Personalidades autoritárias e a disputa presidencial
O paradoxo que se coloca para a disputa presidencial deste ano é: como ser “anti-sistema” e, ao mesmo tempo, ser visto como alguém que conseguiria navegar os “mecanismos de bloqueio”?
Publicado em 12 de maio de 2018 às, 09h01.
O ex-juiz Joaquim Barbosa anunciou, há poucos dias, que não será candidato à presidência do país pelo PSB. Mesmo com quase 10% de intenção de voto e alto potencial para crescer na competição, Barbosa preferiu não disputar. Conversando com a jornalista Maria Cristina Fernandes, do “Valor Econômico”, na quarta-feira 9 de maio, ele disse: “Os políticos criaram um sistema político aferrolhado de maneira a beneficiar a eles mesmos. O sistema não tem válvula de escape. O cidadão brasileiro vai ser constantemente refém desse sistema. Você não tem como mudá-lo. Esse sistema contém mecanismos de bloqueio que servem para cercear as escolhas do cidadão”. Não é difícil imaginar essas palavras ditas por candidatos como Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL), que permanecem na competição. Se Joaquim Barbosa era a última esperança de um outsider para chacoalhar a política brasileira em 2018, estava longe de ser o único candidato “anti-sistema” produzido pelo longo período de insatisfação popular iniciado há cinco anos.
O paradoxo que se coloca para a disputa presidencial deste ano é: como ser “anti-sistema” e, ao mesmo tempo, ser visto como alguém que conseguiria navegar os “mecanismos de bloqueio” a que Barbosa se refere? Candidatos sem experiência em cargos no Executivo – como Marina e Bolsonaro – têm dificuldades para responder isso. Bolsonaro ainda não deu pistas sobre o ponto. Marina diz que governaria com os melhores quadros de cada partido, sem identificar um processo de seleção crível. Mas nem mesmo consegue manter satisfeitos os deputados federais de seu próprio partido.
Se não há resposta ao paradoxo, é fácil imaginar que corremos o risco de ter, em 2019, um(a) presidente com personalidade autoritária à frente das inevitáveis negociações com parlamentares. Mesmo que uma lua-de-mel de até um ano ocorra, deixando o caminho limpo para propostas presidenciais, essa questão voltará.
Experiências como a de Fernando Collor mostram que uma possibilidade é termos um presidente com alta propensão a editar medidas provisórias. Isso poderia encurralar os parlamentares, forçando-os a tomar decisões sobre temas que não necessariamente eles mesmos escolheriam como prioridade. Um estudo sobre presidentes norte-americanos mostra que os de personalidade menos avessa a riscos, que tomam decisões no sentido de provocar entusiasmo na sociedade, tendem a editar decretos de alto impacto. (O artigo “Taking matters into their own hands: presidents’ personality traits and the use of executive orders”, de Maryann Gallagher e Bethany Blackstone, foi publicado em 2015 pela Presidential Studies Quarterly.)
Ao ter essa atitude em suas primeiras semanas de governo, Collor irritou o PMDB de Ulysses Guimarães. Não se reconciliaram e deu no que deu. Collor agiu como se fosse um novato na política. Bolsonaro e Marina não são, mas também podem ser voluntaristas e “anti-sistema”. Se eleitos, correm o risco de antagonizar os parlamentares mais cedo do que se imaginaria – e a lua-de-mel metafórica pode ser apenas um pouco mais longa do que a nupcial.