Commodities, inflação, juros e câmbio: Bolsonaro e seus fantasmas
Se antes havia alguma dúvida sobre a capacidade de o ministro Paulo Guedes conseguir segurar o ímpeto intervencionista do governo, agora não há mais
Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às, 07h55.
A queda do presidente da Petrobras simboliza o escancaramento de um pensamento de boa parte do governo em que o Ministro da Economia cada vez mais fica isolado. A ideia de que o governo era liberal, o que nunca foi, fica definitivamente enterrada e deve levar o mercado a operar com mais clareza também em relação ao governo.
Se antes havia alguma dúvida sobre a capacidade de o ministro Paulo Guedes conseguir segurar o ímpeto intervencionista do governo, agora não há mais. Ele infelizmente mostra que não consegue jogar nem mais na defensiva.
Essa sinalização, junta a outra como mexer nas tarifas de energia, já contratadas para subir pelo menos 13% este ano, vai continuar trazendo instabilidade ao mercado durante os próximos dois anos. Isso porque são duas ideias equivocadas em conjunto, pois além da intervenção em si considera-se a possibilidade de fundos fiscais de compensação para amortecer as altas de preços. Em um momento em que o fiscal voltou a ser o centro da questão falar em fundos desse tipo só piora a expectativa sobre o ajuste necessário.
Ainda mais, o presidente da Câmara cada vez mais tem dado sinais de querer aumentar o poder da Casa em controlar o orçamento, mas não com o intuído de ajustes. Perderemos tempo discutindo a pauta de desvinculação de gastos em um governo fragilizado e em pauta que claramente a sociedade civil será contra, especialmente por cortar os vínculos institucionais dos gastos com saúde e educação.
A própria PEC emergencial a ser aprovada essa semana tem muito pouco de sua força original e terá foco no auxílio emergencial. A ideia de jogar a desvinculação de gastos com saúde e educação nesta PEC apenas mostra como a pauta fiscal está desorganizada. O controle de aumento de salário dos servidores, diga-se de passagem, será uma pá de cal política na reforma administrativa, qualquer que seja ela.
Mas a queda de braço do mercado com o governo se estenderá também pela razão de que os preços de commodities tendem a continuar subindo. O crescimento chinês junto com a desvalorização do dólar e a expectativa de investimento em infraestrutura nos EUA tem indicado que esses preços continuarão pressionados pelo menos este ano. Ao juntarmos a deterioração cambial, o cenário das commodities em reais fica ainda mais intenso.
De fato, o gráfico abaixo mostra o forte crescimento em reais dos preços de commodities no último ano, especialmente agrícolas e metálicas. Mais recentemente, com a recuperação da economia mundial, o preço do petróleo voltou a dar sinais de que pode chegar até US$ 70 o barril. Isso porque a desestruturação de investimentos no último ano no shale oil pode levar a uma recuperação mais lenta da produção, sem falar na intenção do governo americano de que essa não seja a fonte de energia preponderante nos próximos anos.
Índice de preços de commodities em reais
Esse forte movimento de preços em reais das três commodities é inédito no país nas últimas décadas e a isso se junta o desequilíbrio nas cadeias industriais por conta da pandemia que atrapalhou processos produtivos como no caso do aço. O impacto nos preços ao consumidor ainda pode aparecer com a recuperação lenta da economia sancionando repasses graduais desses preços.
Esse cenário colocará pressão recorrente sobre o presidente, que ao tentar fazer populismo tarifário às voltas com a eleição em 2022 terá como efeito a reação cada vez mais negativa do mercado.
A ideia que tem sido aventada por alguns analistas políticos que o presidente se torna imbatível com um novo boom de commodities esbarra na questão de que o impacto na inflação agora tem menos válvulas de escape que tinha no governo Lula/Dilma, que, ao permitir uma meta de inflação de 4,5% até 6,5% de teto, permitia espaços de impacto que acomodavam pressões sobre os juros. Agora, com meta de inflação de 3,5% em 2022 e um Banco Central muito mais atento, a reação provável poderá ser um aumento de juros mais agressivo do que se esperava. Se isto for verdade, o presidente também vai querer colocar um general na presidência do banco? Claro que não devemos chegar a tanto, mas apenas dá a ideia de um presidente emparedado por pressões de diversos preços (commodities, energia, juros e câmbio), mas sem capacidade de reagir como se deveria pelo foco exclusivo na eleição. Para quem gosta de volatilidade os próximos dois anos serão bastante intensos.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados