A ONU comprova: o mundo está sem liderança
Charles de Gaulle dizia que um grande líder surgia da combinação de desejo com um período excepcional de tempo. Talvez via na sua própria figura tíbia a necessidade de outros atributos para crescer e se tornar o líder que, muitas vezes, soube ser na década de 60. Olhando o mundo hoje, faltam às lideranças o […]
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2016 às 11h51.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
Charles de Gaulle dizia que um grande líder surgia da combinação de desejo com um período excepcional de tempo. Talvez via na sua própria figura tíbia a necessidade de outros atributos para crescer e se tornar o líder que, muitas vezes, soube ser na década de 60.
Olhando o mundo hoje, faltam às lideranças o tipo de carisma que molda o presente e reconstrói o futuro. Da mesma forma que havia de Gaulle, quantos Adenauers ou Eisenhowers não faltam hoje, especialmente na Europa. Obama e Merkel talvez tivessem esse papel, mas em um mundo em que os países olham para o próprio umbigo, difícil pensar no futuro. Obama foi propositivo em diversas instâncias, como em Cuba e Irã, mas dando a impressão que tentava se livrar dos problemas que ainda lhe restavam mais próximos e que apenas os EUA poderiam lidar. A opção de não interferência da política externa americana permite que o Oriente Médio tente resolver sua situação com a Síria ou que a Venezuela afunde. Parece que a opção americana é tentar interferir apenas quando houver algum risco nuclear mais concreto, como parece ser agora o caso da Coreia do Norte.
Merkel tentou mostrar que o caminho do aumento da imigração seria positivo para uma Europa que envelhece rapidamente e que não terá condições de crescimento sem população jovem. O Brexit foi um sinal de que a imigração não é bem-vista na Europa e teremos mais um sinal disso quando a Hungria votar em outubro o referendo sobre a cotas de migração impostas pela União Europeia e rechaçadas pelo país.
Xenofobia e nacionalismo não permitem que líderes como Obama e Merkel floresçam além da pequena política que conseguem fazer para a plateia doméstica. Obama sabe que os EUA não têm a liderança do passado, o que explica em parte a opção por não se aventurar em guerras ou conflitos mundo afora. Merkel sabe que optar por uma Europa mais unida demandaria flexibilizar sua demanda por austeridade fiscal e monetária, quase um mantra na Alemanha desde o fim da hiperinflação na década de 20.
As necessidades da política doméstica estão cada vez mais dominando as decisões de política externa. Não que tivesse sido diferente no passado. Mas talvez houvessem lideranças que permitissem que se visse além do casulo doméstico. Reagan e Thatcher foram líderes desse tipo. Havia até a década de 80, pelo menos, a percepção de que a negociação e a solução de crises econômicas passavam por decisões que iam além de questões meramente domésticas. O acordo de Plaza em 1985 que depreciou o dólar em uma ação coordenada do G7, por exemplo, seria impensável hoje. O FMI, o Banco Mundial e o GATT (hoje OMC) tinham mais capacidade de coordenação do que hoje.
É verdade que muitas das políticas desses órgãos caíram em descrédito por não terem cumprido seus objetivos. O fato é que especialmente o FMI e a OMC nunca conseguiram implementar suas políticas a contento, pois justamente havia a política doméstica muitas vezes em desacordo com as linhas gerais desses órgãos. Tanto um quanto outro significavam mais liberalismo, mais comércio, mais políticas macro ortodoxas e mais fundamentos microeconômicos. Não à toa, nesse mundo mais fechado, as opções de coordenação de política econômica ficaram à mingua e a chance de grandes lideranças também. No fundo, os grandes líderes são moldados na política doméstica, mas apenas se consolidam na política internacional. Cada vez mais isso será difícil. Lideranças negativas como a ex-presidente Dilma, eternamente olhando o próprio umbigo tupiniquim, ou, pior ainda, Donald Trump e ternamente querendo entrar em conflito com quem quer que seja, são as lideranças disponíveis ao mundo nos últimos anos.
Sem as condições fáceis para crescer de outros tempos, os países terão que cada vez mais coordenarem suas ações para que não vivamos eternamente em crise. O mundo tem alternado nos últimos anos, como nos lembra Raghuram Rajan em Progress and Confusion: The State of Macroeconomic Policy, crises dos emergentes em seguida de crises dos desenvolvidos. As expansões monetárias competitivias ( quantitative easing ) levam a tentativas de crescimento por essas políticas que levam a taxas de câmbio mais depreciadas e crises nos países em déficit em conta corrente. Na visão de Rajan é como se cada país buscasse seu crescimento às custas do crescimento do vizinho. Já vimos algo semelhante nos aumentos competitivos de tarifas de importação na década de 30, que ajudou a aprofundar a Grande Depressão.
Não parece haver lideranças com essa percepção, nem vontade para se fazer algo além do arroz com feijão doméstico. Domar os extremismos domésticos exigiria líderes que olhassem cada vez mais para fora e não o contrário. A vitória de Trump nos EUA, assim, seria um ápice dessa vertente salve-se quem puder a que chegamos. Além da sua capacidade de gerar uma recessão mundial, isolará ainda mais os EUA e forçará, pelo crescimento baixo, aos países europeus e asiáticos a olharem cada vez mais para si mesmos, sem abertura para que o G20 se torne algo efetivo.
No meio da bagunça mundial, quem sabe Temer são seja a pessoa com o desejo atrelado ao período excepcional de um mundo que se fecha e surge ao menos como capaz de levar o Brasil a uma relevância maior? Não se espera dele nada grandioso no cenário internacional em momentos de discurso na ONU, mas o arroz e feijão básico doméstico ajudaria a manter o país menos contaminado pelas intempéries do mundo. Neste mundo de lideranças isoladas e pouco grandiosas, Temer terá a chance de recolocar o país nos trilhos contrários aos caminhos do mundo atual. Espera-se que o brilho efêmero do poder pmdebista não mascare as urgências com que o país necessita lidar.
Charles de Gaulle dizia que um grande líder surgia da combinação de desejo com um período excepcional de tempo. Talvez via na sua própria figura tíbia a necessidade de outros atributos para crescer e se tornar o líder que, muitas vezes, soube ser na década de 60.
Olhando o mundo hoje, faltam às lideranças o tipo de carisma que molda o presente e reconstrói o futuro. Da mesma forma que havia de Gaulle, quantos Adenauers ou Eisenhowers não faltam hoje, especialmente na Europa. Obama e Merkel talvez tivessem esse papel, mas em um mundo em que os países olham para o próprio umbigo, difícil pensar no futuro. Obama foi propositivo em diversas instâncias, como em Cuba e Irã, mas dando a impressão que tentava se livrar dos problemas que ainda lhe restavam mais próximos e que apenas os EUA poderiam lidar. A opção de não interferência da política externa americana permite que o Oriente Médio tente resolver sua situação com a Síria ou que a Venezuela afunde. Parece que a opção americana é tentar interferir apenas quando houver algum risco nuclear mais concreto, como parece ser agora o caso da Coreia do Norte.
Merkel tentou mostrar que o caminho do aumento da imigração seria positivo para uma Europa que envelhece rapidamente e que não terá condições de crescimento sem população jovem. O Brexit foi um sinal de que a imigração não é bem-vista na Europa e teremos mais um sinal disso quando a Hungria votar em outubro o referendo sobre a cotas de migração impostas pela União Europeia e rechaçadas pelo país.
Xenofobia e nacionalismo não permitem que líderes como Obama e Merkel floresçam além da pequena política que conseguem fazer para a plateia doméstica. Obama sabe que os EUA não têm a liderança do passado, o que explica em parte a opção por não se aventurar em guerras ou conflitos mundo afora. Merkel sabe que optar por uma Europa mais unida demandaria flexibilizar sua demanda por austeridade fiscal e monetária, quase um mantra na Alemanha desde o fim da hiperinflação na década de 20.
As necessidades da política doméstica estão cada vez mais dominando as decisões de política externa. Não que tivesse sido diferente no passado. Mas talvez houvessem lideranças que permitissem que se visse além do casulo doméstico. Reagan e Thatcher foram líderes desse tipo. Havia até a década de 80, pelo menos, a percepção de que a negociação e a solução de crises econômicas passavam por decisões que iam além de questões meramente domésticas. O acordo de Plaza em 1985 que depreciou o dólar em uma ação coordenada do G7, por exemplo, seria impensável hoje. O FMI, o Banco Mundial e o GATT (hoje OMC) tinham mais capacidade de coordenação do que hoje.
É verdade que muitas das políticas desses órgãos caíram em descrédito por não terem cumprido seus objetivos. O fato é que especialmente o FMI e a OMC nunca conseguiram implementar suas políticas a contento, pois justamente havia a política doméstica muitas vezes em desacordo com as linhas gerais desses órgãos. Tanto um quanto outro significavam mais liberalismo, mais comércio, mais políticas macro ortodoxas e mais fundamentos microeconômicos. Não à toa, nesse mundo mais fechado, as opções de coordenação de política econômica ficaram à mingua e a chance de grandes lideranças também. No fundo, os grandes líderes são moldados na política doméstica, mas apenas se consolidam na política internacional. Cada vez mais isso será difícil. Lideranças negativas como a ex-presidente Dilma, eternamente olhando o próprio umbigo tupiniquim, ou, pior ainda, Donald Trump e ternamente querendo entrar em conflito com quem quer que seja, são as lideranças disponíveis ao mundo nos últimos anos.
Sem as condições fáceis para crescer de outros tempos, os países terão que cada vez mais coordenarem suas ações para que não vivamos eternamente em crise. O mundo tem alternado nos últimos anos, como nos lembra Raghuram Rajan em Progress and Confusion: The State of Macroeconomic Policy, crises dos emergentes em seguida de crises dos desenvolvidos. As expansões monetárias competitivias ( quantitative easing ) levam a tentativas de crescimento por essas políticas que levam a taxas de câmbio mais depreciadas e crises nos países em déficit em conta corrente. Na visão de Rajan é como se cada país buscasse seu crescimento às custas do crescimento do vizinho. Já vimos algo semelhante nos aumentos competitivos de tarifas de importação na década de 30, que ajudou a aprofundar a Grande Depressão.
Não parece haver lideranças com essa percepção, nem vontade para se fazer algo além do arroz com feijão doméstico. Domar os extremismos domésticos exigiria líderes que olhassem cada vez mais para fora e não o contrário. A vitória de Trump nos EUA, assim, seria um ápice dessa vertente salve-se quem puder a que chegamos. Além da sua capacidade de gerar uma recessão mundial, isolará ainda mais os EUA e forçará, pelo crescimento baixo, aos países europeus e asiáticos a olharem cada vez mais para si mesmos, sem abertura para que o G20 se torne algo efetivo.
No meio da bagunça mundial, quem sabe Temer são seja a pessoa com o desejo atrelado ao período excepcional de um mundo que se fecha e surge ao menos como capaz de levar o Brasil a uma relevância maior? Não se espera dele nada grandioso no cenário internacional em momentos de discurso na ONU, mas o arroz e feijão básico doméstico ajudaria a manter o país menos contaminado pelas intempéries do mundo. Neste mundo de lideranças isoladas e pouco grandiosas, Temer terá a chance de recolocar o país nos trilhos contrários aos caminhos do mundo atual. Espera-se que o brilho efêmero do poder pmdebista não mascare as urgências com que o país necessita lidar.