A ótima medida anticorrupção de Paulo Guedes
O ministro tem razão: prestar concurso e filiar-se a um partido político são coisas antagônicas
Publicado em 6 de novembro de 2019 às, 07h40.
Em 30 de agosto de 2016, a presidente Dilma Rousseff (PT) perdeu o emprego. No dia seguinte, foi a uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para formalizar seu pedido de aposentadoria – a que já tinha direito desde 2006. Se nosso aparato burocrático estatal tratasse todos os cidadãos de forma igual, Dilma amargaria algum tempo na fila. Não foi o caso. Toda a documentação estava pronta desde dezembro de 2015. A boa ação foi feita, segundo o jornalista Bruno Boghossian, por uma funcionária concursada que tinha uma “função gratificada” na Diretoria de Atendimento do INSS. Carlos Gabas, funcionário concursado da área previdenciária e então ministro, foi o artífice da aceleração. Além de concursado, Gabas é filiado ao PT.
Este é apenas um de centenas de exemplos que mostram as péssimas consequências de permitir que funcionários públicos que prestam concurso sejam filiados a partidos políticos. Não se trata de algo muito comum. Mas é relevante o suficiente para virar assunto da “agenda de transformação do Estado” proposta por Paulo Guedes nessa semana. Disse o ministro: “Tem filiação partidária? Não é servidor público. Não vou dar estabilidade para militante. É como nas Forças Armadas: é servidor do Estado”.
Guedes tem razão. Há um espaço no setor público federal para quem é filiado a partido político: cargos de confiança (os famosos “DAS” – Direção e Assessoramento Superior). Quem passa em concurso público se torna funcionário governamental. É indesejável que empregados do governo atendam não apenas às diretrizes políticas dos ministros, mas também às dos líderes partidários. Se tenho dois chefes – e um é mais importante do que o outro para eu conseguir um cargo de confiança –, a qual obedecerei?
Bem, líderes partidários estão interessados no que é bom para o partido, e não para o governo. Os Estados Unidos aprenderam isso em 1883, quando foi aprovado o “Pendleton Act”, instituindo concursos obrigatórios para cargos públicos federais. Os cargos de confiança existem por lá, mas são pouco utilizados por partidos. No Brasil, os cargos são atraentes e chamam a atenção dos funcionários concursados. Filiar-se a um partido é uma ótima maneira de pleitear um avanço na carreira burocrática – e também, consequentemente, de participar de esquemas de corrupção, como eu, Katherine Bersch e Matthew Taylor mostramos no artigo “State capacity, bureaucratic politicization, and corruption in the Brazilian state” (publicado em 2017 na revista Governance).
Esta é, de longe, a melhor medida anticorrupção que o governo já propôs. Será difícil aprová-la. Uma pena.