Análise: 'PT raiz' avança na disputa pela agenda positiva de Lula
Indústria, Petrobras e Vale: núcleo político do Planalto se mexe em busca de boas notícias na economia para a reta final do mandato
Publicado em 26 de janeiro de 2024 às, 11h25.
Última atualização em 26 de janeiro de 2024 às, 12h10.
O lançamento da nova política industrial de Lula deflagrou uma corrida interna no governo pelo controle da agenda positiva que poderá projetar o presidente à reeleição em 2026.
O evento que marcou o anúncio das medidas pró-indústria foi um marco na balança do poder do Planalto, conferindo protagonismo a atores do PT que fazem sombra a Fernando Haddad na condução da pauta econômica.
Os destaques na solenidade, capitaneada pelo ministro da área, Geraldo Alckmin, foram Aloizio Mercadante, que preside o BNDES, e Rui Costa, chefe da Casa Civil.
Mercadante, eterno contraponto a Haddad nas hostes petistas, fez o discurso mais inflamado em defesa dos R$ 300 bilhões que serão ofertados pelo banco estatal ao programa de estímulo à reindustrialização.
O economista, ex-ministro e ex-senador também foi o responsável pela redação do programa de governo de Lula em 2022, cujo texto consagrou expressões desenvolvimentistas que agora voltam ao centro da pauta.
Coube a ele uma fala de contraponto ao mercado financeiro e até a setores da imprensa que vêm questionando fortemente o viés de "capitalismo de estado" emergente na terceira gestão do presidente, evidenciado na festiva retomada das obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na semana anterior.
Citando a China como exemplo, Mercadante exaltou as iniciativas de apoio a setores estratégicos da indústria, sublinhando os desafios de financiamento da agenda da transição ecológica e da inovação e explorando a almejada liderança global do país no desenvolvimento sustentável.
Seguiram o presidente do BNDES na retórica as ministras Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), da cota do PCdoB no governo, e Esther Dweck (Gestão), da ala mais heterodoxa de economistas petistas, ligada ao ex-ministro e ex-secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Nelson Barbosa.
Já Rui Costa, elogiado por Lula pela capacidade de trabalho, chegou a criticar a lentidão das deliberações das agências reguladoras, citando a Anvisa, num aceno ao setor produtivo. Debaixo dele está a gestão do PAC, programa de obras e investimentos que promete ser a vitrine eleitoral do PT e siglas satélites para a disputa por mais prefeituras em outubro próximo.
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Embora se tratasse de uma solenidade pomposa e considerada politicamente central pelo governo, Haddad e Simone Tebet (Planejamento) não estavam à mesa.
As ausências dos guardiões do orçamento federal refletem as tensões no Executivo com o comando da narrativa positiva no entorno do presidente Lula na segunda metade do atual mandato.
Com o aperto fiscal e o espaço menor para gastos no Tesouro, cresce a movimentação política para estímulo às iniciativas chamadas de "parafiscais". Ou seja, aquelas que usam entidades controladas pelo governo, mas não constam da peça orçamentária central, e funcionam para impulsionar políticas públicas de forma célere e fora dos limites determinados no arcabouço fiscal.
Incluem-se nessa seara as empresas estatais, os bancos públicos e os fundos de pensão.
Além da Petrobras, estrela da agenda de Lula no início do ano, figuram na lista de protagonistas das realizações federais o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal –essa última entregue ao grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Com o discurso de Mercadante, o BNDES entrou na linha de frente da nova política industrial, aproximando Lula não só dos interesses dos segmentos mais influentes do PIB nacional como da extensa lista de reivindicações das centrais sindicais, seu berço na vida pública.
Nos dias seguintes à solenidade, diretores do banco e Alckmin vieram a público colocar panos quentes na controvérsia. Eles asseguram que não haverá aporte de mais recursos públicos na instituição e que o pacote de medidas não trará impacto fiscal.
Em paralelo às expectativas da classe política de que a Petrobras seja o principal ativo com liquidez para o governo nos próximos anos, mesmo com a retórica da transição energética, cresce a mobilização do Executivo para aumentar a influência na privatizada Vale, outra joia da coroa do mercado de commodities.
A lógica do Planalto
O raciocínio mais trivial para o presidente e seus auxiliares mais próximos é o de que as duas empresas estão na rota obrigatória de um possível “PIBão” na reta final do Lula 3, reeditando modelos bem-sucedidos no passado, a depender do apetite externo por petróleo e minérios.
Não por acaso, figuras proeminentes nos primeiros governos de Lula como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente petista José Genoino reaparecem gradativamente em público defendendo o amplamente conhecido receituário do partido para a recondução do presidente a um eventual quarto mandato.
Mais do que os efeitos de curto prazo, o que se desenha no início de 2024 é um flerte com práticas já adotadas em gestões petistas.
Nada de novo no ‘front’, exceto diante do novo cenário de protagonismo do Congresso Nacional na agenda econômica e a aguda necessidade de mais arrecadação para fechar as contas.
Nesse contexto, Haddad e seu time ficam ainda mais dependentes da aliança com o centrão de Arthur Lira para viabilizar o cumprimento de metas orçamentárias, o que exigirá novas fontes de receita e iniciativas chamadas internamente no governo de “compliance”, como as reonerações de segmentos graúdos do PIB e cortes substantivos de subsídios.
Dentro do PT, o ministro da Fazenda continuará sendo tratado com desconfiança por rezar a cartilha do sistema financeiro, mas tende a contar com um colchão de suporte enquanto for o baluarte da agenda de taxação dos mais ricos em favor da inclusão dos mais pobres no Orçamento –mantra do presidente e seu núcleo-duro.
Tudo isso, é claro, se conseguir projetar expectativas de crescimento mais robusto nos próximos anos. Os vestígios de “PIBão”, por ora, estão do lado da ala mais à esquerda do partido.
*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.