A queda de PIB em 2020 é uma gota em nossa decadência
"A queda de 4,1% no PIB de 2020 pode parecer um resultado muito ruim, mas na verdade foi bastante positivo. Duas coisas ajudaram a amenizar a crise e colocar um cenário diferente do que aparecia em abril do ano passado"
marianamartucci
Publicado em 11 de março de 2021 às 17h07.
A queda de 4,1% no PIB de 2020 pode parecer um resultado muito ruim, mas na verdade foi bastante positivo. As expectativas iniciais eram tenebrosas pela falta de horizonte de saída. Duas coisas ajudaram a amenizar a crise e colocar um cenário diferente do que aparecia em abril do ano passado.
Primeiro, os pacotes fiscal e monetário conseguiram ajudar na retomada. No varejo, por exemplo, se não tivéssemos tido o auxílio emergencial as vendas teriam caído 9% ao invés de 1,5%. No final, o impacto no PIB apenas do auxílio deve ter sido da ordem de pouco mais de 2 pontos percentuais, ou seja, o PIB teria caído mais de 6% ao invés dos 4,1%. Além disso, programas de flexibilização do emprego como o BEm conseguiram evitar perda maior no mercado de trabalho.
Segundo, o prognóstico de vacinação no segundo semestre melhorou as expectativas, especialmente porque parecia que a contaminação estava de fato diminuindo. Os pacotes de estímulo foram sendo retirados em um momento que a vacinação poderia dar conta do resto.
Mas a volta agressiva da pandemia atrapalhou a retomada. O Brasil foi pego no contrapé de não ter mais condições fiscais de novos programas agressivos ao mesmo tempo em que a pandemia voltou com mais intensidade com as novas cepas e o governo federal alheio à crise. A dificuldade de segurar a população em casa sem programas de auxílio tem o efeito de piorar o prognóstico da doença. Ela está mais agressiva enquanto as pessoas estão voltando às ruas. Esse conjunto força inevitavelmente que os governos tenham que implementar algum tipo de quarentena, o que é inevitável dada a evolução da doença, mas tende a afetar a economia com consequências mais de longo prazo. Se ano passado foi possível evitar demissões e falências com os programas, dessa vez não será possível e a consequência poderá ser mais desemprego e fechamento de empresas ao longo dos próximos meses. Não à toa estamos mais pessimistas com a recuperação este ano, com apenas 2,6% de crescimento de PIB.
Não bastasse a gravidade da pandemia, o presidente resolve tirar o véu que turvava a visão do mercado e atrás dele o velho retrato da presidente Dilma aparece com desagrado. A intervenção na Petrobrás é só o começo do que deveremos ver nos próximos meses pelas pressões que teremos em energia e nas commodities como um todo. Um presidente impaciente com baixa popularidade e pressões inflacionárias que afetam o bolso do seu eleitor e com a proximidade das eleições faz com que atitudes populistas aumentem ainda mais. Tenho dito que no primeiro semestre viveremos o efeito pandemia e, no segundo, o efeito Bolsonaro. Pois o comportamento do presidente tem o efeito de afetar preços de ativos agora, fazer com que o BC tenha que subir juros antes do esperado e com a proximidade da eleição o mercado fará a pergunta incontornável: o presidente candidato em 2022 é liberal ou intervencionista? Ou seja, seriam quatro anos de um presidente cada vez mais livre para marcar sua agenda populista longe do ideal liberal inatingível de Guedes. Não tem como isso não afetar negativamente as expectativas, especialmente de investimentos.
Neste velho cenário que se avizinha, uma palavra vem a mente: decadência. Mas não é uma palavra à toa, mas sugerida pelos títulos de dois livros excelentes recém-lançados que colocam dúvidas mais de longo prazo em nossa histórica econômica.
O primeiro, de Carlos Melo, Milton Seligman e Malu Delgado, chama Decadência e Reconstrução e conta a história política e econômica recente do Espírito Santo. Como se sabe, o estado esteve às voltas com o crime organizado se infiltrando gradativamente na política e paralisando a capacidade do estado em entregar serviços mínimos à sociedade, a começar da segurança pública. Durante muitos anos o estado foi campeão nos indicadores de violência. Mas a eleição de um grupo político e a visão apartidária de que seria necessária uma união de forças para combater a crise é o exemplo claro de que certas decadências podem ser revertidas. A eleição de Paulo Hartung em 2002 para o governo em trabalho conjunto com o presidente petista da Assembleia foi um marco positivo para o estado e que deu frutos até hoje colhidos pelo Estado.
O caso do Espírito Santo, entretanto, me parece difícil de replicar para o resto do país. Foi pouco explorado no livro, mas a boa burocracia pública em conjunto com forte grupos de interesse da sociedade ajudaram a dar o início de mudança. Especialmente importante no Estado é ele ser um polo de exportação e, por isso, ter muita força também de empresas multinacionais que tinham todo o interesse em manter a estabilidade política e social do Estado. São condições muito particulares do estado que também foi beneficiado por um momento da economia brasileira entre 2003 e 2005 que parecia haver um trabalho conjunto entre diversas forças para manter a trajetória de crescimento do país. A pouca polarização que existia à época ajudou na construção virtuosa do Estado. Fossem o PT e o PSDB muito mais polarizados naquele momento trabalhos apartidários como o do Espírito Santo talvez não funcionassem.
O que nos leva ao outro livro, de Mathew Taylor, brasilianista professor da American University, que acaba de lançar Decadent Developmentalism: the political economy of Democratic Brazil. Aqui a experiência de sucesso do Espírito Santo empalidece no meio do caos maior nacional. Mathew constrói uma ligação entre cinco macro categorias institucionais econômicas e políticas que deixam a construção do país mais pesada. Em sua visão, o emaranhado de ligações entre essas instituições atrasa a capacidade do país de sair da longa crise que nos atinge. Muitas vezes as análises em outros autores captam um desses pontos apenas, mas Mathew mostra que o entrelaçamento dessas instituições é a chave para entender nosso atraso. Tomamos o caminho errado de um desenvolvimentismo em que vários atores acabaram por servir como âncoras pesadas. A falta de coordenação e foco do que fazer e seguir de certa forma ajuda a explicar esse modelo decadente em que ainda nos encontramos.
A queda de PIB de 4,1% em 2020, assim, é uma gota em uma história de decadência que parece ser difícil de ter saída como no Espírito Santo. Como reverter a queda histórica de 5,5% no PIB per capita na década passada sem uma história positiva menos polarizada e com direcionado virtuoso das nossas instituições? De certa forma esses dois livros mostram os pontos a serem atacados, mas parece que estamos ainda longe de tomar o rumo certo.
*Sergio Valeé economista-chefe da MB Associados.
A queda de 4,1% no PIB de 2020 pode parecer um resultado muito ruim, mas na verdade foi bastante positivo. As expectativas iniciais eram tenebrosas pela falta de horizonte de saída. Duas coisas ajudaram a amenizar a crise e colocar um cenário diferente do que aparecia em abril do ano passado.
Primeiro, os pacotes fiscal e monetário conseguiram ajudar na retomada. No varejo, por exemplo, se não tivéssemos tido o auxílio emergencial as vendas teriam caído 9% ao invés de 1,5%. No final, o impacto no PIB apenas do auxílio deve ter sido da ordem de pouco mais de 2 pontos percentuais, ou seja, o PIB teria caído mais de 6% ao invés dos 4,1%. Além disso, programas de flexibilização do emprego como o BEm conseguiram evitar perda maior no mercado de trabalho.
Segundo, o prognóstico de vacinação no segundo semestre melhorou as expectativas, especialmente porque parecia que a contaminação estava de fato diminuindo. Os pacotes de estímulo foram sendo retirados em um momento que a vacinação poderia dar conta do resto.
Mas a volta agressiva da pandemia atrapalhou a retomada. O Brasil foi pego no contrapé de não ter mais condições fiscais de novos programas agressivos ao mesmo tempo em que a pandemia voltou com mais intensidade com as novas cepas e o governo federal alheio à crise. A dificuldade de segurar a população em casa sem programas de auxílio tem o efeito de piorar o prognóstico da doença. Ela está mais agressiva enquanto as pessoas estão voltando às ruas. Esse conjunto força inevitavelmente que os governos tenham que implementar algum tipo de quarentena, o que é inevitável dada a evolução da doença, mas tende a afetar a economia com consequências mais de longo prazo. Se ano passado foi possível evitar demissões e falências com os programas, dessa vez não será possível e a consequência poderá ser mais desemprego e fechamento de empresas ao longo dos próximos meses. Não à toa estamos mais pessimistas com a recuperação este ano, com apenas 2,6% de crescimento de PIB.
Não bastasse a gravidade da pandemia, o presidente resolve tirar o véu que turvava a visão do mercado e atrás dele o velho retrato da presidente Dilma aparece com desagrado. A intervenção na Petrobrás é só o começo do que deveremos ver nos próximos meses pelas pressões que teremos em energia e nas commodities como um todo. Um presidente impaciente com baixa popularidade e pressões inflacionárias que afetam o bolso do seu eleitor e com a proximidade das eleições faz com que atitudes populistas aumentem ainda mais. Tenho dito que no primeiro semestre viveremos o efeito pandemia e, no segundo, o efeito Bolsonaro. Pois o comportamento do presidente tem o efeito de afetar preços de ativos agora, fazer com que o BC tenha que subir juros antes do esperado e com a proximidade da eleição o mercado fará a pergunta incontornável: o presidente candidato em 2022 é liberal ou intervencionista? Ou seja, seriam quatro anos de um presidente cada vez mais livre para marcar sua agenda populista longe do ideal liberal inatingível de Guedes. Não tem como isso não afetar negativamente as expectativas, especialmente de investimentos.
Neste velho cenário que se avizinha, uma palavra vem a mente: decadência. Mas não é uma palavra à toa, mas sugerida pelos títulos de dois livros excelentes recém-lançados que colocam dúvidas mais de longo prazo em nossa histórica econômica.
O primeiro, de Carlos Melo, Milton Seligman e Malu Delgado, chama Decadência e Reconstrução e conta a história política e econômica recente do Espírito Santo. Como se sabe, o estado esteve às voltas com o crime organizado se infiltrando gradativamente na política e paralisando a capacidade do estado em entregar serviços mínimos à sociedade, a começar da segurança pública. Durante muitos anos o estado foi campeão nos indicadores de violência. Mas a eleição de um grupo político e a visão apartidária de que seria necessária uma união de forças para combater a crise é o exemplo claro de que certas decadências podem ser revertidas. A eleição de Paulo Hartung em 2002 para o governo em trabalho conjunto com o presidente petista da Assembleia foi um marco positivo para o estado e que deu frutos até hoje colhidos pelo Estado.
O caso do Espírito Santo, entretanto, me parece difícil de replicar para o resto do país. Foi pouco explorado no livro, mas a boa burocracia pública em conjunto com forte grupos de interesse da sociedade ajudaram a dar o início de mudança. Especialmente importante no Estado é ele ser um polo de exportação e, por isso, ter muita força também de empresas multinacionais que tinham todo o interesse em manter a estabilidade política e social do Estado. São condições muito particulares do estado que também foi beneficiado por um momento da economia brasileira entre 2003 e 2005 que parecia haver um trabalho conjunto entre diversas forças para manter a trajetória de crescimento do país. A pouca polarização que existia à época ajudou na construção virtuosa do Estado. Fossem o PT e o PSDB muito mais polarizados naquele momento trabalhos apartidários como o do Espírito Santo talvez não funcionassem.
O que nos leva ao outro livro, de Mathew Taylor, brasilianista professor da American University, que acaba de lançar Decadent Developmentalism: the political economy of Democratic Brazil. Aqui a experiência de sucesso do Espírito Santo empalidece no meio do caos maior nacional. Mathew constrói uma ligação entre cinco macro categorias institucionais econômicas e políticas que deixam a construção do país mais pesada. Em sua visão, o emaranhado de ligações entre essas instituições atrasa a capacidade do país de sair da longa crise que nos atinge. Muitas vezes as análises em outros autores captam um desses pontos apenas, mas Mathew mostra que o entrelaçamento dessas instituições é a chave para entender nosso atraso. Tomamos o caminho errado de um desenvolvimentismo em que vários atores acabaram por servir como âncoras pesadas. A falta de coordenação e foco do que fazer e seguir de certa forma ajuda a explicar esse modelo decadente em que ainda nos encontramos.
A queda de PIB de 4,1% em 2020, assim, é uma gota em uma história de decadência que parece ser difícil de ter saída como no Espírito Santo. Como reverter a queda histórica de 5,5% no PIB per capita na década passada sem uma história positiva menos polarizada e com direcionado virtuoso das nossas instituições? De certa forma esses dois livros mostram os pontos a serem atacados, mas parece que estamos ainda longe de tomar o rumo certo.
*Sergio Valeé economista-chefe da MB Associados.