Ministério Público e Polícia Federal: a briga entre colaboradores
A vaidade corporativista e inconstitucional de Rodrigo Janot resultou em uma flechada no pé
Publicado em 22 de junho de 2018 às, 13h00.
O Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público podem fechar acordos de colaboração premiada com corruptos e corruptores. Os onze juízes trataram do assunto porque o Ministério Público contestou a prerrogativa para os delegados realizarem esse tipo de acordo através da ação direta de inconstitucionalidade 5.508, de abril de 2016, encaminhada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Como vários outros atos de Janot, este foi considerado agressivo. Afinal, colaborações premiadas são instrumentos de investigação. E a legislação é clara: tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público têm o dever de investigar corrupção (e, é claro, outras coisas). À época, a justificativa de Janot e de sua equipe era que o Ministério Público tinha acesso a informações desconhecidas pelos delegados. Além disso, apenas o Ministério Público é “titular da ação penal” – o que, para a investigação criminal, pouco importa.
Conversando há alguns dias em Brasília com um delegado da Polícia Federal muito atuante na Operação Lava Jato, ele contou que os procuradores firmavam acordos com pessoas que não mereciam. Segundo ele, “há colaboração demais sem efetividade e simplesmente para reafirmar fatos que a gente já tinha”. Ele citou o exemplo da delação de Sérgio Machado (MDB). Ao telefone com o senador Romero Jucá (MDB), Machado ouviu que era necessário “estancar a sangria” e fazer “um acordo com o Supremo, com tudo”. Frases famosas, mas que não ajudaram investigação alguma, embora tenham tido impacto político tremendo: recém-empossado no Ministério do Planejamento, Jucá teve que sair do cargo. O acordo com Machado, feito somente com o Ministério Público Federal e homologado pelo Supremo Tribunal Federal, não ajudou investigação alguma.
Os crimes que Machado cometeu durante sua gestão como presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, entre junho de 2003 e novembro de 2014, foram gravíssimos. Em função deles, estaria sujeito a uma pena máxima de vinte anos de cadeia. Com o acordo de colaboração premiada celebrado em maio de 2016, acertou sua condenação para 2 anos e 3 meses em regime domiciliar, com tornozeleira eletrônica, e mais nove meses em regime semi-aberto diferenciado – ou seja, trabalhando fora de casa durante o dia e dormindo lá entre 22h e 7h. Após 2 anos e 6 meses, os procuradores poderiam isentá-lo dos seis meses restantes de pena. O Ministério Público Federal também garantiu que pedirá isenção de processos contra o ex-senador por improbidade administrativa, caso outros órgãos de controle queiram punir Machado. Finalmente, o ex-diretor da Transpetro teria que pagar R$ 75 milhões: 80% para o governo federal, 20% para a Transpetro. São termos generosos, considerando que Machado confessou ter recebido R$ 92 milhões em pagamentos ilegais nos onze anos em que dirigiu a Transpetro.
Junto com a colaboração premiada de executivos da Odebrecht, a de Sérgio Machado foi a mais questionada pela Polícia Federal. Em julho de 2017, os delegados organizaram um relatório detalhado sobre todos os pontos desta colaboração com os procuradores. Algo raríssimo. Concluíram que as “provas” e indícios apresentados por ele foram absolutamente ineficazes e ele não mereceria os prêmios decorrentes do acordo. Isso escancarou a disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Com a votação por 10 a 1 contra o pedido de Janot, o STF mostrou a clara inconstitucionalidade do pedido dos procuradores. O relator Marco Aurélio Mello deixou evidente, em seu voto, o longo caminho legislativo percorrido pela colaboração premiada até ser consagrada na Lei 12.850/2013. O penúltimo parágrafo do voto vale ser reproduzido: “a supremacia do interesse público conduz a que o debate constitucional não seja pautado por interesses corporativos, mas por argumentos normativos acerca do desempenho das instituições no combate à criminalidade. A atuação conjunta, a cooperação entre órgãos de investigação e de persecução penal, é de relevância maior. É nefasta qualquer ‘queda de braço’, como a examinada”.
Mello tem razão. Enquanto a cooperação entre agências de combate à corrupção vigorava sem rusgas, a Lava Jato funcionou muito bem. Mas a vaidade corporativista e inconstitucional de Rodrigo Janot resultou em uma flechada no pé.