessidade de aprovação de diversas medidas, sem falar no próprio receio de impacto de membros do governo pela Lava Jato.

Em meio a crises de tal monta, é normal que se busquem soluções simples, mas em geral erradas para tirar o foco das operações da Justiça. Tentar reativar a economia com remédios com data de validade vencida como subsídios, BNDES, incentivos a consumo, etc, deveriam ser totalmente evitados. Não funcionam e só piorariam a situação da economia. Restaria dar tempo ao tempo para que os remédios amargos da economia surtam efeito. Em situações sem crise política, não levaria tempo para que isso ocorresse, mas com crise política dessa magnitude a pressão para medidas erradas será grande.

Dado esse cenário, parece que dois caminhos com óbvias variantes entre eles podem ocorrer. Em um primeiro, o presidente Temer se mantém no papel de pinguela que lhe foi conferido por FHC e chega ao final do mandato em frangalhos, para não dizer desfigurado. Nesse cenário, o Senado teria o papel de levar tempo para rediscutir as medidas anticorrupção aprovadas no Congresso. Ao mesmo tempo, uma possibilidade seria tirar as medidas da pauta e convocar uma comissão de notáveis da sociedade, notadamente do meio jurídico, para discutir um novo conjunto de leis que fossem palatáveis para todos os lados.

Boa parte do embate é que as medidas tenham vindo do Ministério Público sem muita discussão prévia. Da mesma forma, a votação na Câmara também não foi nada transparente. Uma comissão externa com tempo determinado para propor leis específicas anticorrupção talvez fosse o caminho mais saudável a essa altura e tiraria a pressão existente entre os poderes. Um pedido para essa formação que viesse do Senado trancaria a evolução das medidas aprovadas pela Câmara em um primeiro momento e poderia ser levada para que fossem votadas e encaminhadas na próxima legislatura. Ao mesmo tempo a reforma política segue encaminhada para que se chegue na próxima década com menos de dez partidos ativos no Congresso.

Além disso, supõe-se que, com alguma dificuldade, aprova-se a reforma da previdência e o Banco Central ganha espaço para diminuir mais rapidamente a taxa de juros. Sem mais espaço político para outras reformas, seguimos em frente para 2018 com algumas concessões em andamento e os setores de energia e petróleo bem mais consolidados e saudáveis do que hoje. Os riscos políticos permearão todo esse caminho e surgem como sinal irrepreensível de que o crescimento que houver seguirá sendo medíocre. Essa travessia seria turbulenta, mas dado que 2018 está na esquina, haveria certa concordância em deixar tudo como está e resolver a disputa política no voto daqui dois anos. Mas como o Brasil tem mostrado uma vocação para a surpresa, outra possibilidade surge nesse momento.

A piora do quadro político com as delações da Odebrecht ofereceria dois caminhos para o presidente nesse segundo cenário. Acelerar no Senado a aprovação das medidas de proteção ganhando a fúria da população que começará a pedir sua cabeça na sequência. Em um Congresso em que o presidente da Câmara possa se tornar presidente interino até novas eleições indiretas o incentivo para ser aceitar um pedido de impeachment pode ser imenso.

Em outro caso, o presidente não sanciona a lei aprovada e acaba ganhando a fúria do Congresso. Abre espaço, da mesma forma, para que sofra um pedido de impeachment ou que se pressione para que o TSE anule a eleição de 2014. Em qualquer dos casos, a chance de queda de Temer seria concreta com a eleição de um presidente temporário, com pouquíssimo tempo para trabalhar e provável troca de equipe econômica. Que equipe seria formada nessas condições é uma incógnita, mas certamente tende a ser de qualidade inferior à atual, talvez umas das melhores equipes que já tivemos. Com isso, reeditaríamos a política do arroz com o feijão dos tempos do Sarney.

A irritação da população com a política ficaria evidente, pois uma troca presidencial em 2017 agravaria a crise, por postergar decisões relevantes, especialmente a reforma da previdência. Sem a reforma, a compressão dos outros gastos públicos será imediata gerando prováveis crises no serviço público federal em 2018. Abre-se espaço aqui para um aventureiro à lá Trump. Alguém com o discurso inflamado contra o sistema que a população acolha de bom grado. A experiência Collor está aí para nos lembrar que saltos no escuro na política costumam dar errado. Em geral, nessas horas não são os candidatos de temperamento razoável que acabam por levar a contenda. João Doria ganhou em São Paulo, mas, apesar de negar, tinha tido experiências no setor público anteriormente e, humildemente, começou por uma prefeitura e não por uma presidência, em que pese a capital ser o terceiro maior orçamento do país.

A primeira solução é dada pela política e sua confrontação com soluções possíveis dentro do sistema. A segunda solução é terceirizar a solução política para um salvador da pátria, com forte crise fiscal e reaceleração da inflação. Seriam tempos negros em que a palavra depressão poderia ser a correta para caracterizar a economia. Infelizmente, os três poderes parecem guerrear hoje para viabilizar essa segunda solução.

SERGIO VALE

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Havia a expectativa, algum tempo atrás, que 2017 seria um ano diferente, especialmente na economia. Como salientado em artigo anterior, o que se imaginava de melhora para esse ano ficará postergado para, talvez, o segundo trimestre do ano que vem. Seria justo imaginar se de fato esse segundo trimestre é provável ou se poderíamos novamente ver nova postergação da recuperação. Se com Dilma era certo o desastre futuro, com Temer a melhora lá na frente ainda segue nublada, apesar do caminho correto.

O problema aqui, como tem sido recorrente nos últimos anos, está atrelado à política. Talvez nunca tivemos durante vários anos seguidos a confluência de um forte fim de ciclo na economia após os 13 anos petistas ao mesmo tempo que também se verificou uma crise política estendida, sem prazo para terminar.

Crises econômicas costumam ser resolvidas com os instrumentos de política à mão. Mesmo crises graves como a de 2008 sempre possuem chaves de saída não usuais, como foi o uso extensivo do quantitative easing por diversos países desenvolvidos. A crise de 30 também trouxe inovações na economia com o próprio desenvolvimento da macroeconomia e o uso mais claro da política fiscal como estímulo de curto prazo. Problemas econômicos em geral criam suas próprias soluções e levam os economistas a se desdobrarem para buscar saídas.

Mas o que fazer quando a crise econômica fica emperrada por uma crise política? Crises políticas em ditaduras ou democracias são resolvidas ou pelo menos redirecionadas com a troca do comando. No caso da ditadura, troca-se o ditador de plantão. Em democracias, o voto resolve na maior parte das vezes.

Crises econômicas tendem a ser mais rápidas de serem resolvidas quando há instrumentos à mão. Crises políticas além de serem longas pelo tempo de mandato de um presidente podem ser resolvidas de forma traumática como um impeachment ou a queda de um primeiro ministro. Em geral, as crises políticas se referem a problemas no Executivo e a troca da liderança costuma apaziguar os ânimos.

No caso brasileiro, a troca não tem tido esse efeito, pois o pano de fundo mais dramático não é a crise econômica nem a dinâmica boa ou ruim do Executivo, mas sim as diversas operações empreendidas pela Justiça. De repente, todo o aparato de Justiça criado na Constituição de 1988 para dar limites ao Executivo se volta contra o próprio Legislativo. Há, de certa forma, nesse momento, um impasse de difícil solução entre Justiça de um lado e Legislativo de outro, com o Executivo no meio, mas também pendendo a ficar ao lado do Legislativo pela necessidade de aprovação de diversas medidas, sem falar no próprio receio de impacto de membros do governo pela Lava Jato.

Em meio a crises de tal monta, é normal que se busquem soluções simples, mas em geral erradas para tirar o foco das operações da Justiça. Tentar reativar a economia com remédios com data de validade vencida como subsídios, BNDES, incentivos a consumo, etc, deveriam ser totalmente evitados. Não funcionam e só piorariam a situação da economia. Restaria dar tempo ao tempo para que os remédios amargos da economia surtam efeito. Em situações sem crise política, não levaria tempo para que isso ocorresse, mas com crise política dessa magnitude a pressão para medidas erradas será grande.

Dado esse cenário, parece que dois caminhos com óbvias variantes entre eles podem ocorrer. Em um primeiro, o presidente Temer se mantém no papel de pinguela que lhe foi conferido por FHC e chega ao final do mandato em frangalhos, para não dizer desfigurado. Nesse cenário, o Senado teria o papel de levar tempo para rediscutir as medidas anticorrupção aprovadas no Congresso. Ao mesmo tempo, uma possibilidade seria tirar as medidas da pauta e convocar uma comissão de notáveis da sociedade, notadamente do meio jurídico, para discutir um novo conjunto de leis que fossem palatáveis para todos os lados.

Boa parte do embate é que as medidas tenham vindo do Ministério Público sem muita discussão prévia. Da mesma forma, a votação na Câmara também não foi nada transparente. Uma comissão externa com tempo determinado para propor leis específicas anticorrupção talvez fosse o caminho mais saudável a essa altura e tiraria a pressão existente entre os poderes. Um pedido para essa formação que viesse do Senado trancaria a evolução das medidas aprovadas pela Câmara em um primeiro momento e poderia ser levada para que fossem votadas e encaminhadas na próxima legislatura. Ao mesmo tempo a reforma política segue encaminhada para que se chegue na próxima década com menos de dez partidos ativos no Congresso.

Além disso, supõe-se que, com alguma dificuldade, aprova-se a reforma da previdência e o Banco Central ganha espaço para diminuir mais rapidamente a taxa de juros. Sem mais espaço político para outras reformas, seguimos em frente para 2018 com algumas concessões em andamento e os setores de energia e petróleo bem mais consolidados e saudáveis do que hoje. Os riscos políticos permearão todo esse caminho e surgem como sinal irrepreensível de que o crescimento que houver seguirá sendo medíocre. Essa travessia seria turbulenta, mas dado que 2018 está na esquina, haveria certa concordância em deixar tudo como está e resolver a disputa política no voto daqui dois anos. Mas como o Brasil tem mostrado uma vocação para a surpresa, outra possibilidade surge nesse momento.

A piora do quadro político com as delações da Odebrecht ofereceria dois caminhos para o presidente nesse segundo cenário. Acelerar no Senado a aprovação das medidas de proteção ganhando a fúria da população que começará a pedir sua cabeça na sequência. Em um Congresso em que o presidente da Câmara possa se tornar presidente interino até novas eleições indiretas o incentivo para ser aceitar um pedido de impeachment pode ser imenso.

Em outro caso, o presidente não sanciona a lei aprovada e acaba ganhando a fúria do Congresso. Abre espaço, da mesma forma, para que sofra um pedido de impeachment ou que se pressione para que o TSE anule a eleição de 2014. Em qualquer dos casos, a chance de queda de Temer seria concreta com a eleição de um presidente temporário, com pouquíssimo tempo para trabalhar e provável troca de equipe econômica. Que equipe seria formada nessas condições é uma incógnita, mas certamente tende a ser de qualidade inferior à atual, talvez umas das melhores equipes que já tivemos. Com isso, reeditaríamos a política do arroz com o feijão dos tempos do Sarney.

A irritação da população com a política ficaria evidente, pois uma troca presidencial em 2017 agravaria a crise, por postergar decisões relevantes, especialmente a reforma da previdência. Sem a reforma, a compressão dos outros gastos públicos será imediata gerando prováveis crises no serviço público federal em 2018. Abre-se espaço aqui para um aventureiro à lá Trump. Alguém com o discurso inflamado contra o sistema que a população acolha de bom grado. A experiência Collor está aí para nos lembrar que saltos no escuro na política costumam dar errado. Em geral, nessas horas não são os candidatos de temperamento razoável que acabam por levar a contenda. João Doria ganhou em São Paulo, mas, apesar de negar, tinha tido experiências no setor público anteriormente e, humildemente, começou por uma prefeitura e não por uma presidência, em que pese a capital ser o terceiro maior orçamento do país.

A primeira solução é dada pela política e sua confrontação com soluções possíveis dentro do sistema. A segunda solução é terceirizar a solução política para um salvador da pátria, com forte crise fiscal e reaceleração da inflação. Seriam tempos negros em que a palavra depressão poderia ser a correta para caracterizar a economia. Infelizmente, os três poderes parecem guerrear hoje para viabilizar essa segunda solução.

SERGIO VALE

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