Cenário de sonho na inflação e nos juros. Mas será que dura?
A tendência de baixos juros pode ser interrompida pelas eleições deste ano
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2018 às 15h13.
Depois de uma sequência de surpresas positivas na inflação, o Banco Central optou por seguir a toada e baixou a Selic em mais 0,25 ponto percentual e, melhor maior, sinalizou nova queda para a próxima reunião. Chegaremos, assim, a 6,25%, algo histórico para o país. Arriscaria a dizer que eventualmente poderá haver espaços para nova queda se a inflação seguir a boa trajetória iniciada desde o final do ano passado.
De fato, no segundo semestre de 2017 eram favas contadas que a inflação caminharia a passos largos de volta para a meta este ano. Praticamente todos no mercado trabalhavam com números próximos de 4% ou acima disso. Riscos não faltavam, especialmente oriundos dos preços administrados, para os quais víamos os preços da gasolina e da energia como vilões mais prováveis para esse cenário mais pessimista.
Mas mesmo com as altas desses itens no final do ano passado, a primeira surpresa foi o IPCA fechar em 2,9%, algo impensável no começo de 2017. Por razões semelhantes ao que se viu ano passado, a inflação caminha novamente para surpreender, talvez não tanto como em 2017, mas com números mais baixos do que se estimava a princípio.
Os suspeitos de sempre permanecem. Os alimentos continuam em deflação e os sinais por hora são positivos. A quebra de safra de soja na Argentina afetou os preços da commodity, mas não a ponto de mudar radicalmente a trajetória positiva dos preços. Ainda estamos nos beneficiando da forte safra do ano passado que, juntando-se aos elevados estoques de passagem e à boa safra desse ano, levará a inflação de alimentos novamente para baixo. A metade do ano especialmente costuma ter quedas de preços de alimentos por entrada de safra e, com isso, podemos ter novas rodadas de surpresas com o IPCA.
Segue sendo verdade que a recessão passou, mas que a capacidade ociosa ainda é relevante. O setor automobilístico é exemplo concreto disso, em que a capacidade ociosa beira os 40%, melhor que os 60% que chegou, mas ainda assim um número elevado. Em termos gerais, pelos dados da FGV a utilização da capacidade ociosa está 10% abaixo da média encontrada entre 2010 e 2013 (76% contra 84%). Provavelmente, apenas em 2019 chegaríamos em uma situação em que a atividade poderá começar a pressionar mais a inflação. Até lá, os riscos nesse sentido parecem baixos.
Por fim, vale sempre lembrar para que não caiamos novamente nesse erro no futuro: o Banco Central que tomou posse em 2016 tem grande parcela de responsabilidade na qualidade da condução da política monetária que permitiu manter os números sob controle. Mesmo que não houvesse o bônus da deflação de alimentos e/ou a recessão, ainda sim o BC estaria muito provavelmente conduzindo a política monetária para trazer a inflação para a meta. Isso significaria eventualmente uma taxa de juros maior do que temos agora, mas não é essa a questão e, sim, notar que a boa governança de um Banco Central importa para manter a inflação baixa.
Caso não haja nenhuma surpresa até o final do ano, caminhamos para ter juros de 6,25% (ou até 6%), com taxa real de juros em torno de 3%, algo historicamente baixo por ser a primeira vez que tal taxa seja alcançada com chances possíveis de sustentabilidade.
O que fazer para manter esse cenário favorável? Os suspeitos de sempre aqui também aparecem. A manutenção da boa agenda fiscal, com o gasto público sendo a âncora da inflação em complemento com a política monetária, e a continuidade da queda da meta de inflação, processo esse que parou de acontecer em 2006. Na próxima década para termos taxas reais e nominais de juros baixas precisaremos ter a meta de inflação também mais baixa, sendo 3% um bom começo.
Além disso, a grande diferença da agenda atual em relação ao passado é que não apenas a política macro de juros está funcionando, mas há uma política micro de juros também em andamento. De fato, no primeiro ciclo de queda de juros até 2006 a busca e entendimento maior era pelo lado macro dos juros. Dessa vez, além do macro, o governo corretamente começa a abordar o lado micro de como baixar essas taxas.
Essa agenda busca a diminuição dos spreads, que, como boa jabuticaba brasileira, tem diversos fatores que explicam as taxas exageradamente elevadas, como a elevada tributação e a dificuldade de recuperação de créditos até a alta concentração bancária. O Banco Central, junto como o Ministério da Fazenda, tem atuado para que os spreads diminuam, por exemplo, através do cadastro positivo impositivo, que ainda está emperrado no Congresso. Essencial para isso será o aumento da presença das fintechs e da tecnologia de blockchain, que promete revolucionar a capacidade de tomada de crédito no futuro pela menor dependência das grandes casas bancárias para tal. Aqui a tecnologia terá o papel de forçar os bancos a repensarem seus spreads se quiserem continuar crescendo.
Parece bom, não é? Só que a eleição deste ano pode enterrar todo esse cenário. A depender de quem ganhar, voltaremos a discutir coisas básicas, como o que fazer para diminuir a inflação que voltou por política macro equivocada da nova equipe econômica. No momento, com os nomes que temos, o que discutimos aqui poderia ser lembrado como algo efêmero novamente. Talvez o normal do país seja tatear constantemente a lama. Veremos no final do ano.
Depois de uma sequência de surpresas positivas na inflação, o Banco Central optou por seguir a toada e baixou a Selic em mais 0,25 ponto percentual e, melhor maior, sinalizou nova queda para a próxima reunião. Chegaremos, assim, a 6,25%, algo histórico para o país. Arriscaria a dizer que eventualmente poderá haver espaços para nova queda se a inflação seguir a boa trajetória iniciada desde o final do ano passado.
De fato, no segundo semestre de 2017 eram favas contadas que a inflação caminharia a passos largos de volta para a meta este ano. Praticamente todos no mercado trabalhavam com números próximos de 4% ou acima disso. Riscos não faltavam, especialmente oriundos dos preços administrados, para os quais víamos os preços da gasolina e da energia como vilões mais prováveis para esse cenário mais pessimista.
Mas mesmo com as altas desses itens no final do ano passado, a primeira surpresa foi o IPCA fechar em 2,9%, algo impensável no começo de 2017. Por razões semelhantes ao que se viu ano passado, a inflação caminha novamente para surpreender, talvez não tanto como em 2017, mas com números mais baixos do que se estimava a princípio.
Os suspeitos de sempre permanecem. Os alimentos continuam em deflação e os sinais por hora são positivos. A quebra de safra de soja na Argentina afetou os preços da commodity, mas não a ponto de mudar radicalmente a trajetória positiva dos preços. Ainda estamos nos beneficiando da forte safra do ano passado que, juntando-se aos elevados estoques de passagem e à boa safra desse ano, levará a inflação de alimentos novamente para baixo. A metade do ano especialmente costuma ter quedas de preços de alimentos por entrada de safra e, com isso, podemos ter novas rodadas de surpresas com o IPCA.
Segue sendo verdade que a recessão passou, mas que a capacidade ociosa ainda é relevante. O setor automobilístico é exemplo concreto disso, em que a capacidade ociosa beira os 40%, melhor que os 60% que chegou, mas ainda assim um número elevado. Em termos gerais, pelos dados da FGV a utilização da capacidade ociosa está 10% abaixo da média encontrada entre 2010 e 2013 (76% contra 84%). Provavelmente, apenas em 2019 chegaríamos em uma situação em que a atividade poderá começar a pressionar mais a inflação. Até lá, os riscos nesse sentido parecem baixos.
Por fim, vale sempre lembrar para que não caiamos novamente nesse erro no futuro: o Banco Central que tomou posse em 2016 tem grande parcela de responsabilidade na qualidade da condução da política monetária que permitiu manter os números sob controle. Mesmo que não houvesse o bônus da deflação de alimentos e/ou a recessão, ainda sim o BC estaria muito provavelmente conduzindo a política monetária para trazer a inflação para a meta. Isso significaria eventualmente uma taxa de juros maior do que temos agora, mas não é essa a questão e, sim, notar que a boa governança de um Banco Central importa para manter a inflação baixa.
Caso não haja nenhuma surpresa até o final do ano, caminhamos para ter juros de 6,25% (ou até 6%), com taxa real de juros em torno de 3%, algo historicamente baixo por ser a primeira vez que tal taxa seja alcançada com chances possíveis de sustentabilidade.
O que fazer para manter esse cenário favorável? Os suspeitos de sempre aqui também aparecem. A manutenção da boa agenda fiscal, com o gasto público sendo a âncora da inflação em complemento com a política monetária, e a continuidade da queda da meta de inflação, processo esse que parou de acontecer em 2006. Na próxima década para termos taxas reais e nominais de juros baixas precisaremos ter a meta de inflação também mais baixa, sendo 3% um bom começo.
Além disso, a grande diferença da agenda atual em relação ao passado é que não apenas a política macro de juros está funcionando, mas há uma política micro de juros também em andamento. De fato, no primeiro ciclo de queda de juros até 2006 a busca e entendimento maior era pelo lado macro dos juros. Dessa vez, além do macro, o governo corretamente começa a abordar o lado micro de como baixar essas taxas.
Essa agenda busca a diminuição dos spreads, que, como boa jabuticaba brasileira, tem diversos fatores que explicam as taxas exageradamente elevadas, como a elevada tributação e a dificuldade de recuperação de créditos até a alta concentração bancária. O Banco Central, junto como o Ministério da Fazenda, tem atuado para que os spreads diminuam, por exemplo, através do cadastro positivo impositivo, que ainda está emperrado no Congresso. Essencial para isso será o aumento da presença das fintechs e da tecnologia de blockchain, que promete revolucionar a capacidade de tomada de crédito no futuro pela menor dependência das grandes casas bancárias para tal. Aqui a tecnologia terá o papel de forçar os bancos a repensarem seus spreads se quiserem continuar crescendo.
Parece bom, não é? Só que a eleição deste ano pode enterrar todo esse cenário. A depender de quem ganhar, voltaremos a discutir coisas básicas, como o que fazer para diminuir a inflação que voltou por política macro equivocada da nova equipe econômica. No momento, com os nomes que temos, o que discutimos aqui poderia ser lembrado como algo efêmero novamente. Talvez o normal do país seja tatear constantemente a lama. Veremos no final do ano.