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Margem para governabilidade pauta debate sobre a meta fiscal

Lula começa a colher frutos de sua estratégia que visa atrair parlamentares eleitos com discurso mais alinhado à direita ao núcleo de poder em Brasília

Lula, em sessão no Congresso em janeiro: Núcleo político de Lula avalia que o embarque de partidos do centrão na base governista depende do alcance maior de gastos em 2024, ano de eleições municipais (Leopoldo Silva/Agência Senado)
Lula, em sessão no Congresso em janeiro: Núcleo político de Lula avalia que o embarque de partidos do centrão na base governista depende do alcance maior de gastos em 2024, ano de eleições municipais (Leopoldo Silva/Agência Senado)

*Núcleo político de Lula avalia que o embarque de partidos do centrão na base governista depende do alcance maior de gastos em 2024, ano de eleições municipais

*Rui Costa ganha pontos com o Congresso e atrai ministros do Nordeste; ao perseguir déficit zero, Haddad tenta blindar regras de ajuste das contas e driblar ala desenvolvimentista


Diante da necessidade de expandir sua base legislativa para tocar uma agenda mínima de governabilidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a colher frutos de sua estratégia que visa atrair parlamentares eleitos com discurso mais alinhado à direita ao núcleo de poder em Brasília.

Eleitos na esteira das benesses concedidas na reta final da gestão de Jair Bolsonaro e embalados pela retórica conservadora que seduziu metade dos brasileiros em 2022, deputados e senadores de partidos como PP, PL, Republicanos, além de segmentos relevantes do União Brasil e do MDB, embarcam no bloco governista, ainda com alguma timidez e desconforto, mas fortemente engajados na agenda de obras e investimentos robustos em programas sociais

É nesse contexto que se instala o debate para a revisão da meta de déficit zero nas contas públicas em 2024, hoje um instrumento que serviria como trava para gastos com expressivo impacto nos redutos eleitorais desse novo bloco de sustentação, pragmático e descolado da pauta ideológica do atual mandatário.

E é também atrelado à negociação da meta que está o avanço da chamada "ala política" do Planalto, comandada pelo braço desenvolvimentista do PT, que vinha sofrendo reveses em série para a equipe econômica.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, alvo de constantes questionamentos no Congresso Nacional, passou a ser cobiçado na agenda parlamentar por duas razões: a caneta "cheia" e o controle do PAC, cujos resultados já aparecem nas bases territoriais dos líderes do centrão, sobretudo na região Nordeste e nas áreas metropolitanas do Sul-Sudeste.

Até a relação de Costa com o expoente máximo do centrão, Arthur Lira, abalada pelas declarações desastradas do ex-governador da Bahia no início do ano, voltaram a um patamar de estabilidade, com viés de alta.

Lira foi um dos mais inflamados na resposta ao chefe da Casa Civil, que chegou a afirmar que a capital seria uma "ilha da fantasia" em alusão às pressões do Legislativo para influenciar na pauta do governo.

Agora, com seus aliados instalados em cargos do primeiro escalão federal, Lira comparece a eventos do PAC no seu estado e elogia Costa com alguma frequência. Recentemente, o presidente da Câmara renovou o compromisso de amplo apoio da Casa ao governo enaltecendo o papel do ministro e enfatizando o papel das obras públicas. “O PAC é uma política importantíssima do governo do presidente Lula que é posta em prática aqui na data de hoje pelo ministro Rui Costa e tem respaldo para isso. O ministro Rui trabalha 24 horas ao lado do presidente da República", afirmou Lira em Maceió no último dia 30, em incomum gesto de validação ao chefe da Casa Civil. 

Na mesma linha, ministros do Nordeste que representam os partidos do centrão têm alcançado protagonismo na Esplanada exatamente pela profusão de recursos em programas de extensão nacional e que têm efeito político notável nas suas cidadelas eleitorais.

Pastas com tímida exposição midiática, mas que detêm a força da assinatura de convênios e distribuem obras ao varejo da Câmara e do Senado passam a ser sedutoras para os dirigentes partidários, que fazem as contas para acomodação de emendas e entregas de obras que garantem exposição, acesso a montantes robustos e votos suficientes para aumentar a influência paroquial.

Entre elas estão os ministérios da Integração, Transportes, Cidades, Turismo, Esporte e Portos, todos entregues a políticos com trânsito na pauta legislativa.  

É a preparação do terreno para as eleições municipais de 2024, vistas pelos líderes das siglas centristas como uma prévia da formação do grid do novo Congresso que emergirá das urnas dois anos depois.

Onde pega

Se a bonança do fluxo de verbas para a ponta da linha da atividade política vem ajudando Lula a ter uma base para chamar de sua e diminuir os solavancos inclusive da agenda arrecadatória que será forçado a abraçar, qual é a melhor sinalização para os parlamentares que mandam na pauta legislativa? Como os técnicos da área econômica buscam perseguir as metas que fazem crível o novo marco fiscal, como os políticos reagiram ao comando de "apertar os cintos", pois o dinheiro acabou?

O presidente, ao abrir publicamente a discussão sobre o déficit zero, admitindo a sua inviabilidade, tomou a atitude que o centrão esperava. Convocou o Congresso a assumir maior ativismo na construção do Orçamento e virar "sócio" da solução para um entrave no fechamento de contas. Seja ela uma revisão agora, durante a tramitação da LDO, ou posterior, no debate da lei orçamentária, mediante acordo que preveja contingenciamentos distintos dos preconizados no arcabouço recém-aprovado.

Lula deflagrou, com suas declarações, uma corrida escancarada pela blindagem do quinhão de cada membro do centrão (seja ele parlamentar, ministro ou prefeito) no bolo orçamentário para fazer valer sua força eleitoral num ano em que as atenções estarão voltadas para as bases territoriais. 

Há opções na mesa de negociações do Congresso com o Planalto e uma delas remete ao rearranjo das emendas de bancada, uma versão repaginada das proibidas emendas de relator.

Caso prospere o entendimento, o ambiente político ficará melhor para postergar revisões do marco fiscal. Mas as tratativas são incipientes.

As negociações em torno da aprovação da reforma tributária no Senado já espelharam, em larga medida, a nova dinâmica da dança entre os poderes Executivo e Legislativo.

Senadores de oposição, incluindo estreitos aliados de Bolsonaro, se renderam à costura conduzida pelo relator Eduardo Braga, escolhido a dedo pelo núcleo palaciano. 

Parlamentares de partidos da órbita bolsonarista foram contemplados no texto com bondades para seus redutos e desistiram de criar obstáculos à votação, apesar dos apelos inflamados do ex-presidente contra a PEC.

Até o ex-chefe da Casa Civil bolsonarista Ciro Nogueira votou a favor, ajudando Lula a alcançar o placar mínimo para mudanças constitucionais.

Teste de resiliência

Trata-se de uma mobilização política extensa e de difícil contenção, que obriga o ministro Fernando Haddad a entrar em campo novamente e em condições mais adversas que as observadas no primeiro semestre –com a ala mais desenvolvimentista do Executivo ganhando pontos com o populismo de centro que impera no Parlamento. 

Resta saber se ele terá a destreza que vem demonstrando até agora nas articulações com os atores políticos que hoje são os pilares da governabilidade de Lula para preservar a confiança institucional no seu desenho de ajuste fiscal.