O desafio de Temer será o andar de baixo
O governo Temer mostrou um bom fôlego nos seus primeiros 100 dias quanto a capacidade de interlocução com o “andar de cima” da sociedade brasileira. Nesse período, recebeu cerca de cem deputados, 50 senadores, 80 representantes do setor privado e três centrais sindicais. Não há dúvida de que Temer conversou com mais lideranças em três […]
Publicado em 8 de setembro de 2016 às, 13h08.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h49.
O governo Temer mostrou um bom fôlego nos seus primeiros 100 dias quanto a capacidade de interlocução com o “andar de cima” da sociedade brasileira. Nesse período, recebeu cerca de cem deputados, 50 senadores, 80 representantes do setor privado e três centrais sindicais. Não há dúvida de que Temer conversou com mais lideranças em três meses do que Rousseff nos 18 meses de seu segundo mandato, o que pode ser uma das explicações para a aprovação do impeachment e para o otimismo dos empresários. Ainda que seja um campo no qual Temer saiba navegar bem – são mais de 40 anos de experiência – será preciso esforço extra para que essa lua de mel perdure nos próximos meses.
O que pode minar seu governo é a parte da sociedade que não frequenta Brasília ou outros salões nobres. O último final de semana mostrou a capacidade de mobilização da população, lembrando os protestos de junho de 2013. A sociedade civil organizada do Brasil, no geral, não está convencida da legitimidade e da agenda proposta por Temer. Já os estratos de menor renda e menor escolaridade do Brasil, que não estão organizados, não conhecem ainda o novo presidente. Apenas 12% da população apoia o novo governo e quase 50% não conhece ou não tem opinião formada. Nesse campo, Temer tem pouco contato, pouca habilidade e poucos aliados. Até o momento, a montagem de seu gabinete não indicou estratégias para enfrentar esse vácuo de apoio.
Mesmo com indícios razoáveis de reação da economia, os estragos nas contas públicas afetarão as políticas sociais dos governos federal, estaduais e municipais e serão sentidas cada vez mais pela população. O desemprego e a redução do poder de compra seguirão em queda por mais alguns meses antes de começar a reagir. Esse cenário e novos escândalos direta ou indiretamente vinculados ao novo governo favorecem a mobilização da sociedade.
Outro desafio a ser enfrentado por Temer será o aumento no número de greves que, aliás, já começaram a pipocar e devem impactar principalmente o setor público. Isso porque a crise fiscal atinge diretamente a capacidade de estados e municípios de manter em dia os compromissos com pagamentos de funcionários públicos e reajustes, por exemplo. Movimentos como os Sem Terra e os Sem Tetos também devem intensificar suas reivindicações.
Por sua história e suas conexões e redes de apoio, Lula soube lidar com essas frentes como poucos presidentes. Obviamente se beneficiou de um momento de crescimento econômico, mas tinha também uma agenda pensada para lidar com esses atores. Já FHC, embora menos orgânico do que o petista, tinha laços históricos com a esquerda, movimentos sociais, igreja progressista e sindicatos.
Temer não conta com essas credenciais. É um gigante quanto a articulações parlamentares e partidárias, mas um nanico no relacionamento com a sociedade civil como um todo, em particular a organizada. Sua aposta se concentra na melhora do ambiente econômico e os efeitos sociais gerados a partir dela. Falta-lhe, portanto, uma estratégia para lidar com o espaço de tempo entre as condições atuais e um futuro possivelmente mais confortável para a sociedade.
Temer irá aprender no sufoco dos dias que virão que, em um país com as características do Brasil, tão importante quanto o apoio do “andar de cima” é o diálogo e negociação com o “andar de baixo”.