Donald Trump, um presidente coadjuvante
Livro “Fire and Fury: inside the Trump White House” narra os bastidores da vida de Trump e do governo
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2018 às 11h28.
Não lembro a última vez que um livro causou tanta polêmica quanto “Fire and Fury: inside the Trump White House”, de Michael Wolff. Previsto para ser lançado dia 9, a editora decidiu adiantar para 5 de janeiro por conta dos desmentidos que já circulavam. O comediante Stephen Colbert disse que Trump começou, sem querer, um “national book club”. O livro esgotou na Barnes and Noble e na prestigiosa livraria Strand, em Nova York. A Amazon promete entregar o livro em 35 dias nos EUA, ao contrário do costumeiro dia-para-noite. Jornalistas da The New Yorker e New York Times correram para criticar o autor. Há, dizem eles, frases inventadas, reuniões inexistentes e fatos pouco verossímeis. É provável que estejam parcialmente corretos. Wolff não tem o prestígio nem a circulação em Washington de um Bob Woodward. Mas essa é até uma virtude do livro. Ninguém é poupado. Mas Trump não é tão ridicularizado como as resenhas estão dizendo. É, na verdade, personagem coadjuvante no livro cujo título leva seu sobrenome.
São quatro os personagens principais: Reince Priebus, Steve Bannon, Jared Kushner e Ivanka Trump. Priebus, típico republicando conservador e comandante do Republican National Committee, durou sete meses como chefe de gabinete do presidente. Esse é o cargo mais relevante do governo norte-americano. No Brasil, a posição análoga é a Casa Civil da Presidência da República. O “chief of staff” é uma combinação de Eliseu Padilha com Moreira Franco. Nem pensar em um ministro poderoso na área econômica. Quem toma as decisões é o National Economic Council nomeado por Trump. Os ministros têm papel secundário nos Estados Unidos – o que só reforça a temeridade de um presidente despreparado.
Wolff descreve como Bannon, o ideólogo de extrema-direta que vitaminou a campanha de Trump pelo site Breitbart News (do qual foi defenestrado nessa semana), lutou contra o casal Jared-Ivanka (apelidado de Jarvanka) para o papel de “primeiro-ministro”. Jarvanka representam, de certo modo, o establishment de Washington. Aproximaram-se de poderosos financiadores de campanha e lobistas que têm, é claro, ótimas sugestões sobre o que o governo deve fazer. Bannon dizia representar o “coração” de Trump. O presidente é descrito como alguém com atenção dispersa e egomaníaco a ponto de nosso FHC parecer humilde. Isso deixa um vácuo enorme de poder a ser preenchido.
Bannon perdeu para o casal Jarvanka. Foi demitido após pouco mais de seis meses em um cargo de assessoria pouco definida. Seu principal legado foi o decreto, assinado no primeiro mês de governo, que limita a entrada de imigrantes nos Estados Unidos. O livro mostra que Trump não estava nem aí para o assunto, mas gostou da atenção que o tema trouxe. A norma foi editada em uma sexta-feira, segundo Bannon, para causar a maior comoção possível nos aeroportos e na mídia tradicional. Bem, conseguiram. Mas medidas como essa levaram Trump ao patamar de 35% de aprovação do seu governo – baixo, mas não apocalíptico.
Jimmy Carter (1977-1981) foi o presidente mais parecido com Trump no sentido organizacional. Elegeu-se após apenas um mandato como governador da Georgia, um pequeno estado no sul do país. Uma vez contados os votos do Colégio Eleitoral, Carter dilmou: seria seu próprio chefe de gabinete. Claro que não deu certo. A desorganização era tamanha que em 1979, no terceiro ano de governo, Carter foi para Camp David (espécie de casa de campo dos presidentes) e saiu de lá com um discurso culpando o consumismo e amoralidade dos norte-americanos pela crise. Surpreendentemente, sua aprovação subiu onze pontos percentuais, mas não foi o suficiente para que se reelegesse. (A deliciosa história é contada por completo em “’What the Heck Are You Up To, Mr. President?’: Jimmy Carter, America’s ‘Malaise,’ and the Speech That Should Have Changed the Country”, de Kevin Mattson.)
Ficou a lição: delegar o comando do governo para um chefe de gabinete é fundamental. Nos últimos governos norte-americanos (excetuando o período de Rahm Emanuel sob Obama), a única coisa que os chefes de gabinete não fizeram foi o trabalho de Carlos Marun: relacionar-se com parlamentares. Michel Temer fala diretamente com Rodrigo Maia e líderes partidários, pois nossa Câmara dos Deputados é uma organização centralizada. Nos Estados Unidos, os presidentes de comissões legislativas são muito poderosos. Antes dos anos setenta, dominavam o trabalho congressual, mas continuam peças centrais do processo. Imagine se Trump tem paciência para lidar com eles! Delegou a Paul Ryan, um deputado republicano que mal conhece, a tarefa de propor alterações extensas no sistema de saúde implementado por Barack Obama. Não funcionou. Apesar da maioria republicana na Câmara dos Deputados e Senado Federal, o plano de Trump deixou de ser aprovado por dois votos no Senado.
O livro termina com a entrada do general John Kelly, desconhecido completo do sistema legislativo de Washington, na chefia de gabinete do governo Trump em julho de 2017. O casal Jarvanka baixou a bola após a nomeação de um procurador independente para investigar, entre outras coisas, o papel de Jared Kushner no relacionamento com russos durante a eleição de 2016. O maior desafio de Kelly é dar algum semblante de normalidade ao governo. Os familiares de Trump parecem estar mais controlados. Os republicanos ainda têm um ano de controle do Congresso. A expectativa é que os democratas dominem o Legislativo a partir de 2019. Aí sim os americanos verão como é um governo paralisado.
Não lembro a última vez que um livro causou tanta polêmica quanto “Fire and Fury: inside the Trump White House”, de Michael Wolff. Previsto para ser lançado dia 9, a editora decidiu adiantar para 5 de janeiro por conta dos desmentidos que já circulavam. O comediante Stephen Colbert disse que Trump começou, sem querer, um “national book club”. O livro esgotou na Barnes and Noble e na prestigiosa livraria Strand, em Nova York. A Amazon promete entregar o livro em 35 dias nos EUA, ao contrário do costumeiro dia-para-noite. Jornalistas da The New Yorker e New York Times correram para criticar o autor. Há, dizem eles, frases inventadas, reuniões inexistentes e fatos pouco verossímeis. É provável que estejam parcialmente corretos. Wolff não tem o prestígio nem a circulação em Washington de um Bob Woodward. Mas essa é até uma virtude do livro. Ninguém é poupado. Mas Trump não é tão ridicularizado como as resenhas estão dizendo. É, na verdade, personagem coadjuvante no livro cujo título leva seu sobrenome.
São quatro os personagens principais: Reince Priebus, Steve Bannon, Jared Kushner e Ivanka Trump. Priebus, típico republicando conservador e comandante do Republican National Committee, durou sete meses como chefe de gabinete do presidente. Esse é o cargo mais relevante do governo norte-americano. No Brasil, a posição análoga é a Casa Civil da Presidência da República. O “chief of staff” é uma combinação de Eliseu Padilha com Moreira Franco. Nem pensar em um ministro poderoso na área econômica. Quem toma as decisões é o National Economic Council nomeado por Trump. Os ministros têm papel secundário nos Estados Unidos – o que só reforça a temeridade de um presidente despreparado.
Wolff descreve como Bannon, o ideólogo de extrema-direta que vitaminou a campanha de Trump pelo site Breitbart News (do qual foi defenestrado nessa semana), lutou contra o casal Jared-Ivanka (apelidado de Jarvanka) para o papel de “primeiro-ministro”. Jarvanka representam, de certo modo, o establishment de Washington. Aproximaram-se de poderosos financiadores de campanha e lobistas que têm, é claro, ótimas sugestões sobre o que o governo deve fazer. Bannon dizia representar o “coração” de Trump. O presidente é descrito como alguém com atenção dispersa e egomaníaco a ponto de nosso FHC parecer humilde. Isso deixa um vácuo enorme de poder a ser preenchido.
Bannon perdeu para o casal Jarvanka. Foi demitido após pouco mais de seis meses em um cargo de assessoria pouco definida. Seu principal legado foi o decreto, assinado no primeiro mês de governo, que limita a entrada de imigrantes nos Estados Unidos. O livro mostra que Trump não estava nem aí para o assunto, mas gostou da atenção que o tema trouxe. A norma foi editada em uma sexta-feira, segundo Bannon, para causar a maior comoção possível nos aeroportos e na mídia tradicional. Bem, conseguiram. Mas medidas como essa levaram Trump ao patamar de 35% de aprovação do seu governo – baixo, mas não apocalíptico.
Jimmy Carter (1977-1981) foi o presidente mais parecido com Trump no sentido organizacional. Elegeu-se após apenas um mandato como governador da Georgia, um pequeno estado no sul do país. Uma vez contados os votos do Colégio Eleitoral, Carter dilmou: seria seu próprio chefe de gabinete. Claro que não deu certo. A desorganização era tamanha que em 1979, no terceiro ano de governo, Carter foi para Camp David (espécie de casa de campo dos presidentes) e saiu de lá com um discurso culpando o consumismo e amoralidade dos norte-americanos pela crise. Surpreendentemente, sua aprovação subiu onze pontos percentuais, mas não foi o suficiente para que se reelegesse. (A deliciosa história é contada por completo em “’What the Heck Are You Up To, Mr. President?’: Jimmy Carter, America’s ‘Malaise,’ and the Speech That Should Have Changed the Country”, de Kevin Mattson.)
Ficou a lição: delegar o comando do governo para um chefe de gabinete é fundamental. Nos últimos governos norte-americanos (excetuando o período de Rahm Emanuel sob Obama), a única coisa que os chefes de gabinete não fizeram foi o trabalho de Carlos Marun: relacionar-se com parlamentares. Michel Temer fala diretamente com Rodrigo Maia e líderes partidários, pois nossa Câmara dos Deputados é uma organização centralizada. Nos Estados Unidos, os presidentes de comissões legislativas são muito poderosos. Antes dos anos setenta, dominavam o trabalho congressual, mas continuam peças centrais do processo. Imagine se Trump tem paciência para lidar com eles! Delegou a Paul Ryan, um deputado republicano que mal conhece, a tarefa de propor alterações extensas no sistema de saúde implementado por Barack Obama. Não funcionou. Apesar da maioria republicana na Câmara dos Deputados e Senado Federal, o plano de Trump deixou de ser aprovado por dois votos no Senado.
O livro termina com a entrada do general John Kelly, desconhecido completo do sistema legislativo de Washington, na chefia de gabinete do governo Trump em julho de 2017. O casal Jarvanka baixou a bola após a nomeação de um procurador independente para investigar, entre outras coisas, o papel de Jared Kushner no relacionamento com russos durante a eleição de 2016. O maior desafio de Kelly é dar algum semblante de normalidade ao governo. Os familiares de Trump parecem estar mais controlados. Os republicanos ainda têm um ano de controle do Congresso. A expectativa é que os democratas dominem o Legislativo a partir de 2019. Aí sim os americanos verão como é um governo paralisado.