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Desafios chineses e consequências para o Brasil

Depois de anos de forte crescimento, a China entrou em 2023 na lista dos países que causam apreensão

Xi Jinping e Lula: dificuldades na China podem significar câmbio mais volátil e preços mais elevados (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)
Xi Jinping e Lula: dificuldades na China podem significar câmbio mais volátil e preços mais elevados (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Depois de anos de forte crescimento, a China entrou em 2023 na lista dos países que causam apreensão. Diferentemente de 2008, quando os países emergentes em geral estavam preparados para enfrentar a crise financeira que vinha do Ocidente, cada vez mais parece que uma próxima crise ou dificuldade poderá vir também do Oriente. Digo também por que os EUA e a Europa têm dado sinais crescentes de problemas econômicos e políticos que se acumulam e gerarão problemas no futuro. Mas foquemos aqui na China. 

Por décadas os chineses basearam seu crescimento em um movimento de urbanização, que levou à expansão do investimento. A taxa de investimento e de poupança por lá fica entre 40% e 50%, o que foi mais do que suficiente para dar o empuxo de crescimento que se viu no país nesses anos. Ao mesmo tempo, a política de filho único iniciada nos anos 80 e a cultura chinesa de pouco gasto público com a população idosa fez com que essa cultura de poupança de consolidasse entre os chineses. Aumentar o consumo nesse cenário se torna desafiador.  

Em um momento em que os fortes investimentos no mercado imobiliário começam a diminuir, uma saída seria aumentar o gasto público como estímulo adicional de crescimento e como movimento para tentar estimular o consumo das famílias, como tem sugerido Richard Koo, por exemplo. Mas aqui o risco aparece em um momento em que a dívida pública também tem crescido com força nos últimos anos. Sem falar que não está claro se esse gasto necessariamente conseguirá aumentar o consumo, sendo que mais investimento certamente não é o caso de se buscar agora.  

Como o mercado imobiliário se tornou carro-chefe do crescimento por lá com um peso crescente dentro da economia, o risco que se coloca é de os chineses não conseguirem lidar adequadamente com os ajustes que precisarão ser feitos no setor. Diversos países já passaram por crises no mercado imobiliário no passado e o tamanho da dívida imobiliária dos chineses nesse momento passa em cerca de 15 pontos percentuais o pico de dívida atingido pelos americanos no auge da crise em 2008.   

Enquanto os bancos públicos chineses postergam um ajuste, outros problemas vão ficando evidentes. A população chinesa começa a declinar e há observadores, como Yi Fuxian, da Universidade de Wisconsin, que identificam a queda da população chinesa desde 2017 e não de agora. A guerra geopolítica com os EUA é mais um elemento de pressão. Graham Allison, em seu livro “A Caminho da Guerra” identifica 17 momentos nos últimos 500 anos em que dois países se enfrentaram por disputa hegemônica como agora. Dessas 17, 12 terminaram em guerra e as outras ou os países afundaram economicamente ou eram próximos, como o caso de passagem de bastão de Inglaterra para EUA no século XX (que de certa forma ocorreu também pelo afundamento econômico dos ingleses). 

Não digo que haverá guerra entre os dois países, não é isso, mas a situação de confronto entre os dois agudiza a situação econômica já desconfortável em cada um e pode colocar o presidente chinês em uma situação cada vez mais difícil.  

Isso porque uma das belezas da democracia não é apenas que a população pode votar, mas a ideia de alternância política é essencial especialmente em momentos de crise. Nos países democráticos, uma crise mais profunda é catalizadora para uma troca de presidente, primeiro-ministro, Congresso e mesmo impeachment como vimos acontecer no Brasil com Collor e Dilma. Como resolver tal situação em país centralizado como a China? O risco é que, emparedado, o líder chinês possa partir para um movimento mais agressivo contra Taiwan para reconquistar apoio interno. De certa forma, foi a mesma estratégia de Putin ao invadir a Ucrânia. 

Enquanto a tensão permanece no ar, a tendência de regionalização econômica ganha força. EUA e China seguem se separando e uma eventual vitória de Trump ano que vem pode acelerar esse processo. O resultado será um mundo mais caro, posto que nacionalista e protecionista, mas também com crédito mais caro, dado que os juros tendem a permanecer elevados por bastante tempo. 

Para o Brasil, esse cenário é desafiador, pois significa câmbio mais volátil e preços mais elevados, via protecionismo e crédito. Mas mesmo os chineses desacelerando crescimento, a agropecuária será a última a sofrer, pois eles vão evitar ao máximo repetir momentos de pressão do passado como na Praça da paz Celestial em 1989, causada em parte pelo forte aumento no preço dos alimentos. Garantir o abastecimento seguirá sendo o foco dos chineses, mas será necessário ao Brasil diversificar. Se ficamos confortáveis com uma demanda chinesa crescente e consistente, será hora de olharmos cada vez mais para outros compradores. Várias partes do mundo no Sudeste Asiático, Índia, África e Oriente Médio começam a ter aumentos de renda per capita mais significativos e poderão se tornar compradores relevantes.  

As dificuldades chinesas, assim, não impõem um cenário de preocupação imediata para o Brasil, mas demandam esforço de olhar o mundo além da zona de conforto que tivemos até agora.