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Análise: ‘Operação-padrão’ do Congresso visa ampliar poder de Lira no Orçamento

Com a pauta econômica congelada desde o fim do recesso, presidente da Câmara aumenta mobilização por mais emendas e nova rodada de cargos

 (Saulo Cruz/Agência Câmara)
(Saulo Cruz/Agência Câmara)
  • Com a pauta econômica congelada desde o fim do recesso, presidente da Câmara aumenta mobilização por mais emendas e nova rodada de cargos
  • Haddad muda tom sobre desempenho da economia em meio ao mais duro teste de credibilidade de sua gestão na Fazenda

Passados dois meses do fim do recesso parlamentar, o Congresso Nacional só deve sair da paralisia na reta final do semestre com a mão forte de Arthur Lira, que retorna à ativa na próxima semana depois de uma pausa estratégica, que coincidiu com o retiro de Lula após cirurgia ortopédica.

O presidente da Câmara promete liderar um mutirão até o final do ano com o objetivo de destravar a pauta econômica, mas usará esse "esforço de cooperação" para concentrar ainda mais poderes na correlação de forças com o Planalto.

Lira tem demonstrado até aqui rara habilidade para conciliar seus interesses imediatos e de longo prazo com a agenda do governo, sempre recorrendo ao controle quase absoluto dos votos em plenário para ditar o ritmo do engajamento dos parlamentares às causas da gestão de Lula. O que se sucedeu na Casa comandada por ele desde o mês de agosto é o retrato do modus operandi do expoente máximo do centrão.

Depois de alimentar a expectativa de que as mudanças pontuais no primeiro escalão apressariam o embarque dos partidos alinhados a Lira na base governista, o Planalto e a equipe econômica convivem desde então com uma série de pequenas derrotas no Legislativo.

Ainda que não exista sinalização concreta de que os reveses se multipliquem, agosto e setembro foram dois meses consumidos por boicote ideológico interno, por meio das CPIs, e confronto externo, sobretudo na queda-de-braço com o Supremo Tribunal Federal. Tal ambiente deixou praticamente engavetadas as matérias que são vitais para a saúde das contas públicas.

Em suma, o governo perdeu um bimestre no já apertado calendário de votações para fazer valer o esforço de arrecadação que pode diminuir o rombo no orçamento para 2024, já que o déficit zero, prometido pelo ministro da Fazenda, é hoje uma abstração.

As duas tentativas malsucedidas de votar na Câmara uma medida pontual, que ajuda no caixa da União, como a taxação de fundos exclusivos, mostraram aos interlocutores do Executivo que as bancadas recém-contempladas com mais espaço na Esplanada, como União Brasil, Progressistas e Republicanos, não apenas estão longe de entregar o apoio planejado para ampliar o placar pró-governo como vão subir a fatura na medida em que as premências do Planalto se avolumam.

O caminho das pedras

Em paralelo, o grupo de Lira acredita que o momento político e a importância do centrão para a governabilidade criam condições para a retomada do controle de um naco maior do orçamento, com vistas à sucessão na Mesa Diretora, em 2025.
Desde que entraram em vigor as mudanças de repasse nas emendas de relator, que somavam R$ 20 bilhões e eram discricionárias para seus aliados, o presidente da Câmara se movimenta nos bastidores para ampliar a quantidade de aditivos de execução obrigatória, esvaziando ainda mais a caneta dos ministros. Uma das teses advogadas pelo entorno de Lira é a de tornar compulsórias as emendas de comissão já para o ano que vem, o que demandaria aprovação até dezembro.

O descontentamento do centrão também envolve a liberação de recursos avalizados pelos auxiliares de primeiro escalão de Lula, que estariam privilegiando seus redutos eleitorais, sem a participação de parlamentares. Diante das adversidades, Lula precisará antecipar medidas que só pretendia tomar na virada do ano. Uma delas deve ser a acomodação de mais nomes indicados do centrão para postos de relevo no governo. A sucessão de Maria Rita Serrano na Caixa Econômica Federal, por exemplo, está no radar de Lira. Se o preferido do deputado, Carlos Antônio Vieira Fernandes, servidor de carreira do banco, for instalado na presidência, o humor dos parlamentares liristas melhorará.

Onde mora o perigo

Mesmo com uma nova rodada de trocas no primeiro escalão no horizonte, o cenário de votações em ritmo acelerado e sem debate técnico preliminar, evidenciado na assoberbada discussão da reforma tributária, tende a ser dominante até o Natal.
Com isso, aumenta exponencialmente o risco de aprovação de textos redigidos e relatados de forma expressa, diretamente no plenário e sob as orientações de Lira aos líderes de seu bloco, hoje com quase 350 votos.

A simultânea tramitação da reforma tributária no Senado cria ainda mais embaraços para o governo no avanço de sua pauta arrecadatória. Isso porque o texto da PEC 45, sob o escrutínio de senadores que estão fortemente impactados pelos lobbies corporativos e pela ostensiva movimentação de governadores e prefeitos, tornou-se um obstáculo para a convergência das duas Casas.

Mudança de tom

A instabilidade persistente nas relações com o Legislativo é um dos fatores que levaram Haddad a um recuo na narrativa de boas notícias para a economia.
O ministro tem se ocupado de reuniões e entrevistas nas quais fala com mais moderação sobre as expectativas e dá sinais (ainda tímidos) de que uma revisão da meta de déficit zero pode entrar na mesa de negociações para aliviar a tensão política e viabilizar um texto orçamentário mais factível para o ano que vem.
Com a crescente percepção de que a execução do arcabouço fiscal será tarefa complexa diante do estresse nas relações com o Legislativo e a demanda por gastos do núcleo político do Planalto, Haddad passará por seu teste mais difícil até agora desde que assumiu o cargo. A credibilidade do ministro da Fazenda depende da sua capacidade de administrar pressões do mercado financeiro e do QG político lulista e modular o risco fiscal com o apetite por crescimento da ala desenvolvimentista do governo.