Eduardo Cunha fez bem à saúde dos brasileiros
O então deputado consagrou a alteração constitucional que destinou metade do valor das emendas individuais dos deputados à saúde pública
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2017 às 16h23.
Última atualização em 27 de outubro de 2017 às 16h25.
É impossível lembrar de Eduardo Cunha (PMDB) e não pensar coisas ruins. Artífice do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Cunha presidiu a Câmara dos Deputados por 15 meses e, nesse tempo, impôs uma agenda legislativa distinta da votada pela maioria da população em 2014. Defendeu causas religiosas, colocou o sistema eleitoral conhecido como Distritão para votação em plenário… Enfim, não honrou o que se esperaria de seu mandato (e olha que nem mencionei corrupção).
No entanto, uma das primeiras medidas tomadas pelo então presidente da Câmara foi crucial para garantir, hoje, uma das principais demandas dos brasileiros: acesso à saúde. Consagrando um acordo que foi costurado entre os deputados do baixo clero e Henrique Eduardo Alves (PMDB), que presidiu a casa legislativa imediatamente antes, Cunha colocou para votação, e fez aprovar, a Emenda Constitucional 86/2015. O ponto básico dessa legislação foi tornar obrigatória a execução de emendas individuais ao orçamento, respeitado certo limite. Essa mudança à Constituição de 1988 teve duas enormes consequências para o governo brasileiro.
A primeira é a mudança na dinâmica da barganha entre presidente e parlamentares. Frequentemente citadas pela imprensa, e até pelos próprios políticos, como um dos principais mecanismos através dos quais o presidente convence deputados a votarem a favor de reformas de interesse do governo, as emendas individuais deixaram de ser relevantes para a negociação. Afinal, já que o presidente é obrigado a realizar o gasto previsto por minha emenda, por que vou votar algo favorável a ele (e que talvez seja contra meu interesse)? O poder de barganha presidencial diminuiu muito.
Ainda assim, o presidente tem uma artimanha que pode ser mobilizada. Digamos que em 2017 ele precise gastar, de acordo com a nova emenda constitucional e as leis orçamentárias, por volta de R$ 8 bilhões destinados a emendas impositivas. Caso ele gaste apenas metade disso, R$ 4 bilhões, não há problema. Ele pode deixar os R$ 4 bi que faltam como “restos a pagar” e destinar esses recursos aos projetos identificados em 2018.
De acordo com os pesquisadores André Busanelli de Aquino e Ricardo Rocha de Azevedo, esse mecanismo corrói a transparência das finanças públicas e torna o processo de administração pública extremamente imprevisível (O artigo deles é “Restos a pagar e a perda da credibilidade orçamentária”, publicado este ano pela Revista de Administração Pública da FGV ). Mas certo poder de negociação presidencial permanece, embora bem menor do que antes. Ponto para Cunha e o baixo clero.
Mas uma consequência não-antecipada desta alteração constitucional é a garantia de recursos orçamentários para unidades de atenção básica de saúde . Por quê? Uma das principais mudanças contidas na Emenda 86/2015 é a obrigação de que metade do valor das emendas individuais seja destinado à política pública de saúde — mais especificamente, ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Em vez de proporem a maior parte do valor de suas emendas para obras de infraestrutura, os deputados e senadores têm colocado essa grana à disposição do que se chama de “custeio” de unidades básicas de saúde. Ou seja: em vez de construir novos hospitais e UBS, os parlamentares estão preferindo comprar remédios para a UBS, novos equipamentos e outros itens básicos sem os quais não há atendimento médico.
É claro que não se trata de uma mudança moral ou algo parecido no comportamento dos parlamentares, mas sim a constatação de que obras têm tido dificuldade para se concretizarem. Ora, se um deputado propõe emenda para obra de hospital e o hospital não chega a ser construído – ou, tão ruim quanto, fica pronto mas não funciona por falta de leitos! – , o parlamentar não será recompensado com votos. Daí a mudança de recursos: custeio da saúde em vez de “investimentos”.
A saga das emendas impositivas na área da saúde foi muito bem documentada por Mariana Helcias Sagastume, funcionária do Ministério da Saúde, no relatório de pesquisa “Orçamento impositivo: a experiência na saúde e suas contribuições para o SUS”, editado ano passado pela Escola Nacional de Administração Pública. A autora não se atreve, é claro, a admitir o improvável: Eduardo Cunha faz bem para a saúde.
É impossível lembrar de Eduardo Cunha (PMDB) e não pensar coisas ruins. Artífice do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Cunha presidiu a Câmara dos Deputados por 15 meses e, nesse tempo, impôs uma agenda legislativa distinta da votada pela maioria da população em 2014. Defendeu causas religiosas, colocou o sistema eleitoral conhecido como Distritão para votação em plenário… Enfim, não honrou o que se esperaria de seu mandato (e olha que nem mencionei corrupção).
No entanto, uma das primeiras medidas tomadas pelo então presidente da Câmara foi crucial para garantir, hoje, uma das principais demandas dos brasileiros: acesso à saúde. Consagrando um acordo que foi costurado entre os deputados do baixo clero e Henrique Eduardo Alves (PMDB), que presidiu a casa legislativa imediatamente antes, Cunha colocou para votação, e fez aprovar, a Emenda Constitucional 86/2015. O ponto básico dessa legislação foi tornar obrigatória a execução de emendas individuais ao orçamento, respeitado certo limite. Essa mudança à Constituição de 1988 teve duas enormes consequências para o governo brasileiro.
A primeira é a mudança na dinâmica da barganha entre presidente e parlamentares. Frequentemente citadas pela imprensa, e até pelos próprios políticos, como um dos principais mecanismos através dos quais o presidente convence deputados a votarem a favor de reformas de interesse do governo, as emendas individuais deixaram de ser relevantes para a negociação. Afinal, já que o presidente é obrigado a realizar o gasto previsto por minha emenda, por que vou votar algo favorável a ele (e que talvez seja contra meu interesse)? O poder de barganha presidencial diminuiu muito.
Ainda assim, o presidente tem uma artimanha que pode ser mobilizada. Digamos que em 2017 ele precise gastar, de acordo com a nova emenda constitucional e as leis orçamentárias, por volta de R$ 8 bilhões destinados a emendas impositivas. Caso ele gaste apenas metade disso, R$ 4 bilhões, não há problema. Ele pode deixar os R$ 4 bi que faltam como “restos a pagar” e destinar esses recursos aos projetos identificados em 2018.
De acordo com os pesquisadores André Busanelli de Aquino e Ricardo Rocha de Azevedo, esse mecanismo corrói a transparência das finanças públicas e torna o processo de administração pública extremamente imprevisível (O artigo deles é “Restos a pagar e a perda da credibilidade orçamentária”, publicado este ano pela Revista de Administração Pública da FGV ). Mas certo poder de negociação presidencial permanece, embora bem menor do que antes. Ponto para Cunha e o baixo clero.
Mas uma consequência não-antecipada desta alteração constitucional é a garantia de recursos orçamentários para unidades de atenção básica de saúde . Por quê? Uma das principais mudanças contidas na Emenda 86/2015 é a obrigação de que metade do valor das emendas individuais seja destinado à política pública de saúde — mais especificamente, ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Em vez de proporem a maior parte do valor de suas emendas para obras de infraestrutura, os deputados e senadores têm colocado essa grana à disposição do que se chama de “custeio” de unidades básicas de saúde. Ou seja: em vez de construir novos hospitais e UBS, os parlamentares estão preferindo comprar remédios para a UBS, novos equipamentos e outros itens básicos sem os quais não há atendimento médico.
É claro que não se trata de uma mudança moral ou algo parecido no comportamento dos parlamentares, mas sim a constatação de que obras têm tido dificuldade para se concretizarem. Ora, se um deputado propõe emenda para obra de hospital e o hospital não chega a ser construído – ou, tão ruim quanto, fica pronto mas não funciona por falta de leitos! – , o parlamentar não será recompensado com votos. Daí a mudança de recursos: custeio da saúde em vez de “investimentos”.
A saga das emendas impositivas na área da saúde foi muito bem documentada por Mariana Helcias Sagastume, funcionária do Ministério da Saúde, no relatório de pesquisa “Orçamento impositivo: a experiência na saúde e suas contribuições para o SUS”, editado ano passado pela Escola Nacional de Administração Pública. A autora não se atreve, é claro, a admitir o improvável: Eduardo Cunha faz bem para a saúde.