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As duas lições políticas do BBB

Baixa confiança interpessoal e coalizões que definem sobrevivência no programa garantem diversão

A vida no reality show não é só algodão doce (Globoplay/Reprodução)
A vida no reality show não é só algodão doce (Globoplay/Reprodução)
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Sérgio Praça

Publicado em 26 de fevereiro de 2021 às, 19h48.

Dei-me uma aula dupla de Brasil na terça-feira. Acompanhei a eliminação de Karol Conká, rapper que participou do Big Brother Brasil 21, e assisti “Bacurau” (Kléber Mendonça Filho, 2019). O filme reúne clichês sobre imperialismo, violência e o pobre cordial do Nordeste. É bom entretenimento, assim como o BBB. Desdenhado por muitos pela superficialidade, o reality show é despretensioso. Não tem a lição de moral infantil que contamina o filme.

Duas lições políticas podem ser extraídas dessa discussão. A primeira é sobre confiança interpessoal. Na cidade de Bacurau, atacada por gringos assassinos, todos se conhecem e, no mínimo, se toleram. Podem deixar a porta de casa aberta sem medo.

No BBB, vinte estranhos convivem sem contato prévio. Alguns são famosos, outros não. A princípio, há desconfiança completa. Só a vigilância ininterrupta e a ameaça de expulsão do programa caso ocorra ato violento garantem o mínimo de Lei e Ordem.

Mas algo interessante acontece com o passar das semanas. Comportamentos egoístas são punidos pelos participantes e a generosidade é recompensada. Isso faz sentido. Segundo o ranking de preferências interpessoais utilizado em um recente artigo da Quarterly Journal of Economics, o Brasil está em sétimo lugar de 76 países em relação à “reciprocidade positiva” de seus cidadãos. Nome chique para a gentileza que gera gentileza. O artigo “Global Evidence on Economic Preferences” , de Armin Falk, Anke Becker, Thomas Dohmen, Benjamin Enke, David Huffman e Uwe Sunde, foi publicado em 2018.

A vida no reality show não é só algodão doce. Os participantes formam coalizões para evitarem a ida ao paredão de terça-feira, quando uma de três (às vezes duas) pessoas é eliminada pelo público. No programa atual, há a turma do “gabinete do ódio”, a “oposição” e as “plantas”. O humorista Nego Di e a rapper Karol Conká, expoentes do primeiro grupo, foram tirados com votação recorde. O grupo de oposição a eles tem três membros – Gil, Juliette, Sarah – com boas chances de serem finalistas do programa.

Mas espertas mesmo são as “plantas”, os participantes que evitam confusão. Nas redes sociais, são comparadas aos parlamentares do “Centrão”, que trocam apoio no plenário por benefícios eleitorais, sem lugar para ideologia.

No BBB, essa não é a estratégia dos discretos João Luiz e Thaís. Melhor entender essas “plantas” como cientes do risco de tomar lado em “wedge issues” como o racismo, lembrado incessantemente por Lumena, uma das que sobrou do grupo liderado por Karol Conká. “Wedge issues” são temas divisivos, que atraem facilmente amigos e inimigos.

Em campanhas políticas, são mobilizados por candidatos que querem rachar os apoiadores de seu oponente. Um bom trabalho sobre isso é “Exploiting the Cracks: Wedge Issues in Multiparty Competition”, publicado por Marc van de Wardt, Catherine De Vries e Sara Hobolt no Journal of Politics em 2014.

Os melhores jogadores do BBB são, talvez, os que evitam confrontos de um modo que não parece coisa de tucano.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)