Dez anos de instabilidade no mundo
Olhando em retrospecto, o último ano em que o mundo esteve sem graves crises foi em 2006. Aqui no Brasil, o mensalão perdia momentaneamente seu elã com a reeleição de Lula em um ano de inflação próxima a 3%, queda estrutural de juros, superávit primário acima de 4% do PIB e crescimento também de 4%. […]
Publicado em 20 de dezembro de 2016 às, 11h47.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h47.
Olhando em retrospecto, o último ano em que o mundo esteve sem graves crises foi em 2006. Aqui no Brasil, o mensalão perdia momentaneamente seu elã com a reeleição de Lula em um ano de inflação próxima a 3%, queda estrutural de juros, superávit primário acima de 4% do PIB e crescimento também de 4%. O mundo via seu crescimento médio passar de 5% pela primeira vez em décadas, sem nenhum país relevante em recessão. Quem diria que os dez anos seguintes seriam tão turbulentos?
2007 foi o estopim do início das preocupações com os Estados Unidos. Lembro de começar a falar sobre essa possibilidade em meados daquele ano e no segundo semestre já estava claro que uma recessão atípica parecia a caminho, sem se saber obviamente o tamanho do estrago que seria visto. Dali para frente, não tivemos nenhum ano de tranquilidade no mundo, com irrupções de revoluções, recessões e eleições inusitadas de forma ininterrupta.
Em outros momentos difíceis no passado, sempre havia a expectativa de algum porto seguro de crescimento. Em um primeiro momento, os países desenvolvidos. Desde os anos 90, os emergentes passaram a ter preponderância no crescimento, com todo o significado de ganho de poder que isso tem significado, especialmente para a China.
Certamente é um mundo muito mais competitivo, ao mesmo tempo em que as mudanças são mais rápidas e arriscadas do que anteriormente. Mas tanta incerteza tem diminuído a capacidade de se encontrar esse porto seguro tão fácil de se ver no passado. Trump nos EUA é um claro retrocesso em um país em que não se imaginava que algo do tipo pudesse acontecer. A Inglaterra se vê às voltas de decidir o que fazer com o Brexit. A Alemanha surge como a líder do mundo livre, de fato, mas com enorme desconfiança de seus pares na Europa.
As velhas democracias estão em crise com um proto-ditador em nascimento em seu mais importante representante. A velha ordem ditatorial ressurge nas mãos de Rússia e China, dois países sem futuro muito claro. A Rússia quase exclusivamente dependente de energia, para não dizer um produto que rapidamente se torna velho, como o petróleo. A China, se abrindo mais e paradoxalmente tendo que controlar mais o poder, que é o que Xi Jiping está fazendo. Será que veremos uma ditadura de um único partido ficar rico sem dividir poder com toda a nova elite que surge? Difícil acreditar nisso.
Assim, são três presidentes e países com enorme poder, visões distintas entre si e dispostos a “negociar” até as últimas consequências apenas por interesses próprios de seus países. A chance de uma presença mais agressiva da China na Ásia e da Rússia na Europa apenas aumenta com esse Estados Unidos que também se torna agressivo com seu entorno, a começar do México. Organismos multilaterais nessa nova ordem parecem perder o sentido cada vez mais.
Como investir em um mundo com tanta instabilidade, onde o personalismo do ditador ou proto-ditador da vez pode influenciar negativamente a capacidade de crescimento de seus países?
É como se o mundo tivesse, de repente, nivelado por baixo. Ao invés de se tentar alcançar elevados padrões de estabilidade, as diversas economias flertam com governos altamente instáveis e despóticos. Estamos acostumados com isso na América Latina, mas entrando na contramão desse movimento.
O Chile foi o primeiro a mostrar as vantagens da estabilidade democrática. Por mais que Bachelet enfrente suas dificuldades, não parece que haverá nenhuma novidade política negativa vinda de lá. Peru e Colômbia seguem arduamente o caminho da estabilidade política com consequências econômicas positivas. Brasil, México e Argentina têm desafios enormes pela frente, mas lutam o bom combate. Não se pode garantir nesses países ainda que não haja surpresa negativa na política nos próximos anos. Um peronismo atrasado na Argentina, um salvador da pátria no Brasil e uma esquerda retrógrada no México são cenários possíveis de se ver nos próximos anos. Entretanto, especialmente no Brasil e na Argentina, dado o histórico recente de populismo que não deu certo, é mais provável que sigamos em rota mais racional na economia.
Essa instabilidade recente, de qualquer maneira, pode ser o protótipo de algo mais organizado no futuro. Certamente o comportamento ditatorial desses países não será gerador de riqueza e o impasse futuro dessas dificuldades poderá ser voltar ao caminho virtuoso do multilateralismo do passado. Esse longo ciclo de baixa de dez anos, que tende ainda a se estender por mais alguns anos, não parece ser mudança de trajetória, mas uma forte freada de arrumação para se perceber as benesses de mais cooperação em detrimento de mais conflito.