Análise: Reedição da 'Frente Ampla' tem efeito limitado para a governabilidade
O problema no cálculo feito pelo presidente é que esse modelo não pode ser reproduzido no Congresso Nacional
Publicado em 12 de janeiro de 2024 às, 11h28.
- Lula inicia o ano apostando na polarização e na articulação com o Judiciário;
- MP da reoneração, contudo, mostra que a expansão da base legislativa exige mais espaço para o centro no núcleo do Planalto
Lula iniciou o ano político apostando na polarização como instrumento de governabilidade, mirando o resgate do sentimento de "frente ampla" que norteou a estratégia eleitoral de 2022 e permite ao PT fazer concessões a históricos detratores em nome do combate ao bolsonarismo e suas ramificações.
O presidente decidiu se envolver diretamente na eleição para a Prefeitura de São Paulo e fechou acordos no Palácio do Planalto para instalar Marta Suplicy, há quase 10 anos militando nas trincheiras antipetistas, na chapa do seu candidato 'in pectore' Guilherme Boulos, do PSOL.
Segue, assim, o mesmo roteiro da disputa presidencial, quando se uniu ao ex-desafeto Geraldo Alckmin para enfrentar Jair Bolsonaro em nome do que chamava de "defesa da democracia".
Marta é uma antiga aliada que migrou para a oposição enormemente frustrada por ter sido preterida pelo lulismo para alçar voos políticos mais ambiciosos.
O pacto Boulos-Marta pode até ser bem-sucedido eleitoralmente, o que seria uma vitória retumbante e atribuída a Lula, mas não resolve o imbróglio da governabilidade, desafio que, em tese, seria prioritário para o Planalto para a segunda metade do mandato.
Providências tomadas por Lula nos últimos dias, na esteira das celebrações de defesa das instituições realizadas em 8 de janeiro, reforçam o entendimento que prevalece no núcleo-duro presidencial.
Para esse grupo, a pavimentação de um pacto velado de convivência com setores expressivos do STF e com o Ministério Público Federal, em sintonia com o braço jurídico da Esplanada dos Ministérios, tende a ser primordial na agenda do chefe do Executivo.
O plano "frenteamplista" em curso é certamente factível para recuperar nacos de poder no Sudeste e manter uma maioria apertadíssima de apoio no eleitorado, além de consolidar um estreito relacionamento com a cúpula do Judiciário.
Essa mesma convergência institucional serve ainda para sabotar o surgimento de líderes de centro que possam ameaçar sua reeleição ou mudar a correlação de forças políticas para 2026.
Mas o problema no cálculo feito pelo presidente é que esse modelo não pode ser reproduzido no Congresso Nacional, onde a base aliada mais leal ao Planalto ainda é minoritária.
A necessidade da expansão de alianças para além do bloco de partidos de esquerda e fragmentos fisiológicos do "centrão" se manifesta de forma veemente nas tratativas do Executivo com os parlamentares na agenda econômica.
Tudo o que o governo aprovou até agora na pauta advogada por Fernando Haddad dependeu da mão forte de Arthur Lira. A Medida Provisória da reoneração da folha de pagamento, tema do qual Lira manteve estratégica equidistância até agora, é emblemática.
Depois de colecionar sucessos em 2023, o Planalto resolveu contrariar uma decisão do Congresso, tomada sob forte pressão de setores graúdos do PIB nacional. Numa ofensiva deflagrada em pleno recesso de Natal, a equipe de Haddad capitaneou a tentativa de revisão da prorrogação dos subsídios que garantem emprego, renda e sustentabilidade de segmentos influentes do empresariado.
O que se viu em seguida foi o retrato da assimetria de forças políticas na capital federal quando o assunto é a agenda legislativa. Aliado do governo e ator de relevo nas negociações da pauta de Haddad, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, testou a temperatura dos líderes e concluiu que a MP não teria ambiente na Casa.
Em outras palavras, o governo produziu um fato político que o expôs ao risco de devolução integral da medida, algo que Brasília costuma interpretar como demonstração inequívoca de fragilidade do Executivo.
Mesmo que o impasse seja contornado na próxima semana com uma saída honrosa, a mensagem que chegou ao bloco que controla a maioria do Parlamento é de que a articulação política do governo está sujeita à intervenção direta de Lira e à permanente mediação de Pacheco e Davi Alcolumbre, expoentes do Senado.
E esse diagnóstico indica a premência de um reequilíbrio de configuração do governo, abrindo mais espaço para os representantes de partidos centristas. Não apenas em posições periféricas do poder, mas no QG do presidente. A reforma ministerial esperada para depois do Carnaval será fundamental nesse redesenho. O centrão quer acesso franqueado ao coração do governo e cobrará caro caso siga apenas nas extremidades.
A alternativa a esse modelo, para Lula, é dobrar a aposta na aliança com instâncias de poder que blindem o governo e assumir a perenidade da gangorra de resultados na relação com o Legislativo.