E se a Lava-Jato não tivesse existido?
O sucesso da força-tarefa diminuiu a cooperação entre órgãos de combate à corrupção
Da Redação
Publicado em 16 de agosto de 2019 às 18h15.
Sem a Operação Lava-Jato, o sistema partidário brasileiro seria diferente; Lula (PT) e Eduardo Cunha (MDB) não estariam presos; Sergio Moro seria um juiz desimportante em vez de candidato natural à presidência; o Ministério Público não teria monopolizado a virtude do combate à corrupção – e Deltan Dallagnol e família não teria ido de graça com a família ao Beach Park no Ceará em 2017.
Análises contrafactuais – o popular “e se? e se?” – têm imensa utilidade analítica. Permitem, segundo Giovanni Capoccia e Daniel Kelemen, identificar os momentos críticos (critical junctures) a partir dos quais instituições produzem efeitos diferentes do que se esperaria.
Nesses momentos, o efeito contingente de ações individuais é muito maior do que o normal. E por isso uma decisão específica, idiossincrática, personalíssima, pode ter efeitos históricos. Para citar um exemplo fora da política, lembremos do nosso primeiro 7 a 1, ocorrido com placar de 2 a 1 contra o Uruguai na final da Copa de 1950. A seleção brasileira, brilhante em campo e desorganizadíssima fora dele, foi humilhada no Maracanã. Pois foi após essa derrota que a seleção começou a “profissionalizar” sua participação em copas. Inovações como um check-up completo nos jogadores convocados para a Copa de 1958, exigido por Paulo Machado de Carvalho, resultou da escolha individual desse chefe da delegação. Impossível afirmar que não teríamos vencido em 1958, 1962 e 1970 sem a derrota de 1950 – mas é bastante plausível.
Voltemos à Lava-Jato. Iniciada no primeiro semestre de 2014, no esteio de leis aprovadas no ano anterior após manifestações de massa, a operação atingiu seu ápice em julho de 2017, quando o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Lula (PT) à prisão. A decisão foi tomada após investigações da Polícia Federal e Ministério Público Federal, com grande entusiasmo do procurador Deltan Dallagnol, do MPF, para embasar o argumento do juiz. Alguns se convenceram, outros não. As mensagens divulgadas pelo Intercept Brasil há dois meses não mostram a inocência de Lula, e sim documentam a má-fé e viés político dos acusadores.
Dallagnol e Moro se tornaram heróis. Suas ideias sobre as causas da corrupção, a natureza do sistema político brasileiro e os efeitos de nosso sistema eleitoral passaram a ser relevantes. Livros foram escritos, palestras dadas e dez medidas contra a corrupção propostas. Satisfazendo as condições de Capoccia e Kelemen, a probabilidade da escolha dos agentes (Moro e Dallagnol forçando a barra ao máximo para condenar Lula e outros políticos) afetar uma variável de interesse (o sistema político) era muito mais alta naquele momento – que durou, eu acredito, até junho de 2019 – do que em momentos anteriores ou posteriores.
O Ministério Público Federal e a Justiça tiveram uma janela de oportunidade única. Com a prisão de Cunha, Lula e outros, os procuradores ganharam prestígio suficiente para serem levados a sério como proponentes de mudanças estruturais do sistema político. Tentaram jogar goela abaixo do Legislativo, através de forte pressão popular, as dez medidas contra corrupção. Fracassaram. Com parte da sociedade civil, propuseram “novas medidas” contra a corrupção – uma lista muito mais séria, embora inócua com relação à possibilidade de punir procuradores e juízes que ajam fora da linha.
O resultado? Um novo fracasso, na prática, e a péssima atitude de tratar órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União, a Receita Federal e a Polícia Federal, entre outros, como “ajudantes” dos membros do Ministério Público. A antipatia a Dallagnol e sua equipe é imensa. Sem a Lava-Jato, empresários e políticos corruptos teriam espaço livre – o que é obviamente péssimo. Mas o sucesso da operação poderia muito bem não ter resultado – por causa de arrogância, empáfia, ganância – no enfraquecimento do sistema de combate à corrupção.
Sem a Operação Lava-Jato, o sistema partidário brasileiro seria diferente; Lula (PT) e Eduardo Cunha (MDB) não estariam presos; Sergio Moro seria um juiz desimportante em vez de candidato natural à presidência; o Ministério Público não teria monopolizado a virtude do combate à corrupção – e Deltan Dallagnol e família não teria ido de graça com a família ao Beach Park no Ceará em 2017.
Análises contrafactuais – o popular “e se? e se?” – têm imensa utilidade analítica. Permitem, segundo Giovanni Capoccia e Daniel Kelemen, identificar os momentos críticos (critical junctures) a partir dos quais instituições produzem efeitos diferentes do que se esperaria.
Nesses momentos, o efeito contingente de ações individuais é muito maior do que o normal. E por isso uma decisão específica, idiossincrática, personalíssima, pode ter efeitos históricos. Para citar um exemplo fora da política, lembremos do nosso primeiro 7 a 1, ocorrido com placar de 2 a 1 contra o Uruguai na final da Copa de 1950. A seleção brasileira, brilhante em campo e desorganizadíssima fora dele, foi humilhada no Maracanã. Pois foi após essa derrota que a seleção começou a “profissionalizar” sua participação em copas. Inovações como um check-up completo nos jogadores convocados para a Copa de 1958, exigido por Paulo Machado de Carvalho, resultou da escolha individual desse chefe da delegação. Impossível afirmar que não teríamos vencido em 1958, 1962 e 1970 sem a derrota de 1950 – mas é bastante plausível.
Voltemos à Lava-Jato. Iniciada no primeiro semestre de 2014, no esteio de leis aprovadas no ano anterior após manifestações de massa, a operação atingiu seu ápice em julho de 2017, quando o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Lula (PT) à prisão. A decisão foi tomada após investigações da Polícia Federal e Ministério Público Federal, com grande entusiasmo do procurador Deltan Dallagnol, do MPF, para embasar o argumento do juiz. Alguns se convenceram, outros não. As mensagens divulgadas pelo Intercept Brasil há dois meses não mostram a inocência de Lula, e sim documentam a má-fé e viés político dos acusadores.
Dallagnol e Moro se tornaram heróis. Suas ideias sobre as causas da corrupção, a natureza do sistema político brasileiro e os efeitos de nosso sistema eleitoral passaram a ser relevantes. Livros foram escritos, palestras dadas e dez medidas contra a corrupção propostas. Satisfazendo as condições de Capoccia e Kelemen, a probabilidade da escolha dos agentes (Moro e Dallagnol forçando a barra ao máximo para condenar Lula e outros políticos) afetar uma variável de interesse (o sistema político) era muito mais alta naquele momento – que durou, eu acredito, até junho de 2019 – do que em momentos anteriores ou posteriores.
O Ministério Público Federal e a Justiça tiveram uma janela de oportunidade única. Com a prisão de Cunha, Lula e outros, os procuradores ganharam prestígio suficiente para serem levados a sério como proponentes de mudanças estruturais do sistema político. Tentaram jogar goela abaixo do Legislativo, através de forte pressão popular, as dez medidas contra corrupção. Fracassaram. Com parte da sociedade civil, propuseram “novas medidas” contra a corrupção – uma lista muito mais séria, embora inócua com relação à possibilidade de punir procuradores e juízes que ajam fora da linha.
O resultado? Um novo fracasso, na prática, e a péssima atitude de tratar órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União, a Receita Federal e a Polícia Federal, entre outros, como “ajudantes” dos membros do Ministério Público. A antipatia a Dallagnol e sua equipe é imensa. Sem a Lava-Jato, empresários e políticos corruptos teriam espaço livre – o que é obviamente péssimo. Mas o sucesso da operação poderia muito bem não ter resultado – por causa de arrogância, empáfia, ganância – no enfraquecimento do sistema de combate à corrupção.