Exame Logo

Por que elegemos criminosos?

Com a confusão política no Brasil, pode ser útil voltar a questões básicas para nos distanciar do quem-é-quem dos apelidos de políticos desonestos (“Todo Feio”? Que maldade!) e do desânimo completo com os representantes. Uma dessas questões é: por que elegemos criminosos? Em um debate outro dia, uma professora de Direito reclamou que o Supremo […]

CONGRESSO: semana será de discussões sobre pontos para lá de polêmicos da Reforma Política / Luis Macedo / Câmara dos Deputados
DR

Da Redação

Publicado em 14 de dezembro de 2016 às 11h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h55.

Com a confusão política no Brasil, pode ser útil voltar a questões básicas para nos distanciar do quem-é-quem dos apelidos de políticos desonestos (“Todo Feio”? Que maldade!) e do desânimo completo com os representantes. Uma dessas questões é: por que elegemos criminosos?

Em um debate outro dia, uma professora de Direito reclamou que o Supremo Tribunal Federal estava considerando os partidos políticos “meras organizações criminosas”, sem levar em conta sua importância no sistema representativo. Pois esta me parece uma posição justíssima do STF. Afinal, organizações que cometem crimes – muitas das quais parecem estar estruturadas somente para isto – são o que? Organizações de benfeitoria e representação política é que não são.

Então irei, sim, tratar como “criminosos” a imensa maioria dos políticos brasileiros em posições de poder hoje. (E o direito à defesa? Qual processo já transitou em julgado?! Estou mais preocupado com a defesa de normas básicas de representação e civilidade política, como não vender influência legislativa e não usar a empresa do filho para receber propina de empresas de caças aéreos.)

Já que elegemos criminosos constantemente, as primeiras explicações que vem à tona é: nós, brasileiros, somos cidadãos inferiores aos suecos, canadenses, argentinos etc. Provavelmente somos incapazes de distinguir, por burrice, políticos honestos dos criminosos. (“O brasileiro não sabe votar”, disse Pelé.)

Ou então cidadãos são masoquistas que se sujeitam a anos sem hospitais e escolas decentes em troca da schadenfreude de ver as fotos da advogada Adriana, esposa do ex-governador carioca Sérgio Cabral, em seu uniforme verde do Bangu com nojo do raquítico prato de comida que é seu direito como prisioneira.

São explicações insuficientes. Eleitores brasileiros são capazes de punir e recompensar políticos, ao menos em certa medida, a partir dos resultados das políticas públicas que esses formularam e implementaram em seus mandatos. Então o que há de errado?

A primeira explicação é que votamos para deputado federal sem saber que alguns candidatos são criminosos. Neste caso, os partidos políticos têm informações sobre seus candidatos que nós não temos. Sabem que seus pré-candidatos não querem seguir certas leis, topam ter relações de troca com empresas interessadas em acesso a recursos estatais, não veem problema em financiar parte de suas campanhas ilegalmente – afinal, “se eu não fizer, outro fará e será eleito no meu lugar!”.

Processos de seleção de candidatos a deputado federal não costumam ser muito abertos. Seria normal pensar, como fazem Matthew Shugart e co-autores em artigo na Electoral Studies, que em um sistema proporcional de lista aberta como o brasileiro os partidos políticos não têm incentivos para propor tantos candidatos quanto podem por lei. No estado de São Paulo, há 70 vagas para deputado federal e cada partido pode propor até 105 candidatos. Cada um deveria indicar 105 candidatos, mas não é o que ocorre.

De acordo com Maria do Socorro Braga e Oswaldo Amaral, em artigo na Revista de Sociologia e Política, os partidos reduzem o número de candidatos para concentrar recursos organizacionais (como a mobilização de militantes, diretórios e comissões provisórias municipais), além de permitir uma alocação maior do tempo de rádio e televisão para os candidatos com maior potencial eleitoral.

A esperteza dos partidos estaria em propor candidatos que eles sabem ser criminosos, mas o eleitor não sabe. Mesmo com tanta informação sobre os candidatos a deputado divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral – experiência política e profissional, doadores de campanha, renda e bens declarados –, a informação é, como dizem os economistas, assimétrica. Líderes partidários sabem bem com quem estão lidando. E poderiam privilegiar os candidatos criminosos com recursos organizacionais de modo a aumentar suas chances eleitorais. Os votos para candidatos “honestos” ajudariam a eleger os criminosos. E os cidadãos votariam nos criminosos sem saber.

A segunda explicação plausível é que eleitores sabem que certos candidatos são criminosos, mas aceitam isso porque certos benefícios são considerados mais importantes do que o dano causado por atos corruptos. É o “rouba mas faz”. De acordo com Rebecca Weitz-Shapiro e Matthew Winters em artigo na Comparative Politics, brasileiros mais ricos são mais tolerantes com atos corruptos. É o contrário do senso comum preconceituoso segundo o qual pobres votam “mal” e ricos votam “bem”. Ainda assim, Shapiro e Winters afirmam que o “rouba mas faz” é muito menos presente no Brasil do que se imagina.

O “rouba mas faz” pode ser quebrado, de acordo com autores como Carlos Pereira, Marcus Melo, Cláudio Ferraz e Frederico Finan, com mais exposição de informações sobre atos corruptos. Jornalistas vigilantes e independentes são cruciais para dirimir o “rouba mas faz” no país.

A terceira explicação é que os eleitores não querem que criminosos se reelejam, mas eles conseguem se proteger – mesmo em um campo político aberto como o brasileiro, no qual a taxa de reeleição de deputados federais é relativamente baixa em comparação a outros países.

Um estudo de Ivan Jucá, Marcus Melo e Lucio Rennó, publicado no Journal of Politics in Latin America, mostra que candidatos “ficha-suja” conseguem compensar o dano reputacional por envolvimento em corrupção simplesmente gastando mais em suas campanhas. Na média, um deputado “criminoso” tem que gastar cerca de 450.000 a mais do que gastou na eleição anterior para se reeleger. Isto considerando apenas as doações declaradas… Ou seja: o crime compensa.

A última explicação é a mais preocupante. Neste caso, tanto os partidos políticos quanto os eleitores têm bons motivos para manter políticos criminosos no sistema. Partidos e eleitores, neste caso, sabem da ficha corrida dos candidatos. E eles são votados (muitas vezes eleitos) porque usam a criminalidade para sinalizar credibilidade aos eleitores – “somos criminosos, mas vamos proteger seus interesses ao contrário dos políticos honestos”. Em que consiste essa proteção?

Em substituir o estado que não realiza funções básicas, como serviços de água, luz, segurança e direitos de propriedade. (Conhecemos traficantes e milicianos cariocas que “protegem” comunidades, certo?) O político criminoso, então, teria a vantagem de representar os eleitores melhor do que outros que podem ser honestos, mas têm menos condições de defender interesses básicos porque falta o básico para os cidadãos.

Esta perspectiva é, por incrível que pareça, relativamente otimista. É o que ocorre na Índia, de acordo com Milan Vaishnav, autor de When Crime Pays: Money and Muscle in Indian Politics (Yale University Press, 2017). A cientista política Miriam Golden diz que, na verdade, os partidos selecionam candidatos criminosos na Índia pois estes têm mais capacidade de intimidar eleitores. Há um custo reputacional para os partidos proporem esse tipo de candidato, então o fazem principalmente nos distritos em que a incerteza de vitória é maior e onde os eleitores são menos instruídos.

Ainda não chegamos neste ponto e é improvável que isto explique a maior parte do que ocorre na política brasileira. Mas seria ingenuidade não se preocupar. O fato é que, por enquanto, criminosos comandam a política brasileira de um modo muito mais extenso e pernicioso do que qualquer analista previa. Mau presságio para 2018.

Socios da Geração Futuro: Esquerda, Eduardo Moreira;

Direita, Evandro Pereira

Foto: Germano Lüders

16/12/2014

Veja também

Com a confusão política no Brasil, pode ser útil voltar a questões básicas para nos distanciar do quem-é-quem dos apelidos de políticos desonestos (“Todo Feio”? Que maldade!) e do desânimo completo com os representantes. Uma dessas questões é: por que elegemos criminosos?

Em um debate outro dia, uma professora de Direito reclamou que o Supremo Tribunal Federal estava considerando os partidos políticos “meras organizações criminosas”, sem levar em conta sua importância no sistema representativo. Pois esta me parece uma posição justíssima do STF. Afinal, organizações que cometem crimes – muitas das quais parecem estar estruturadas somente para isto – são o que? Organizações de benfeitoria e representação política é que não são.

Então irei, sim, tratar como “criminosos” a imensa maioria dos políticos brasileiros em posições de poder hoje. (E o direito à defesa? Qual processo já transitou em julgado?! Estou mais preocupado com a defesa de normas básicas de representação e civilidade política, como não vender influência legislativa e não usar a empresa do filho para receber propina de empresas de caças aéreos.)

Já que elegemos criminosos constantemente, as primeiras explicações que vem à tona é: nós, brasileiros, somos cidadãos inferiores aos suecos, canadenses, argentinos etc. Provavelmente somos incapazes de distinguir, por burrice, políticos honestos dos criminosos. (“O brasileiro não sabe votar”, disse Pelé.)

Ou então cidadãos são masoquistas que se sujeitam a anos sem hospitais e escolas decentes em troca da schadenfreude de ver as fotos da advogada Adriana, esposa do ex-governador carioca Sérgio Cabral, em seu uniforme verde do Bangu com nojo do raquítico prato de comida que é seu direito como prisioneira.

São explicações insuficientes. Eleitores brasileiros são capazes de punir e recompensar políticos, ao menos em certa medida, a partir dos resultados das políticas públicas que esses formularam e implementaram em seus mandatos. Então o que há de errado?

A primeira explicação é que votamos para deputado federal sem saber que alguns candidatos são criminosos. Neste caso, os partidos políticos têm informações sobre seus candidatos que nós não temos. Sabem que seus pré-candidatos não querem seguir certas leis, topam ter relações de troca com empresas interessadas em acesso a recursos estatais, não veem problema em financiar parte de suas campanhas ilegalmente – afinal, “se eu não fizer, outro fará e será eleito no meu lugar!”.

Processos de seleção de candidatos a deputado federal não costumam ser muito abertos. Seria normal pensar, como fazem Matthew Shugart e co-autores em artigo na Electoral Studies, que em um sistema proporcional de lista aberta como o brasileiro os partidos políticos não têm incentivos para propor tantos candidatos quanto podem por lei. No estado de São Paulo, há 70 vagas para deputado federal e cada partido pode propor até 105 candidatos. Cada um deveria indicar 105 candidatos, mas não é o que ocorre.

De acordo com Maria do Socorro Braga e Oswaldo Amaral, em artigo na Revista de Sociologia e Política, os partidos reduzem o número de candidatos para concentrar recursos organizacionais (como a mobilização de militantes, diretórios e comissões provisórias municipais), além de permitir uma alocação maior do tempo de rádio e televisão para os candidatos com maior potencial eleitoral.

A esperteza dos partidos estaria em propor candidatos que eles sabem ser criminosos, mas o eleitor não sabe. Mesmo com tanta informação sobre os candidatos a deputado divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral – experiência política e profissional, doadores de campanha, renda e bens declarados –, a informação é, como dizem os economistas, assimétrica. Líderes partidários sabem bem com quem estão lidando. E poderiam privilegiar os candidatos criminosos com recursos organizacionais de modo a aumentar suas chances eleitorais. Os votos para candidatos “honestos” ajudariam a eleger os criminosos. E os cidadãos votariam nos criminosos sem saber.

A segunda explicação plausível é que eleitores sabem que certos candidatos são criminosos, mas aceitam isso porque certos benefícios são considerados mais importantes do que o dano causado por atos corruptos. É o “rouba mas faz”. De acordo com Rebecca Weitz-Shapiro e Matthew Winters em artigo na Comparative Politics, brasileiros mais ricos são mais tolerantes com atos corruptos. É o contrário do senso comum preconceituoso segundo o qual pobres votam “mal” e ricos votam “bem”. Ainda assim, Shapiro e Winters afirmam que o “rouba mas faz” é muito menos presente no Brasil do que se imagina.

O “rouba mas faz” pode ser quebrado, de acordo com autores como Carlos Pereira, Marcus Melo, Cláudio Ferraz e Frederico Finan, com mais exposição de informações sobre atos corruptos. Jornalistas vigilantes e independentes são cruciais para dirimir o “rouba mas faz” no país.

A terceira explicação é que os eleitores não querem que criminosos se reelejam, mas eles conseguem se proteger – mesmo em um campo político aberto como o brasileiro, no qual a taxa de reeleição de deputados federais é relativamente baixa em comparação a outros países.

Um estudo de Ivan Jucá, Marcus Melo e Lucio Rennó, publicado no Journal of Politics in Latin America, mostra que candidatos “ficha-suja” conseguem compensar o dano reputacional por envolvimento em corrupção simplesmente gastando mais em suas campanhas. Na média, um deputado “criminoso” tem que gastar cerca de 450.000 a mais do que gastou na eleição anterior para se reeleger. Isto considerando apenas as doações declaradas… Ou seja: o crime compensa.

A última explicação é a mais preocupante. Neste caso, tanto os partidos políticos quanto os eleitores têm bons motivos para manter políticos criminosos no sistema. Partidos e eleitores, neste caso, sabem da ficha corrida dos candidatos. E eles são votados (muitas vezes eleitos) porque usam a criminalidade para sinalizar credibilidade aos eleitores – “somos criminosos, mas vamos proteger seus interesses ao contrário dos políticos honestos”. Em que consiste essa proteção?

Em substituir o estado que não realiza funções básicas, como serviços de água, luz, segurança e direitos de propriedade. (Conhecemos traficantes e milicianos cariocas que “protegem” comunidades, certo?) O político criminoso, então, teria a vantagem de representar os eleitores melhor do que outros que podem ser honestos, mas têm menos condições de defender interesses básicos porque falta o básico para os cidadãos.

Esta perspectiva é, por incrível que pareça, relativamente otimista. É o que ocorre na Índia, de acordo com Milan Vaishnav, autor de When Crime Pays: Money and Muscle in Indian Politics (Yale University Press, 2017). A cientista política Miriam Golden diz que, na verdade, os partidos selecionam candidatos criminosos na Índia pois estes têm mais capacidade de intimidar eleitores. Há um custo reputacional para os partidos proporem esse tipo de candidato, então o fazem principalmente nos distritos em que a incerteza de vitória é maior e onde os eleitores são menos instruídos.

Ainda não chegamos neste ponto e é improvável que isto explique a maior parte do que ocorre na política brasileira. Mas seria ingenuidade não se preocupar. O fato é que, por enquanto, criminosos comandam a política brasileira de um modo muito mais extenso e pernicioso do que qualquer analista previa. Mau presságio para 2018.

Socios da Geração Futuro: Esquerda, Eduardo Moreira;

Direita, Evandro Pereira

Foto: Germano Lüders

16/12/2014

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se