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A ultracorrupção estadual

Sérgio Cabral (PMDB-RJ) não decepciona jornalistas. Seus esquemas como governador do Rio de Janeiro por dois mandatos garantem manchetes dia após dia. Há fadiga dos cidadãos com tantas denúncias contra políticos nos últimos três anos? Sem dúvida. Mas escândalos são didáticos. Fosse criado um índice “livro-texto” para os atos corruptos, o mais recente caso de […]

SÉRGIO CABRAL: mais do que presidentes, portanto, governadores são o centro do processo político nos estados que “presidem” / Pawel Kopczynski/ Reuters (Pawel Kopczynski/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 6 de abril de 2017 às 11h17.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.

Sérgio Cabral (PMDB-RJ) não decepciona jornalistas. Seus esquemas como governador do Rio de Janeiro por dois mandatos garantem manchetes dia após dia. Há fadiga dos cidadãos com tantas denúncias contra políticos nos últimos três anos? Sem dúvida. Mas escândalos são didáticos. Fosse criado um índice “livro-texto” para os atos corruptos, o mais recente caso de Cabral teria nota máxima. Trata-se da revelação de que cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) cobravam propina de 1% do valor dos contratos de obras no estado para não incomodar as empreiteiras.

Além disso, faziam vista grossa para o descalabro nas contas públicas promovido pelo governador do PMDB. As informações foram dadas em delação premiada de Jonas Lopes de Carvalho Junior, ex-presidente do TCE-RJ. Jonas havia sido citado por executivos da Andrade Gutierrez e Odebrecht. Esperto, resolveu colaborar com a Justiça. Por causa de suas denúncias, os cinco conselheiros implicados foram presos.

O caso revela duas faces da política estadual: o poder excessivo dado ao governador, chefe do Executivo, e a aguda interferência política e incapacidade dos órgãos de controle como os Tribunais de Contas. O cientista político Fernando Abrucio (FGV-SP) cunhou o termo “ultrapresidencialismo estadual” para caracterizar os sistemas políticos subnacionais (seu texto sobre o tema está no livro Processo de governo no munícipio e no estado, organizado por Regis de Castro Andrade, Edusp, 1998).

No nível federal, temos coalizões formadas por partidos agraciados com ministérios, cargos de confiança e emendas orçamentárias. Em troca, apoiariam as propostas legislativas do presidente. A incerteza nesse jogo é tremenda. Defecções dentro da base aliada são comuns. O governo FHC, mais homogêneo ideologicamente do que os posteriores, foi exceção, não regra. O normal é uma interação tinhosa, negociada e renegociada, em que o presidente frequentemente faz mais concessões (nos textos da lei e nos cargos distribuídos) do que gostaria.

Governadores não sofrem do mesmo problema. Seu sucesso legislativo é maior do que de presidentes e vem mais fácil, com menores custos de gerência da coalizão, para usar o termo predileto do cientista político Carlos Pereira (FGV-RJ). O único estudo sistemático que compara o poder, de fato, de governadores e presidentes mostra o seguinte quadro: 87,6% dos projetos enviados pelos governadores (entre 1999 e 2006) são transformados em lei, contra 75,1% para os presidentes (entre 1988 e 2007).

Deputados estaduais também conseguem transformar suas propostas em leis, mas em proporção bem menor: 43,3% de seus projetos são aprovados no parlamento e sancionados pelo governador. (Os dados vêm de O governo estadual na experiência política brasileira: os desempenhos legislativos das Assembleias estaduais, de Fabricio Tomio e Paolo Ricci, publicado na Revista de Sociologia e Política em 2012.)

Mais do que presidentes, portanto, governadores são o centro do processo político nos estados que “presidem”. Ser oposição é certeza de frustração. E a espera para reverter o quadro nas eleições pode ser proibitiva. São Paulo é governada pelo mesmo partido, o PSDB, há 23 anos. Não é à toa que cinco governadores e seis ex-governadores foram investigados, conduzidos coercitivamente ou presos no ano passado, segundo levantamento do jornal “O Globo”. É poder demais para uma pessoa só. Contra isso, conselheiros de Tribunais de Contas dificilmente serão persuadidos (ou pressionados) a peitar decisões criminosas dos governadores e seus subordinados.

Entre outras tarefas, Tribunais de Contas deveriam fiscalizar gastos públicos e analisar as contas apresentadas pelo chefe do Executivo. Na esfera federal, o Tribunal de Contas da União tem sido muito ativo. Junto com parlamentares, foi o principal responsável pelo processo das pedaladas fiscais que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). É uma pena que, nos estados, os incentivos dos conselheiros para agirem em prol do bem público são menores. Mas pelo menos ainda temos as delações premiadas. (sergiopraca0@gmail.com)

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Sérgio Cabral (PMDB-RJ) não decepciona jornalistas. Seus esquemas como governador do Rio de Janeiro por dois mandatos garantem manchetes dia após dia. Há fadiga dos cidadãos com tantas denúncias contra políticos nos últimos três anos? Sem dúvida. Mas escândalos são didáticos. Fosse criado um índice “livro-texto” para os atos corruptos, o mais recente caso de Cabral teria nota máxima. Trata-se da revelação de que cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) cobravam propina de 1% do valor dos contratos de obras no estado para não incomodar as empreiteiras.

Além disso, faziam vista grossa para o descalabro nas contas públicas promovido pelo governador do PMDB. As informações foram dadas em delação premiada de Jonas Lopes de Carvalho Junior, ex-presidente do TCE-RJ. Jonas havia sido citado por executivos da Andrade Gutierrez e Odebrecht. Esperto, resolveu colaborar com a Justiça. Por causa de suas denúncias, os cinco conselheiros implicados foram presos.

O caso revela duas faces da política estadual: o poder excessivo dado ao governador, chefe do Executivo, e a aguda interferência política e incapacidade dos órgãos de controle como os Tribunais de Contas. O cientista político Fernando Abrucio (FGV-SP) cunhou o termo “ultrapresidencialismo estadual” para caracterizar os sistemas políticos subnacionais (seu texto sobre o tema está no livro Processo de governo no munícipio e no estado, organizado por Regis de Castro Andrade, Edusp, 1998).

No nível federal, temos coalizões formadas por partidos agraciados com ministérios, cargos de confiança e emendas orçamentárias. Em troca, apoiariam as propostas legislativas do presidente. A incerteza nesse jogo é tremenda. Defecções dentro da base aliada são comuns. O governo FHC, mais homogêneo ideologicamente do que os posteriores, foi exceção, não regra. O normal é uma interação tinhosa, negociada e renegociada, em que o presidente frequentemente faz mais concessões (nos textos da lei e nos cargos distribuídos) do que gostaria.

Governadores não sofrem do mesmo problema. Seu sucesso legislativo é maior do que de presidentes e vem mais fácil, com menores custos de gerência da coalizão, para usar o termo predileto do cientista político Carlos Pereira (FGV-RJ). O único estudo sistemático que compara o poder, de fato, de governadores e presidentes mostra o seguinte quadro: 87,6% dos projetos enviados pelos governadores (entre 1999 e 2006) são transformados em lei, contra 75,1% para os presidentes (entre 1988 e 2007).

Deputados estaduais também conseguem transformar suas propostas em leis, mas em proporção bem menor: 43,3% de seus projetos são aprovados no parlamento e sancionados pelo governador. (Os dados vêm de O governo estadual na experiência política brasileira: os desempenhos legislativos das Assembleias estaduais, de Fabricio Tomio e Paolo Ricci, publicado na Revista de Sociologia e Política em 2012.)

Mais do que presidentes, portanto, governadores são o centro do processo político nos estados que “presidem”. Ser oposição é certeza de frustração. E a espera para reverter o quadro nas eleições pode ser proibitiva. São Paulo é governada pelo mesmo partido, o PSDB, há 23 anos. Não é à toa que cinco governadores e seis ex-governadores foram investigados, conduzidos coercitivamente ou presos no ano passado, segundo levantamento do jornal “O Globo”. É poder demais para uma pessoa só. Contra isso, conselheiros de Tribunais de Contas dificilmente serão persuadidos (ou pressionados) a peitar decisões criminosas dos governadores e seus subordinados.

Entre outras tarefas, Tribunais de Contas deveriam fiscalizar gastos públicos e analisar as contas apresentadas pelo chefe do Executivo. Na esfera federal, o Tribunal de Contas da União tem sido muito ativo. Junto com parlamentares, foi o principal responsável pelo processo das pedaladas fiscais que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). É uma pena que, nos estados, os incentivos dos conselheiros para agirem em prol do bem público são menores. Mas pelo menos ainda temos as delações premiadas. (sergiopraca0@gmail.com)

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