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Bolsonaro pode até merecer impeachment, mas ainda está longe

A pandemia tem responsabilização política difusa e isso pode ser crucial para impedir o avanço do processo de impeachment de Bolsonaro

A crise provavelmente não será calamitosa, mas Bolsonaro terá que encontrar alguma maneira de substituir o auxílio emergencial da pandemia (Alan Santos/PR/Reuters)
KS

Karina Souza

Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 18h21.

Última atualização em 23 de janeiro de 2021 às 14h59.

A elite intelectual do país animou-se, nos últimos dias, com a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sofrer processo de impeachment. Dois fatores contribuem para isso: a saída de Donald Trump do poder, que enfraquece líderes semelhantes a ele, e o patrocínio, pelo presidente e o Ministério da Saúde, de um remédio que tem ineficácia comprovada contra a covid-19. Há um bom argumento a ser feito de que recomendar cloroquina é suficientemente grave para implicar crime de responsabilidade. E as digitais de Bolsonaro nisso estão mais evidentes do que Dilma Rousseff (PT) e suas pedaladas fiscais.

Mas a pesquisa Exame/Ideia divulgada hoje joga água fria nessa ideia. A popularidade de Bolsonaro está em queda. 45% dos brasileiros consideram seu governo péssimo. O pico foi 50%, em junho de 2020. 27% acham o desempenho de Bolsonaro é bom ou ótimo. O recorde de desaprovação dado pelos dois últimos presidentes – Michel Temer, MDB, com 4% e Dilma Rousseff com 5% - mostra que Bolsonaro ainda precisa despencar muito para passar aperto.

Dessa maneira, dificilmente se atingirá o tipo de mobilização popular contra o presidente é uma das quatro condições necessárias, segundo o cientista político Aníbal Pérez-Liñan, para que o processo de impeachment seja aberto. Panelaços pontuais são relevantes, mas não bastam. (O livro de Pérez-Liñan é “Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America”, publicado pela Cambridge University Press em 2007.)

As outras três condições são: crise econômica, escândalo (especialmente de corrupção) e um Legislativo hostil ao presidente. Este último fator foi o que salvou Michel Temer, que soube como poucos gerenciar sua coalizão na Câmara dos Deputados.

2021 não será, como quer Paulo Guedes, o “ano da virada”. A economia deve melhorar no segundo semestre, dependendo do ritmo de vacinação. A crise provavelmente não será calamitosa, mas Bolsonaro terá que encontrar alguma maneira de substituir o auxílio emergencial da pandemia. O Legislativo continuará, ao menos por alguns meses, não sendo exatamente “hostil” a Bolsonaro. Mesmo que Baleia Rossi (MDB) comande a Câmara dos Deputados, o jogo delicado de aproximação e repulsa ao presidente (e os ministros que liberam verbas) pode implicar derrota em 2022 para o deputado afoito que embarcar cedo demais na oposição.

Por fim, o principal escândalo que poderia animar o impeachment de Bolsonaro é sua condução da crise do coronavírus. Além de recomendar a inútil cloroquina formal e informalmente, o presidente recusou a compra de vacinas da Pfizer no ano passado. Mas a pesquisa Exame/Ideia mostra que os cidadãos não o tomam como principal responsável pela crise da covid-19 em Manaus, por exemplo. 33% culpam a população, 26% o governo do Amazonas e 18% o governo federal.

Nem mesmo o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, é rejeitado. 61% dos cidadãos acham que ele está fazendo um trabalho regular, no mínimo.

A lição que fica é: a pandemia tem responsabilização política difusa e isso pode ser crucial para impedir o avanço do processo de impeachment de Bolsonaro.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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A elite intelectual do país animou-se, nos últimos dias, com a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sofrer processo de impeachment. Dois fatores contribuem para isso: a saída de Donald Trump do poder, que enfraquece líderes semelhantes a ele, e o patrocínio, pelo presidente e o Ministério da Saúde, de um remédio que tem ineficácia comprovada contra a covid-19. Há um bom argumento a ser feito de que recomendar cloroquina é suficientemente grave para implicar crime de responsabilidade. E as digitais de Bolsonaro nisso estão mais evidentes do que Dilma Rousseff (PT) e suas pedaladas fiscais.

Mas a pesquisa Exame/Ideia divulgada hoje joga água fria nessa ideia. A popularidade de Bolsonaro está em queda. 45% dos brasileiros consideram seu governo péssimo. O pico foi 50%, em junho de 2020. 27% acham o desempenho de Bolsonaro é bom ou ótimo. O recorde de desaprovação dado pelos dois últimos presidentes – Michel Temer, MDB, com 4% e Dilma Rousseff com 5% - mostra que Bolsonaro ainda precisa despencar muito para passar aperto.

Dessa maneira, dificilmente se atingirá o tipo de mobilização popular contra o presidente é uma das quatro condições necessárias, segundo o cientista político Aníbal Pérez-Liñan, para que o processo de impeachment seja aberto. Panelaços pontuais são relevantes, mas não bastam. (O livro de Pérez-Liñan é “Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America”, publicado pela Cambridge University Press em 2007.)

As outras três condições são: crise econômica, escândalo (especialmente de corrupção) e um Legislativo hostil ao presidente. Este último fator foi o que salvou Michel Temer, que soube como poucos gerenciar sua coalizão na Câmara dos Deputados.

2021 não será, como quer Paulo Guedes, o “ano da virada”. A economia deve melhorar no segundo semestre, dependendo do ritmo de vacinação. A crise provavelmente não será calamitosa, mas Bolsonaro terá que encontrar alguma maneira de substituir o auxílio emergencial da pandemia. O Legislativo continuará, ao menos por alguns meses, não sendo exatamente “hostil” a Bolsonaro. Mesmo que Baleia Rossi (MDB) comande a Câmara dos Deputados, o jogo delicado de aproximação e repulsa ao presidente (e os ministros que liberam verbas) pode implicar derrota em 2022 para o deputado afoito que embarcar cedo demais na oposição.

Por fim, o principal escândalo que poderia animar o impeachment de Bolsonaro é sua condução da crise do coronavírus. Além de recomendar a inútil cloroquina formal e informalmente, o presidente recusou a compra de vacinas da Pfizer no ano passado. Mas a pesquisa Exame/Ideia mostra que os cidadãos não o tomam como principal responsável pela crise da covid-19 em Manaus, por exemplo. 33% culpam a população, 26% o governo do Amazonas e 18% o governo federal.

Nem mesmo o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, é rejeitado. 61% dos cidadãos acham que ele está fazendo um trabalho regular, no mínimo.

A lição que fica é: a pandemia tem responsabilização política difusa e isso pode ser crucial para impedir o avanço do processo de impeachment de Bolsonaro.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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