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Emendas orçamentárias (parte 1): a empregada de João Alves

Para entender o que está acontecendo hoje, é necessário voltar para 1990: o relator-geral da lei orçamentária era o deputado João Alves (PPR-BA)

Temer: Como o presidente conseguiu estancar a sangria? (Ueslei Marcelino/Reuters)
Temer: Como o presidente conseguiu estancar a sangria? (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Sérgio Praça

Publicado em 28 de julho de 2017 às, 20h58.

Última atualização em 28 de julho de 2017 às, 21h00.

Desde o fim de maio, o presidente Michel Temer (PMDB) está em apuros para segurar sua base parlamentar. A divulgação de sua conversa com Joesley Batista provocou um início de debandada de alguns partidos com ministérios em seu governo. Bruno Araújo (PSDB), comandante do Ministério das Cidades, anunciou que sairia do cargo, rapidamente voltou atrás, e permaneceu em um partido que não sabe o que fazer. De acordo com o mais recente levantamento do jornal O Globo, 185 deputados federais ainda estão indecisos sobre a posição que tomarão a respeito da denúncia do Procurador-Geral da República sobre o presidente.

No total, 342 dos 513 deputados têm que se manifestar a favor da denúncia para que esta siga ao Supremo Tribunal Federal. Até agora 175 parlamentares, considerando apenas os 15 maiores partidos, topam investigar o presidente. Parece pouco, considerando o conteúdo da conversa entre Temer e Joesley. Como o presidente conseguiu estancar a sangria? Uma das respostas é: liberando emendas orçamentárias para os deputados. Mas como funciona isso exatamente? E por que há tendência a associar este mecanismo de barganha à corrupção?

Para entender o que está acontecendo hoje, é necessário voltar para 1990. O relator-geral da lei orçamentária daquele ano era o deputado federal João Alves (PPR-BA). Ficou famoso, em 1993, por ser um dos “anões do orçamento”. Uma das várias mudanças que ele propôs para o orçamento do ano seguinte foi uma verba equivalente a 2,6 milhões de dólares para a prefeitura de Itarantim, em seu estado natal. O dinheiro seria para “reforma e equipamentos do hospital geral, em convênio com o Estado para atendimento a todos os municípios da região com assistência médica”. Tratava-se de uma das centenas de “subvenções sociais” incluídas no orçamento. Em julho de 1991, a subvenção destinada por João Alves chegou a Itarantim através de cheque nominal à prefeitura. O cheque foi recebido, endossado e depositado na conta-corrente 01288-81, agência 1441 do Banco Bamerindus em Vitória da Conquista. Esta conta pertencia a Maria Vidal Silva, empregada doméstica do deputado.

Subvenções sociais são, de acordo com a Lei 4.320 de 1964, despesas orçamentárias enviadas a instituições privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa. Para que uma subvenção fosse concedida, a entidade interessada teria que solicitá-la formalmente e os recursos liberados não poderiam ter aplicação diferente da prevista no plano aprovado, de acordo com Decreto 93.872/1986.

A dificuldade para atos corruptos estava posta. Se o parlamentar corrupto quisesse liberar verba para qualquer entidade, teria que, no mínimo, controlar o responsável pela entidade e fazer seu plano para receber subvenções sociais – não era impossível, mas complicava. No ano seguinte, o Decreto 93.968/1987 retirou isso do caminho ao derrubar os artigos do decreto anterior que indicavam que a solicitação da subvenção social deveria ser feita pela entidade.

O caminho para a corrupção foi escancarado no ano seguinte por uma norma complementar, a Instrução Normativa 20/1987, que deu a brecha para as subvenções serem concedidas por um “órgão competente”. Aí entraram João Alves e seus comparsas na Comissão Mista de Orçamento. A comissão estabeleceu-se, informalmente como “órgão competente” para conceder subvenções sociais. Através de um simples memorando do presidente da comissão, o deputado Cid Carvalho, João Alves foi designado para “coordenar e encaminhar, junto aos respectivos ministérios, os assuntos relativos a subvenções sociais de interesse desta comissão do Congresso Nacional”. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 1989 completou o caminho para a corrupção ao permitir que subvenções sociais fossem destinadas a entidades mantidas por prefeituras.

No início dos anos noventa, parlamentares corruptos controlavam o processo orçamentário dentro do Congresso Nacional. O presidente e seus ministros liberavam a verba para subvenções sociais de modo automático, na prática. Controlar os gastos era impossível. A transparência orçamentária era nula, por conta da falta de tecnologia para acompanhar os gastos (nada de internet!) e a hiperinflação. Ao estabelecer um caminho claro entre a vontade política e o recebimento do dinheiro por uma entidade mantida por prefeituras, as subvenções sociais eram o melhor mecanismo para realizar atos corruptos. Dependiam pouco da relação com o poder Executivo. Essa torneira foi fechada com a CPI de 1993.

Atualmente, subvenções sociais podem ser destinadas a entidades privadas sem fins lucrativos que “exerçam atividades de natureza continuada” nas áreas de assistência social, saúde ou educação, prestem atendimento direto ao público e tenham certificação de entidade beneficente de assistência social, nos termos da Lei 12.101/2009”. Entidades mantidas por prefeituras não podem mais receber subvenções sociais. O espaço para corrupção diminuiu. Mas a fome política, não. Subvenções sociais foram substituídas por emendas orçamentárias – que já existiam, mas tinham menos importância. Tema para o próximo texto.