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Por que Raquel Dodge não será engavetadora

Uma coisa que fica pouco clara para os cidadãos é qual será, afinal, a diferença entre ter Janot ou Dodge na chefia do Ministério Público Federal.

Raquel Dodge, a nova procuradora-geral da República (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Raquel Dodge, a nova procuradora-geral da República (Antonio Cruz/Agência Brasil)
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Sérgio Praça

Publicado em 30 de junho de 2017 às, 19h47.

Última atualização em 5 de julho de 2017 às, 19h07.

Que falta ao presidente Michel Temer (PMDB) uma noção básica do que são relações “republicanas” já está claro para todos. Mas jantar com o juiz Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pouco antes de indicar a procuradora Raquel Dodge para chefiar o Ministério Público Federal, ultrapassa os limites. Nada espantoso, claro, considerando encontros como o de Temer com Joesley Batista, “maior produtor de proteína animal do planeta”. No entanto, a escolha da nova Procuradora-Geral da República terá forte repercussão para o país por pelo menos dois anos. Crítico da Operação Lava-Jato, uma força-tarefa formada por membros do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, Gilmar Mendes tem interesse em ajudar a nomear uma chefe para o MPF que seja menos “agressiva” do que o atual ocupante do cargo, Rodrigo Janot, que fica até meados de setembro. Michel Temer também quer, nesse cargo, alguém que dê uma trégua em acusá-lo, por exemplo, de corrupção passiva.

O principal erro de Mendes e Temer não é atuar de modo não-republicano — ou seja, de colocar seus interesses particulares acima do interesse público. (Nesse caso, o interesse público estaria mais bem atendido com a indicação de Nicolao Dino, o primeiro colocado na lista da Associação Nacional de Procuradores da República.) É o de subestimar o impacto negativo, em suas reputações, de agir dessa maneira. Parece que a dupla se conformou em ter chegado ao fundo do poço de popularidade e estão em modo sobrevivência-a-qualquer-custo. Nomear a segunda colocada da lista da ANPR não seria nada grave, e estaria dentro das prerrogativas constitucionais do presidente, embora não seja o costume desde 2003.

Uma coisa que fica pouco clara para os cidadãos é qual será, afinal, a diferença entre ter Janot ou Dodge na chefia do Ministério Público Federal. Ela pode acabar com a Operação Lava-Jato? Pode livrar todos os políticos denunciados por Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal? Não, não pode. A nova PGR pode optar por não denunciar ao STF novos políticos (ou os mesmos políticos implicados em novos processos). Pode ser que ela decida engavetar processos mais delicados. Mas isto é muito improvável por dois motivos.

O primeiro é a atenção da opinião pública pelo trabalho do MPF. Após a introdução das leis 12.846 (Anticorrupção) e 12.850 (Organizações Criminosas), os procuradores aumentaram sua capacidade para realizar ações contra crimes de corrupção. Trata-se de uma mudança significativa com relação às últimas décadas, quando havia poucas leis relevantes para garantir a investigação de políticos corruptos. A principal é a Lei de Improbidade Administrativa, de 1992. Isolada, não municiava os investigadores (tanto da Polícia Federal quanto do Ministério Público) com poderes suficientes para desvendar grandes esquemas. Chegavam apenas aos prefeitos, se tanto. Com o novo arcabouço legal, o MPF ampliou muito seu poder, e também ganhou mais atenção da sociedade. Dodge não poderá ter comportamento leniente com políticos.

O segundo motivo é que a força-tarefa da Lava-Jato ganhou bastante autonomia nos últimos anos não apenas pela sua popularidade, mas também porque se baseia em uma rede de agentes públicos que se conhece há mais de dez anos no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Desmontar uma rede dessas é pouco provável, nem parece ser a intenção da próxima Procuradora-Geral da República.

Gilmar Mendes e Michel Temer ainda terão papo para muitas refeições.