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Banco Central estará sozinho contra a inflação em 2026

No horizonte de 18 meses em que o BC agora trabalha, haveria espaço para um início de queda de juros mesmo com todos esses riscos elencados

Sede do Banco Central (Leandro Fonseca/Exame)

Sede do Banco Central (Leandro Fonseca/Exame)

Sergio Vale
Sergio Vale

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Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 14h11.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

 

A última decisão do Copom ainda manteve a sinalização de que poderia aumentar a taxa caso fosse necessário. Mas o que tem feito o BC ficar preocupado a ponto de manter sinais de Selic tão elevada ainda em 2026?

O nível de atividade indica desaceleração, com aprofundamento no quarto trimestre. Ao mesmo tempo, a taxa de câmbio e os preços dos alimentos foram fatores importantes de ajuda neste ano, mudando o cenário de inflação do começo para o final do ano. Não fossem esses dois fatores, a inflação estaria bem acima do teto da meta. E esse é um ponto de preocupação por parte do banco. Novamente, como em outros momentos de nossa história, os alimentos e o câmbio foram essenciais no processo desinflacionário. O câmbio teve papel já conhecido durante a fase inicial do Plano Real e nos primeiros mandatos do presidente Lula. E a inflação de alimentos teve papel importante neste ano, ainda que menos relevante do que nos ciclos de 2017 e 2023.

Quando se olha para 2026, a taxa de câmbio não tende a continuar se apreciando. Pelo contrário, o risco eleitoral e o cenário americano ainda conturbado tendem a manter o câmbio pressionado. Não veremos repetição do cenário de queda de câmbio que vimos neste ano, com risco de alguma depreciação a depender do cenário político. Ao mesmo tempo, a safra não será forte como neste ano e, sem ajuda do câmbio, há tendência de pressão em alimentos maior do que a observada agora. De fato, estimamos inflação de alimentos neste ano em 1,6% e, no próximo ano, em 4,6%.

Sem ajuda do câmbio e dos alimentos, o BC estará sozinho. A política fiscal tem sido expansionista, apesar do discurso contrário do governo. Em menos de três anos, até setembro de 2025, o gasto público total do Governo Central subiu 14% em relação ao patamar do final de 2022. Ao mesmo tempo, entre 2016 e o final de 2022, o gasto público subiu apenas 6,5%, ou seja, o atual governo acelerou o crescimento do gasto em um período muito mais curto de tempo. O efeito disso, em parte, se viu na inflação ao longo desses últimos anos.

Mas, além do impacto da política fiscal, há os efeitos das políticas microeconômicas de estímulo, como crédito consignado privado e isenção do imposto de renda. Não fossem

essas políticas, o crescimento econômico tenderia a ser menor do que 1% no próximo ano, o que ajudaria a encurtar ainda mais o hiato do produto — a distância entre o PIB efetivo e o PIB potencial.

Ainda por causa da própria política fiscal mal desenhada, a taxa de juros neutra no Brasil tem subido e se encontra hoje entre 6,5% e 7%, voltando aos patamares de 20 anos atrás, quando a política fiscal ainda encontrava seu caminho de ajuste. Com taxa neutra tão elevada, o BC não tem como manter a taxa básica real muito baixa, o que reforça a ideia de que, para baixarmos a taxa neutra e consequentemente a taxa básica de juros, o ajuste fiscal é mandatório.

Mas esses cenários de incerteza estão, em parte, contemplados pelo mercado. Já se conta com menos ajuda do câmbio, dos alimentos e do Executivo. Mesmo assim, a inflação caminha para ficar abaixo de 4,5% em 2026, aproximando-se de 4%, e chegando a 3,2% no final do primeiro semestre de 2027. No horizonte de 18 meses em que o BC agora trabalha, haveria espaço para um início de queda de juros mesmo com todos esses riscos elencados. Eles já estão, em grande parte, na conta do próximo ano.

Isso permitiria que o BC começasse a diminuir a taxa de juros no começo do próximo ano, sem prejuízo de efeito da política monetária. Com Selic a 13%, a taxa real ainda estaria próxima de 10%, suficiente para seguir desacelerando a atividade, especialmente os serviços e o mercado de trabalho.

Quanto mais tempo leva para o BC ajustar os juros, maior é o risco de não se poder fazer muito com a proximidade do processo eleitoral. Difícil ver o BC diminuindo juros em pleno período de eleição. Mas fica a dúvida se uma taxa real de juros consistentemente elevada de 10% ao longo de todo o ano já não seria suficiente para desacelerar a atividade e trazer a inflação para mais perto da meta.

Claro que tudo isso está em risco por conta de eventualmente não se fazer o ajuste fiscal necessário em 2027. Isso mudaria completamente o cenário e, aí sim, o BC estaria falando de ter que subir juros. Mas o dado concreto atual permite que o BC comece a flexibilizar a política monetária sem prejuízo à sua própria reputação. Não ter prenunciado isso na decisão de dezembro coloca incerteza sobre os próximos passos, atrasa o processo de queda e leva ao risco de uma desaceleração da atividade mais acentuada do que seria necessária nesse momento para conter a inflação.