OMS e a ciência perderam credibilidade
A revista Lancet e uma funcionária da OMS prestam desserviço ao dar munição para negacionistas da covid-19
Publicado em 9 de junho de 2020 às, 20h05.
Última atualização em 9 de junho de 2020 às, 20h14.
Nos últimos sete dias, organismos internacionais e a ciência sofreram dois baques no combate à covid-19. Primeiro a revista médica “Lancet”, uma das principais do mundo, retirou o estudo “Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis”.
Publicado no mês passado por quatro autores (um deles o dono da empresa Surgisphere, que cedeu os dados), o artigo argumentava que a hidroxicloroquina não tem efeito na cura do coronavírus.
Os editores da Lancet não cumpriram a exigência básica de obter os dados detalhados em que a análise foi baseada. Os autores argumentaram que o estudo não poderia ser replicado (ou seja, refeito, com os mesmos dados, por outros pesquisadores) porque os dados pertencem a uma empresa privada.
Normalmente, estudos assim, sem a mínima condição de replicabilidade, não são aceitos pelas melhores revistas científicas.
A Lancet cometeu enorme desserviço especialmente porque, agora, os líderes políticos pró-cloroquina podem recomendar o tratamento com mais desenvoltura – mesmo sem evidências de sua eficácia!
Ontem foi a vez da Organização Mundial de Saúde (OMS) passar vergonha e desinformar. Maria Van Kerkhove a chefe da unidade de doenças emergentes da entidade, disse que o caso de Cingapura permite afirmar que a transmissão da covid-19 por pessoas que não apresentam sintomas é algo “muito raro”. Foi desmentida hoje pelo diretor de emergências da entidade, Michael Ryan. ele admitiu que a transmissão assintomática existe, mas “não se sabe o quanto”.
Falar “não sabemos” é difícil em 2020, mas obrigação de entidades e revistas sérias. Vamos confiar em quem se não neles?
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)