O perigo das mídias sociais
As redes sociais não são as grandes vilãs dos nossos tempos – pelo contrário, abriram a porta para conversas importantes que a raça humana precisa ter
Publicado em 16 de julho de 2020 às, 08h00.
Última atualização em 16 de julho de 2020 às, 09h27.
Se alguém tinha alguma dúvida de que as redes sociais são o sistema operacional através do qual a raça humana colabora em 2020, isso caiu por terra durante a pandemia. Ao mesmo tempo, o excesso de interação abre um debate acalorado. O fato de nossos irmãos, parceiros, filhos, sobrinhos e até a sua tia-avó de 75 anos estarem consumindo e produzindo intensamente no digital, muitas horas por dia, trouxe até agora mais conclusões negativas que positivas.
Muita gente adora falar sobre como as mídias sociais estão prejudicando os jovens, como as crianças são corrompidas por elas, e até como representam uma ameaça à nossa democracia. Tudo virou culpa dessas plataformas. Será? O debate sobre os efeitos negativos das redes na juventude de hoje é tão visceral que não permite que se enxergue o óbvio: as redes sociais e a internet são o fenômeno sociocultural e econômico mais impactante da nossa geração. Não tem volta.
Culpar a tecnologia e as novas mídias pelo que está acontecendo de errado na nossa vida, além de equivocado, é injusto. Equivocado porque elas não estragaram o mundo, apenas expõem as falhas humanas que já existiam e potencializam comportamentos sociais já propensos em nós. Gosto de dizer que elas são uma vitrine daquilo que somos. A internet não mudou você, ela apenas te expôs: o bom e o ruim, as virtudes e as falhas.
Uma das fraturas expostas pela internet é a forma como se criam os filhos hoje. Vejo pais reclamarem do excesso de exposição nas redes sociais. São muitos os medos: de que caiam na conversa de criminosos; de que se comparem em excesso com os amigos virtuais e, assim, se tornem inseguros; e que fiquem viciados em tecnologia. Isso me diz mais sobre a forma como anda a relação desses pais com seus filhos que das plataformas em si.
Quando não existia internet, o conselho que qualquer criança recebia era para nunca conversar com estranhos na rua. A lógica segue a mesma. Uma criança deve ser educada para os perigos das ruas e das redes. Sobre a constante comparação entre os pares, lembro aqui que os pais são os primeiros a comparar seus filhos com outras crianças ou jovens (o que acontece fora das telas). Por fim, para ficar apenas nesses exemplos, o vício é algo que todos podem desenvolver em relação a qualquer coisa, de chocolate à checagem constante de likes, porque temos um incrível sistema de recompensa no cérebro que busca, sempre que possível, altas doses de prazer.
Tudo isso deve estar na pauta da educação dos filhos. Logo, se as crianças estão usando as redes de maneira ruim, não é culpa das plataformas. São as estratégias parentais que fizeram com que esse comportamento se manifestasse em primeiro lugar. Desconfio que esteja faltando uma criação pautada mais na autoconfiança e no reforço positivo, no desenvolvimento da autoestima com base nos pontos fortes das crianças - e não na comparação com as outras.
É sempre bom lembrar que crianças fazem coisas estúpidas, são xeretas, ansiosas, confidenciam segredos entre amigos. Mas o ser humano só cresce porque erra, é curioso e arruma em quem confiar. A internet oferece uma nova forma para apresentar esses mesmos comportamentos antigos, com a diferença de que, agora, eles estão sendo expostos ao mundo.
O que somos de verdade
Quer saber? Que bom que a vida online está nos expondo. Não são só as estratégias ruins dos pais que ficam expostas, mas também o nosso verdadeiro caráter. Você não pode mais viver com múltiplas personalidades como antes: uma para o trabalho, outra para os seus amigos, uma terceira para a sua família. Seu personagem é visível na íntegra na internet, não dá mais para falsificar sua persona ou segmentá-la para pessoas diferentes.
Se você tiver boas intenções, as pessoas perceberão que você é uma boa pessoa. Se você tem uma intenção horrível, as pessoas logo sacarão. Com o tempo, todas as deficiências serão expostas, o que levará à parte mais emocionante dessa história toda: vamos, enfim, começar a aceitar as deficiências uns dos outros. E então teremos as conversas necessárias e valiosas em torno de áreas tabus, como saúde mental, sexualidade, finanças, autoestima e muito mais.
Estamos no início de uma era significativamente melhor para a raça humana, mas todos insistem em olhar apenas para o lado negativo dela. Quero acreditar que as pessoas são reticentes em relação às mídias sociais porque elas são novas. Têm medo do que significa essa revolução tecnológica e do que vai mudar a partir dela.
Agora inverta o olhar e pense em tudo o que ela já mudou. Acesso à informação, disseminação de produtos e serviços gratuitos, pessoas tirando do chão projetos de forma remota com pares que nunca viram na vida, amizades com gente de lugares distantes. Movimentos que nascem a partir da internet e ganham amplitude suficiente para mudar o comportamento social, como #BlackLivesMatters e #Metoo, nunca teriam acontecido se não fossem as redes sociais.
A maioria das pessoas julga o novo porque ele ameaça o padrão existente. A virada de chave acontece quando você percebe que 99% das mudanças que precisamos não virão de melhorias adicionais, mas sim da capacidade de reentender toda uma forma de pensar que não funciona mais em 2020.