PT e mercado: ilusões de vitória em um tabuleiro de riscos compartilhados
Governo Lula e agentes financeiros celebram triunfos no embate fiscal; é provável que ambos estejam errados
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 14h24.
Última atualização em 6 de dezembro de 2024 às 14h26.
A recente disputa travada entre o governo Lula e o mercado financeiro suscitou, curiosamente, uma percepção de vitória em ambos os lados. O Planalto acredita ter consolidado a conexão com sua base social ao combinar medidas de ajuste fiscal com promessas de benesses para os mais pobres, enquanto o mercado celebra indícios, ainda que remotos, de contenção no ímpeto gastador do governo. No entanto, as premissas que sustentam essas narrativas são frágeis e, em muitos aspectos, distantes da realidade.
Do lado do governo, a ala política cometeu equívocos significativos na apresentação das iniciativas de contenção de despesas. O formato escolhido foi mal conduzido, e os efeitos junto aos investidores foram imediatos: valorização do dólar, queda nos preços de ativos brasileiros e aumento na percepção de risco fiscal no curto e médio prazos, algo que vinha se dissipando com a expectativa da obtenção de notas de ‘investment grade’ por casas respeitadas globalmente.
Ainda assim, os estrategistas do Planalto, especialmente os mais próximos ao presidente, insistem que o "recado necessário" foi dado aos estratos que formam a cidadela eleitoral de Lula, notadamente com o anúncio da aguardada isenção do Imposto de Renda para trabalhadores de baixa renda.
Além disso, os grãopetistas enxergam nas recentes movimentações econômicas e geopolíticas – como o crescimento acima das expectativas do PIB, a aguardada aprovação do acordo Mercosul-União Europeia e a ampliação das relações comerciais (e institucionais) com a China – sinais de que o "Brasil voltou", um mantra do terceiro mandato de Lula. Sem falar nos novos indicadores positivos de combate à pobreza, que respaldariam a ofensiva de Lula na direção do seu projeto apresentado na campanha –colocar “os pobres no orçamento e os riscos no imposto de renda”. Essa percepção fundamenta a controversa crença de que a política de ampliação dos gastos públicos será inevitavelmente assimilada pelos agentes financeiros, mesmo em meio às preocupações crescentes com a deterioração da trajetória da dívida pública.
Do outro lado da disputa, o mercado também procura extrair sinais positivos do embate. A volatilidade cambial e o aumento do risco fiscal, segundo os diagnósticos mais otimistas, podem ter moderado as intenções expansionistas do governo. Essa visão deposita esperanças na figura do ministro Fernando Haddad, cuja condução das políticas econômicas pode ganhar fôlego ao longo do próximo ano, pressionado pela dinâmica do mercado e pela necessidade de contenção de danos. Aplica-se a Haddad o benefício da dúvida no exato momento em que ele transita entre a austeridade nas contas e as pretensões eleitorais futuras.
De forma curiosa – e um tanto irônica –, o mercado celebra ainda a entrada do centrão nas discussões econômicas. Há quem veja nesse movimento um possível alinhamento, ainda que tímido, com princípios basilares da responsabilidade fiscal. A contradição, contudo, salta aos olhos: apostar no compromisso fiscal de parlamentares conhecidos por sua afinidade com o controle do Orçamento da União soa quase utópico. Para muitos, o centrão é, na realidade, o contrapeso que permitirá ao governo ajustar sua estratégia sem comprometer a governabilidade e as alianças políticas.
A realidade, entretanto, tende a ser implacável. As proclamadas "vitórias" de ambos os lados estão ancoradas em fundamentos porosos. O Planalto subestima a paciência do mercado em lidar com uma política fiscal expansionista em um ambiente de dívida crescente, enquanto o mercado ignora a complexidade das escolhas políticas que moldarão o próximo ciclo econômico. O cenário, que parecia delinear vencedores claros, revela-se como uma partida inconclusa, com riscos latentes para todos os envolvidos.
O horizonte político-eleitoral já começou a ser desenhado. A contaminação das expectativas de curto prazo pode antecipar os impactos sobre inflação, câmbio e endividamento, consolidando um ambiente econômico ainda mais desafiador. Para o governo, manter sua base social engajada enquanto equilibra as demandas políticas será uma tarefa hercúlea, levando-se em conta o apetite de Lula pela reeleição. Para o mercado, a expectativa de um controle mais rigoroso das contas públicas continuará a colidir com uma dinâmica política que privilegia a sobrevivência eleitoral em detrimento do rigor orçamentário.
Na política e na economia, a procrastinação do enfrentamento com a realidade é tentadora – e, muitas vezes, confortável. No entanto, o tempo não perdoa, e o calendário de 2026 já começou a impor seus contornos. No embate entre o PT e o mercado, a única certeza é que as contas, mais cedo ou mais tarde, precisarão ser acertadas. A questão que permanece é: quem estará preparado para pagá-las?
A recente disputa travada entre o governo Lula e o mercado financeiro suscitou, curiosamente, uma percepção de vitória em ambos os lados. O Planalto acredita ter consolidado a conexão com sua base social ao combinar medidas de ajuste fiscal com promessas de benesses para os mais pobres, enquanto o mercado celebra indícios, ainda que remotos, de contenção no ímpeto gastador do governo. No entanto, as premissas que sustentam essas narrativas são frágeis e, em muitos aspectos, distantes da realidade.
Do lado do governo, a ala política cometeu equívocos significativos na apresentação das iniciativas de contenção de despesas. O formato escolhido foi mal conduzido, e os efeitos junto aos investidores foram imediatos: valorização do dólar, queda nos preços de ativos brasileiros e aumento na percepção de risco fiscal no curto e médio prazos, algo que vinha se dissipando com a expectativa da obtenção de notas de ‘investment grade’ por casas respeitadas globalmente.
Ainda assim, os estrategistas do Planalto, especialmente os mais próximos ao presidente, insistem que o "recado necessário" foi dado aos estratos que formam a cidadela eleitoral de Lula, notadamente com o anúncio da aguardada isenção do Imposto de Renda para trabalhadores de baixa renda.
Além disso, os grãopetistas enxergam nas recentes movimentações econômicas e geopolíticas – como o crescimento acima das expectativas do PIB, a aguardada aprovação do acordo Mercosul-União Europeia e a ampliação das relações comerciais (e institucionais) com a China – sinais de que o "Brasil voltou", um mantra do terceiro mandato de Lula. Sem falar nos novos indicadores positivos de combate à pobreza, que respaldariam a ofensiva de Lula na direção do seu projeto apresentado na campanha –colocar “os pobres no orçamento e os riscos no imposto de renda”. Essa percepção fundamenta a controversa crença de que a política de ampliação dos gastos públicos será inevitavelmente assimilada pelos agentes financeiros, mesmo em meio às preocupações crescentes com a deterioração da trajetória da dívida pública.
Do outro lado da disputa, o mercado também procura extrair sinais positivos do embate. A volatilidade cambial e o aumento do risco fiscal, segundo os diagnósticos mais otimistas, podem ter moderado as intenções expansionistas do governo. Essa visão deposita esperanças na figura do ministro Fernando Haddad, cuja condução das políticas econômicas pode ganhar fôlego ao longo do próximo ano, pressionado pela dinâmica do mercado e pela necessidade de contenção de danos. Aplica-se a Haddad o benefício da dúvida no exato momento em que ele transita entre a austeridade nas contas e as pretensões eleitorais futuras.
De forma curiosa – e um tanto irônica –, o mercado celebra ainda a entrada do centrão nas discussões econômicas. Há quem veja nesse movimento um possível alinhamento, ainda que tímido, com princípios basilares da responsabilidade fiscal. A contradição, contudo, salta aos olhos: apostar no compromisso fiscal de parlamentares conhecidos por sua afinidade com o controle do Orçamento da União soa quase utópico. Para muitos, o centrão é, na realidade, o contrapeso que permitirá ao governo ajustar sua estratégia sem comprometer a governabilidade e as alianças políticas.
A realidade, entretanto, tende a ser implacável. As proclamadas "vitórias" de ambos os lados estão ancoradas em fundamentos porosos. O Planalto subestima a paciência do mercado em lidar com uma política fiscal expansionista em um ambiente de dívida crescente, enquanto o mercado ignora a complexidade das escolhas políticas que moldarão o próximo ciclo econômico. O cenário, que parecia delinear vencedores claros, revela-se como uma partida inconclusa, com riscos latentes para todos os envolvidos.
O horizonte político-eleitoral já começou a ser desenhado. A contaminação das expectativas de curto prazo pode antecipar os impactos sobre inflação, câmbio e endividamento, consolidando um ambiente econômico ainda mais desafiador. Para o governo, manter sua base social engajada enquanto equilibra as demandas políticas será uma tarefa hercúlea, levando-se em conta o apetite de Lula pela reeleição. Para o mercado, a expectativa de um controle mais rigoroso das contas públicas continuará a colidir com uma dinâmica política que privilegia a sobrevivência eleitoral em detrimento do rigor orçamentário.
Na política e na economia, a procrastinação do enfrentamento com a realidade é tentadora – e, muitas vezes, confortável. No entanto, o tempo não perdoa, e o calendário de 2026 já começou a impor seus contornos. No embate entre o PT e o mercado, a única certeza é que as contas, mais cedo ou mais tarde, precisarão ser acertadas. A questão que permanece é: quem estará preparado para pagá-las?