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Por que um superintendente estadual da PF é tão importante?

Sergio Moro sabe, desde 2013, que o cargo é determinante para o sucesso – ou fracasso – de investigações

Sergio Moro: Em seu depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça reforçou o que havia dito no dia de sua demissão (Andre Coelho/Getty Images)
JR

Janaína Ribeiro

Publicado em 5 de maio de 2020 às 20h15.

Em seu depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, reforçou o que havia dito no dia de sua demissão. Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desejava trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Bolsonaro teria afirmado o seguinte: ““Moro, vc tem 27 superintendências, eu quero a do RJ”. Em conversa com jornalistas em seguida, o presidente disse que o pedido ocorreu porque “o Rio é meu estado”.

É comum que políticos queiram indicar superintendentes estaduais da Polícia Federal, mas inédito que um presidente expresse essa intenção.

Em depoimento à defesa do ex-presidente Lula durante um dos processos da Operação Lava Jato, Paulo Lacerda, diretor da Polícia Federal de 2003 a 2007, relatou que “um ou outro parlamentar às vezes pedia audiência para a Polícia Federal e queria indicar algum servidor da Polícia Federal, este ou aquele cargo. Normalmente, Superintendente Regional. E aí vinha conversar comigo e eu dizia que não seria possível porque isso já tinha sido acertado com o Ministro Marcio Thomaz Bastos e o Presidente Lula, de que não haveria interferência. Normalmente do PT ou do PP, faziam sondagens e, com meu esclarecimento, não voltavam ao assunto”.

Por que, afinal, esses cargos são tão cobiçados?Um excelente livro do jornalista Rubens Valente traz um diálogo entre Leandro Coimbra, diretor da Polícia Federal de 2011 a 2017, e dois interlocutores, que pode esclarecer. Segundo Coimbra, “não são os delegados que confiam no superintendente para fazer uma operação aqui, é o superintendente que escolhe um delegado da sua confiança para fazer uma operação aqui”. (A obra é “Operação Banqueiro” e foi publicado pela Geração Editorial em 2014.)

Rubens Valente completa: “Os superintendentes têm poder total para indicar ou afastar os delegados. Confirma-se pela própria boca de um alto integrante da PF que a presidência de um inquérito pode ser manobrada pelos chefes. Nesse sentido, a reunião forneceu uma visão rara e privilegiada sobre o exercício do poder na Polícia Federal”.

Quando juiz, ainda em 2013, Sergio Moro sabia bem como isso funcionava. A Operação Lava Jato começou após uma conversa de Moro com Rosalvo Franco, superintendente da Polícia Federal no Paraná, no início de 2013. “Faz tempo que a gente não tem uma operação financeira aqui no estado”, disse o juiz. “Vou dizer uma coisa para o senhor. Não vou inventar a roda. Vou trazer para a delegacia as pessoas que já trabalharam no setor”, respondeu o delegado. Pouco mais de um ano depois, o doleiro Alberto Youssef estava preso.

A informação está no livro “Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, escrito por Vladimir Netto e publicado pela Primeira Pessoa em 2016.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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Em seu depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, reforçou o que havia dito no dia de sua demissão. Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desejava trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Bolsonaro teria afirmado o seguinte: ““Moro, vc tem 27 superintendências, eu quero a do RJ”. Em conversa com jornalistas em seguida, o presidente disse que o pedido ocorreu porque “o Rio é meu estado”.

É comum que políticos queiram indicar superintendentes estaduais da Polícia Federal, mas inédito que um presidente expresse essa intenção.

Em depoimento à defesa do ex-presidente Lula durante um dos processos da Operação Lava Jato, Paulo Lacerda, diretor da Polícia Federal de 2003 a 2007, relatou que “um ou outro parlamentar às vezes pedia audiência para a Polícia Federal e queria indicar algum servidor da Polícia Federal, este ou aquele cargo. Normalmente, Superintendente Regional. E aí vinha conversar comigo e eu dizia que não seria possível porque isso já tinha sido acertado com o Ministro Marcio Thomaz Bastos e o Presidente Lula, de que não haveria interferência. Normalmente do PT ou do PP, faziam sondagens e, com meu esclarecimento, não voltavam ao assunto”.

Por que, afinal, esses cargos são tão cobiçados?Um excelente livro do jornalista Rubens Valente traz um diálogo entre Leandro Coimbra, diretor da Polícia Federal de 2011 a 2017, e dois interlocutores, que pode esclarecer. Segundo Coimbra, “não são os delegados que confiam no superintendente para fazer uma operação aqui, é o superintendente que escolhe um delegado da sua confiança para fazer uma operação aqui”. (A obra é “Operação Banqueiro” e foi publicado pela Geração Editorial em 2014.)

Rubens Valente completa: “Os superintendentes têm poder total para indicar ou afastar os delegados. Confirma-se pela própria boca de um alto integrante da PF que a presidência de um inquérito pode ser manobrada pelos chefes. Nesse sentido, a reunião forneceu uma visão rara e privilegiada sobre o exercício do poder na Polícia Federal”.

Quando juiz, ainda em 2013, Sergio Moro sabia bem como isso funcionava. A Operação Lava Jato começou após uma conversa de Moro com Rosalvo Franco, superintendente da Polícia Federal no Paraná, no início de 2013. “Faz tempo que a gente não tem uma operação financeira aqui no estado”, disse o juiz. “Vou dizer uma coisa para o senhor. Não vou inventar a roda. Vou trazer para a delegacia as pessoas que já trabalharam no setor”, respondeu o delegado. Pouco mais de um ano depois, o doleiro Alberto Youssef estava preso.

A informação está no livro “Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil”, escrito por Vladimir Netto e publicado pela Primeira Pessoa em 2016.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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