Uma solução norte-americana para evitar Cristiane Brasil
Processo de aprovação parlamentar conteria baixa qualidade de políticos no governo
Da Redação
Publicado em 15 de janeiro de 2018 às 17h19.
A baixa qualidade de representantes políticos é reclamação recorrente não só no Brasil, mas em democracias consolidadas como a norte-americana e inglesa. Há algo no trabalho parlamentar – talvez a exposição excessiva? – que nos leva a crer que deputados são menos competentes e mais corruptos do que a média dos cidadãos. Basta eleger parlamentares melhores, certo? Sem dúvida, mas como? É possível que só novas regras eleitorais e um eleitorado mais bem informado consigam fazê-lo. A representação proporcional de lista aberta, o tipo de financiamento de campanha e a má informação do eleitorado talvez expliquem a existência da deputada federal Cristiane Brasil (PTB), filha do mensaleiro Roberto Jefferson (PTB).
Mas não explica sua nomeação, por enquanto travada, para o Ministério do Trabalho. Duas perguntas são pertinentes a partir da escolha de Cristiane Brasil para ocupar esse cargo é: por que, além de deputados, temos ministros de baixa qualidade? E o que pode ser feito para termos bons ministros? Uma resposta possível é: fazer com que seu processo de nomeação seja mais aberto e democrático, como o norte-americano.
Ter parlamentares de baixa qualidade é ruim, mas não é a pior coisa do mundo. Individualmente, parlamentares são pouco poderosos. Um deputado incompetente e corrupto não terá tantas oportunidades para levar adiante suas propostas ruins nem para firmar esquemas – ao menos sozinho. Ministros péssimos podem fazer estrago bem maior.
O ministério de Temer não tem qualidade alta. Eliseu Padilha (MDB), Moreira Franco (MDB) e Henrique Meirelles (PSD) são as estrelas do ministério de Michel Temer (MDB). Padilha e Franco são ministros leais ao presidente, eficazes em seu trabalho e fortemente acusados de corrupção. Meirelles é de outro partido, é legal à agenda econômica de Temer e contra ele não pesam acusações por atos corruptos. Dois atributos têm clara importância para escolher um ministro: lealdade e competência. Padilha e Franco são tão leis que participam até da mesma organização criminosa! (Brincadeira triste à parte, esses políticos do MDB podem confiar uns nos outros pois, individualmente, nada têm a ganhar confessando corrupção própria e alheia. O tempo das delações bem premiadas já passou.) Parecem competentes para as tarefas que o presidente delegou: organização das propostas legislativas (inclusive travar a nova Lei de Falências proposta pela equipe de Meirelles) e interação com empresários.
E Cristiane Brasil? Ao conversar com Roberto Jefferson sobre sua nomeação, o presidente tinha poucas informações sobre ela. Sabia de quem é filha e que é deputada. Sabia que Cristiane usou camisa da CBF na votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT). Sabia que é uma defensora e articuladora da Reforma da Previdência. Sabia que indicá-la cimentaria sua boa relação com o mensaleiro que preside o PTB – e, portanto, poderia aumentar o apoio do partido à Reforma da Previdência. Ou seja, a nomeação tinha custo baixo e retorno mediano.
Vamos pausar o raciocínio aqui e imaginar um outro conjunto de regras para a nomeação de ministros. Suponhamos que, como nos Estados Unidos, o presidente indique ministros (e cargos de confiança de alto nível) e os senadores sejam responsáveis por aceitar ou rejeitar os nomes escolhidos pelo presidente. A responsabilidade pela nomeação ministerial será coletiva, compartilhada entre o presidente e o Senado como um todo. Michel Temer teria que antecipar a reação dos parlamentares antes de indicar pessoas para seus ministérios. Marx Beltrão (MDB) para o Ministério do Turismo irritaria o PSDB? Aloysio Nunes Teixeira (PSDB) no Itamaraty enciumaria o DEM? Gilberto Kassab (PSD) no Ministério de Ciência e Tecnologia seria considerado centrista demais por um Senado conservador? Temer teria que pesar bem suas indicações para que as nomeações não causassem confusão nem demorassem. Atualmente, o cenário é mais tranquilo: basta nomear pessoas mais ou menos decentes e dar espaço na Esplanada mais ou menos proporcional ao tamanho das bancadas partidárias. Dilma e Lula deram menos ministérios para os aliados do que poderiam, e deu no que deu.
A posse de um ministro ocorreria após duas etapas: i) indicação do presidente; ii) aprovação da maioria dos senadores. Nos Estados Unidos, a indicação leva em conta a possível reação dos senadores. Bill Clinton indicou, em 1993, Robert Reich para o Ministério do Trabalho. Reich estava à esquerda de Clinton. Defendia aumentar o salário-mínimo. Alguns anos depois, foi um dos primeiros democratas a apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Imaginem a reação de parlamentares conservadores a uma nomeação dessas. Reich só foi admitido para o ministério de Clinton porque o Partido Democrata tinha maioria no Senado. Ou seja: quando o partido do presidente tem maioria parlamentar, a nomeação de ministros mais leais e ideologicamente alinhados com o presidente é mais provável.
Mesmo assim, nada está garantido. Donald Trump indicou Betsy DeVos, grande financiadora de campanhas do Partido Republicano para o Ministério da Educação em janeiro do ano passado. Três horas de perguntas dos senadores foram suficientes para colocar a nomeação de DeVos em xeque. Ela deu respostas vagas ou incorretas a diversas questões importantes. Deixou claro que não é especialista no assunto. Por conta disso, dois senadores republicanos votaram contra sua entrada no ministério. Como 48 senadores eram democratas e 52 eram republicanos à época, o empate 50-50 forçou o vice-presidente Mike Pence (Republicano) a dar o voto de desempate a favor de DeVos. (Nos Estados Unidos, o vice-presidente da República é também o presidente do Senado.) Foi a primeira vez na história do país que uma indicação ministerial precisou do voto de desempate. É uma lição sobre como uma ministra de baixíssima qualidade pode ser bancada pelo partido do presidente – mesmo tendo passado raspando pela sabatina com senadores.
Outra dinâmica interessante surge no processo de nomeações ministeriais com aprovação parlamentar. Digamos que esse sistema estivesse em vigor no Brasil quando Lula assumiu a presidência em 2003. O presidente poderia indicar todos os ministros de uma só vez ou fazê-lo sequencialmente. Poderia optar por indicar, com mais rapidez, ministros que chefiaram burocracias repletas de funcionários mais conservadores do que o presidente. O Ministério da Fazenda seria um bom exemplo. Diversos estudos mostram que economistas são mais conservadores do que a média da sociedade. Antonio Palocci (PT) seria indicado antes do que Cristovam Buarque (PT) para o Ministério da Educação. Com isso, a batalha mais difícil seria disputada (e provavelmente vencida) antes no senado. É o que acontece nos Estados Unidos, de acordo com um ótimo estudo dos cientistas políticos Gary Hollibaugh Jr. e Lawrence Rothenberg. (O artigo “The When and Why of Nominations: Determinants of Presidential Appointments” foi publicado em 2016 pela American Politics Research.)
Para terminar, mais uma consequência seria interessante caso a nomeação fosse em parte “parlamentar”. Todo ano os ministros norte-americanos precisam ter o orçamento para suas pastas aprovado pelo Congresso Nacional. Digamos que um ministro democrata, nomeado por um presidente do mesmo partido, se depare com um Legislativo de maioria republicana após alguns anos. Como convencer os parlamentares de outro partido a bancar suas políticas públicas? Uma possível estratégia, segundo Anthony Bertellli e Christian Grose, é o ministro discordar publicamente do presidente para agradar os parlamentares. O movimento é delicado, pois o presidente pode demitir o ministro a qualquer momento. Mas ocorre e serve para diminuir “extremidades ideológicas”. (O texto é “Agreeable Administrators? Analyzing the Public Positions of Cabinet Secretaries and Presidents”, publicado pela Presidential Studies Quarterly em 2007.)
Acho inegável que um processo de aprovação parlamentar melhoraria a qualidade de nossos ministros. Se nada mais ocorresse, pelo menos a opinião de Roberto Jefferson (PTB) seria apenas uma entre outras. Está aí um desenvolvimento institucional que o Brasil precisa.
A baixa qualidade de representantes políticos é reclamação recorrente não só no Brasil, mas em democracias consolidadas como a norte-americana e inglesa. Há algo no trabalho parlamentar – talvez a exposição excessiva? – que nos leva a crer que deputados são menos competentes e mais corruptos do que a média dos cidadãos. Basta eleger parlamentares melhores, certo? Sem dúvida, mas como? É possível que só novas regras eleitorais e um eleitorado mais bem informado consigam fazê-lo. A representação proporcional de lista aberta, o tipo de financiamento de campanha e a má informação do eleitorado talvez expliquem a existência da deputada federal Cristiane Brasil (PTB), filha do mensaleiro Roberto Jefferson (PTB).
Mas não explica sua nomeação, por enquanto travada, para o Ministério do Trabalho. Duas perguntas são pertinentes a partir da escolha de Cristiane Brasil para ocupar esse cargo é: por que, além de deputados, temos ministros de baixa qualidade? E o que pode ser feito para termos bons ministros? Uma resposta possível é: fazer com que seu processo de nomeação seja mais aberto e democrático, como o norte-americano.
Ter parlamentares de baixa qualidade é ruim, mas não é a pior coisa do mundo. Individualmente, parlamentares são pouco poderosos. Um deputado incompetente e corrupto não terá tantas oportunidades para levar adiante suas propostas ruins nem para firmar esquemas – ao menos sozinho. Ministros péssimos podem fazer estrago bem maior.
O ministério de Temer não tem qualidade alta. Eliseu Padilha (MDB), Moreira Franco (MDB) e Henrique Meirelles (PSD) são as estrelas do ministério de Michel Temer (MDB). Padilha e Franco são ministros leais ao presidente, eficazes em seu trabalho e fortemente acusados de corrupção. Meirelles é de outro partido, é legal à agenda econômica de Temer e contra ele não pesam acusações por atos corruptos. Dois atributos têm clara importância para escolher um ministro: lealdade e competência. Padilha e Franco são tão leis que participam até da mesma organização criminosa! (Brincadeira triste à parte, esses políticos do MDB podem confiar uns nos outros pois, individualmente, nada têm a ganhar confessando corrupção própria e alheia. O tempo das delações bem premiadas já passou.) Parecem competentes para as tarefas que o presidente delegou: organização das propostas legislativas (inclusive travar a nova Lei de Falências proposta pela equipe de Meirelles) e interação com empresários.
E Cristiane Brasil? Ao conversar com Roberto Jefferson sobre sua nomeação, o presidente tinha poucas informações sobre ela. Sabia de quem é filha e que é deputada. Sabia que Cristiane usou camisa da CBF na votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT). Sabia que é uma defensora e articuladora da Reforma da Previdência. Sabia que indicá-la cimentaria sua boa relação com o mensaleiro que preside o PTB – e, portanto, poderia aumentar o apoio do partido à Reforma da Previdência. Ou seja, a nomeação tinha custo baixo e retorno mediano.
Vamos pausar o raciocínio aqui e imaginar um outro conjunto de regras para a nomeação de ministros. Suponhamos que, como nos Estados Unidos, o presidente indique ministros (e cargos de confiança de alto nível) e os senadores sejam responsáveis por aceitar ou rejeitar os nomes escolhidos pelo presidente. A responsabilidade pela nomeação ministerial será coletiva, compartilhada entre o presidente e o Senado como um todo. Michel Temer teria que antecipar a reação dos parlamentares antes de indicar pessoas para seus ministérios. Marx Beltrão (MDB) para o Ministério do Turismo irritaria o PSDB? Aloysio Nunes Teixeira (PSDB) no Itamaraty enciumaria o DEM? Gilberto Kassab (PSD) no Ministério de Ciência e Tecnologia seria considerado centrista demais por um Senado conservador? Temer teria que pesar bem suas indicações para que as nomeações não causassem confusão nem demorassem. Atualmente, o cenário é mais tranquilo: basta nomear pessoas mais ou menos decentes e dar espaço na Esplanada mais ou menos proporcional ao tamanho das bancadas partidárias. Dilma e Lula deram menos ministérios para os aliados do que poderiam, e deu no que deu.
A posse de um ministro ocorreria após duas etapas: i) indicação do presidente; ii) aprovação da maioria dos senadores. Nos Estados Unidos, a indicação leva em conta a possível reação dos senadores. Bill Clinton indicou, em 1993, Robert Reich para o Ministério do Trabalho. Reich estava à esquerda de Clinton. Defendia aumentar o salário-mínimo. Alguns anos depois, foi um dos primeiros democratas a apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Imaginem a reação de parlamentares conservadores a uma nomeação dessas. Reich só foi admitido para o ministério de Clinton porque o Partido Democrata tinha maioria no Senado. Ou seja: quando o partido do presidente tem maioria parlamentar, a nomeação de ministros mais leais e ideologicamente alinhados com o presidente é mais provável.
Mesmo assim, nada está garantido. Donald Trump indicou Betsy DeVos, grande financiadora de campanhas do Partido Republicano para o Ministério da Educação em janeiro do ano passado. Três horas de perguntas dos senadores foram suficientes para colocar a nomeação de DeVos em xeque. Ela deu respostas vagas ou incorretas a diversas questões importantes. Deixou claro que não é especialista no assunto. Por conta disso, dois senadores republicanos votaram contra sua entrada no ministério. Como 48 senadores eram democratas e 52 eram republicanos à época, o empate 50-50 forçou o vice-presidente Mike Pence (Republicano) a dar o voto de desempate a favor de DeVos. (Nos Estados Unidos, o vice-presidente da República é também o presidente do Senado.) Foi a primeira vez na história do país que uma indicação ministerial precisou do voto de desempate. É uma lição sobre como uma ministra de baixíssima qualidade pode ser bancada pelo partido do presidente – mesmo tendo passado raspando pela sabatina com senadores.
Outra dinâmica interessante surge no processo de nomeações ministeriais com aprovação parlamentar. Digamos que esse sistema estivesse em vigor no Brasil quando Lula assumiu a presidência em 2003. O presidente poderia indicar todos os ministros de uma só vez ou fazê-lo sequencialmente. Poderia optar por indicar, com mais rapidez, ministros que chefiaram burocracias repletas de funcionários mais conservadores do que o presidente. O Ministério da Fazenda seria um bom exemplo. Diversos estudos mostram que economistas são mais conservadores do que a média da sociedade. Antonio Palocci (PT) seria indicado antes do que Cristovam Buarque (PT) para o Ministério da Educação. Com isso, a batalha mais difícil seria disputada (e provavelmente vencida) antes no senado. É o que acontece nos Estados Unidos, de acordo com um ótimo estudo dos cientistas políticos Gary Hollibaugh Jr. e Lawrence Rothenberg. (O artigo “The When and Why of Nominations: Determinants of Presidential Appointments” foi publicado em 2016 pela American Politics Research.)
Para terminar, mais uma consequência seria interessante caso a nomeação fosse em parte “parlamentar”. Todo ano os ministros norte-americanos precisam ter o orçamento para suas pastas aprovado pelo Congresso Nacional. Digamos que um ministro democrata, nomeado por um presidente do mesmo partido, se depare com um Legislativo de maioria republicana após alguns anos. Como convencer os parlamentares de outro partido a bancar suas políticas públicas? Uma possível estratégia, segundo Anthony Bertellli e Christian Grose, é o ministro discordar publicamente do presidente para agradar os parlamentares. O movimento é delicado, pois o presidente pode demitir o ministro a qualquer momento. Mas ocorre e serve para diminuir “extremidades ideológicas”. (O texto é “Agreeable Administrators? Analyzing the Public Positions of Cabinet Secretaries and Presidents”, publicado pela Presidential Studies Quarterly em 2007.)
Acho inegável que um processo de aprovação parlamentar melhoraria a qualidade de nossos ministros. Se nada mais ocorresse, pelo menos a opinião de Roberto Jefferson (PTB) seria apenas uma entre outras. Está aí um desenvolvimento institucional que o Brasil precisa.