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O pioneirismo do mensalão mineiro-tucano

Tão sujo de denúncias quanto o senador Aécio Neves, também do PSDB mineiro, é justo que Azeredo vá antes para a cadeia

EDUARDO AZEREDO: TJ-MG confirmou condenação do ex-governador do estado / Leonardo Prado/ Câmara dos Deputados (Leonardo Prado/Câmara dos Deputados/Divulgação)
EDUARDO AZEREDO: TJ-MG confirmou condenação do ex-governador do estado / Leonardo Prado/ Câmara dos Deputados (Leonardo Prado/Câmara dos Deputados/Divulgação)
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Sérgio Praça

Publicado em 1 de maio de 2018 às, 13h31.

Eduardo Azeredo (PSDB) é um pioneiro. Longe de ser o primeiro candidato à reeleição a se beneficiar de esquemas corruptos, aliou-se a um mestre da arte para fazê-lo em 1998: o empresário Marcos Valério. Apesar da campanha mais cara do ano (20 milhões de reais, dos quais 11,5 milhões de reais não foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral), Azeredo perdeu para o ex-presidente Itamar Franco (PMDB). Isso não lhe tirou prestígio no partido. Ao contrário: presidiu o PSDB de janeiro a outubro de 2005. Também foi deputado federal e senador pelo partido. Agora está prestes a ser preso. O motivo da demora é que em 2014, quando o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu sua prisão ao Supremo Tribunal Federal, Azeredo renunciou ao cargo de deputado. Assim seu processo voltou para as instâncias estaduais do Judiciário, que confirmaram sua condenação há poucos dias.  Tão sujo de denúncias quanto o senador Aécio Neves, também do PSDB mineiro, será justo que Azeredo vá antes para a cadeia.

O esquema do mensalão tucano tinha três modalidades. Na primeira, as agências de publicidade das quais Valério era dono ou sócio prestavam serviços para o governo mineiro. Superfaturavam a conta e o que sobrava ia em parte para os empresários corruptos, em parte para financiar campanhas eleitorais. Empresas estatais do governo mineiro contratavam campanhas publicitárias milionárias sem que elas necessariamente fossem realizadas. Os órgãos de controle falhavam grosseiramente. Vale lembrar que isso foi em 1998, quinze anos antes das duas leis que mudaram o combate à corrupção no Brasil: a Lei das Organizações Criminosas (responsável por incentivar colaborações premiadas) e a Lei Anticorrupção (responsável por organizar normas para que acordos de leniência com empresas corruptas sejam firmados). Assim, o esquema só começou a ser desbaratado sete anos depois, quando Roberto Jefferson (PTB) confessou fazer parte do mensalão petista.

A segunda modalidade de corrupção com as agências de Valério ocorria quando pessoas ou empresas queriam doar para campanhas eleitorais sem transparência. Assinavam contrato com a agência publicitária, pagavam-na por um serviço não prestado (ou pagavam muito mais por um serviço prestado) e o dinheiro excedente era canalizado para as campanhas.

Finalmente, o terceiro tipo de esquema corrupto, imitado depois por Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, ocorria através de empréstimos bancários milionários para as empresas de Valério. Agências de publicidade de pequeno porte não tinham como receber empréstimos de 6 milhões de reais, por exemplo, dada a clara impossibilidade de que viriam a quitar as prestações. E aí entrava a influência política nos bancos, que eram convencidos a emprestar montantes desse naipe para empresas pequenas, que então pagavam as contas de campanhas tucanas (e depois petistas). Todos os envolvidos pegavam uma porcentagem e ninguém ficava sabendo.

De acordo com o jornalista Lucas Figueiredo, autor de “O operador” (Ed. Record, 2006), empreiteiras sentiam-se inseguras no fim dos anos noventa para lavar dinheiro de campanha eleitoral. Outro fator que deve ter afetado isso foi a falta de dinheiro para investimentos em infraestrutura à época. Não havia PAC. Então abriu-se um espaço enorme para “empresários” sem escrúpulos, como Marcos Valério, se aliarem a políticos de semelhante estatura moral.

Ainda que Azeredo tenha perdido a reeleição, seus atos corruptos renderam. Um estudo do cientista político Daniel Gingerich mostra que para cada município em que o esquema do então governador conseguiu contratar um cabo eleitoral (na forma de deputado estadual), o governador conseguiu um acréscimo de 4 a 6 pontos percentuais de votos. De acordo com esse estudo, deputados estaduais funcionam como cabos eleitorais do partido quando mobilizam suas bases municipais em prol da candidatura majoritária (no caso, a de governador). Os relatórios policiais sobre o mensalão mineiro permitiram o cálculo de Gingerich. (O artigo “Brokered politics in Brazil: an empirical analysis” foi publicado no Quarterly Journal of Political Scienceem 2014.)

Bem-sucedidas mesmo para o PSDB foram as eleições parlamentares. O partido elegeu 16 deputados estaduais em 1998 (contra 8 em 1994) e 14 deputados federais (contra 7 em 1994) no estado de Minas Gerais. Isso mostra que corrupção ajuda, sim, a perpetuar um partido no poder. Azar nosso que a tecnologia da corrupção mensaleira de Marcos Valério e Eduardo Azeredo tornou-se, em pouquíssimo tempo, de amplo domínio público para ser utilizada por outros partidos.