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Análise: Mudanças em estudo no Planalto antecipam ajuste de rota de Lula visando 2026

Queda na popularidade precipita reorganização política do governo e amplifica diferenças entre alas internas, aumentando desafio para Haddad

 (Valter Campanato/Agência Brasil/Agência Brasil)
(Valter Campanato/Agência Brasil/Agência Brasil)

Diante da iminência de Lula em promover uma reforma ministerial, as mudanças já em gestação no Palácio do Planalto evidenciam o avanço do núcleo político do governo sobre setores entregues a quadros mais independentes e pouco obedientes às orientações que partem do QG presidencial.

Os embates travados publicamente pelo comando da Petrobras e do Ministério da Saúde, duas posições essenciais no xadrez da governabilidade, demonstram que as sucessivas quedas nos índices de aprovação da administração lulista amplificaram as diferenças internas no Executivo em vez de unir forças na resposta à crise de confiança.

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Trata-se de um quadro reversível em razão da performance relativamente positiva da economia brasileira, mas que acende um sinal de alerta inclusive para os planos do PT para 2026.

O avanço dos quadros mais ideológicos petistas sobre funções-chave como a principal estatal do país e a pasta com maior dotação orçamentária da Esplanada coloca uma interrogação sobre o rumo do governo para a segunda metade do terceiro mandato de Lula.

O incômodo de Lula com a gestão do aliado Jean Paul Prates na Petrobras pode abrir as portas da empresa para o atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e, de quebra, promover Nelson Barbosa à cadeira mais poderosa do banco de fomento.

Jean Paul Prates

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras: fritura de sua permanência no cargo aumentaram nos últimos dias (Maria Magdalena Arrellaga/Getty Images)

São dois nomes observados com cautela pelo mercado financeiro por representarem uma corrente econômica mais heterodoxa e direcionada ao incremento do gasto público em detrimento do ajuste fiscal. Ambos ficariam com acesso privilegiado às políticas parafiscais expansionistas, temidas pelos agentes financeiros.

Além disso, os ajustes no segundo escalão da Saúde, validados pela ministra Nísia Trindade com o Planalto, fortalecem o PT na articulação com o Congresso e entes federados, pondo em xeque o caráter eminentemente técnico da cúpula do ministério.

Lógica similar é aplicada ao caso da tentativa de interferência de Lula no processo sucessório da privatizada Vale. O presidente atuou para instalar o ex-ministro Guido Mantega à frente da companhia, sem sucesso até agora. O recado, contudo, foi dado.

Não bastasse, o radar dos tomadores de decisão na economia está direcionado para outra transição ruidosa, a da chefia da política monetária, que deverá ser materializada até o final do ano.

A substituição de Roberto Campos Neto no Banco Central entra no rol de medidas de alto impacto sobre o risco-país. A depender da escolha do presidente, pode atenuar o indicador ou potencializá-lo.

Criptonita

O personagem mais afetado, de imediato, com as modificações arquitetadas pelo núcleo lulista é o superministro Fernando Haddad, que terminou o primeiro ano da atual administração em curva ascendente de poder.

Isso porque, sem formar uma base sólida e lidando com uma maioria de centro-direita, o chefe da equipe econômica tenta agora dividir com os parlamentares o ônus do aperto fiscal.

Diante de uma reação negativa, Haddad e seu time sinalizam que devem pedir socorro ao STF para a tomada de decisões com potencial de estimular o já inflamado embate entre os poderes.

Como a agenda do Executivo está relativamente esvaziada na pauta legislativa, em especial por causa das eleições municipais, os efeitos políticos devem ser diluídos em curto prazo. Mesmo que Lula comece a duvidar da habilidade de Haddad para lidar com os congressistas, o termômetro definitivo ficará para o período pós-eleitoral com a troca de guarda no BC.

 O ministro da Casa Civil, Rui Costa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante reunião ministerial, no Palácio do Planalto, em 2023 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O clima de desconfiança geral, acalentado por palacianos formadores de opinião do presidente, tende a vitaminar o grupo do chefe da Casa Civil, Rui Costa, chamado por Lula nesta quinta-feira, de "primeiro-ministro".

Costa é um antagonista clássico de Haddad no primeiro escalão e tem progredido no conceito do chefe na esteira do sucesso do PAC entre a classe política, sobretudo no dito “baixo clero” e nos redutos da esquerda no Nordeste.

Janela

Soma-se a esse quadro desafiador para o governo o resultado pouco alvissareiro da janela de transferências partidárias, que expira neste sábado, 6. O saldo indica adensamento das siglas de centro e de direita, o que certamente funciona como preditor de desempenho no pleito de outubro.

O placar da eleição municipal não deve alterar a relação de forças imediatamente em Brasília, mas trará pistas sobre a configuração do Congresso a partir da próxima legislatura.

As apostas, nos bastidores da capital, são de que as legendas do centrão serão as mais vitoriosas nas urnas no Brasil profundo dada a farta distribuição de recursos em redutos territoriais de parlamentares.

Veja bem...

A exigência de alinhamento de discurso e ações de toda estrutura governamental com o Planalto, bem como a prevalência da heterodoxia no receituário econômico, não são ainda um atestado inconteste de que Lula vá promover uma guinada em sua agenda visando novo mandato.

Tampouco representam uma reedição do modelo que embalou a difícil reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

O presidente, à diferença de sua sucessora e afilhada, tem aguçado senso de sobrevivência política e conhece profundamente os instrumentos que dispõe para blindar sua popularidade. A princípio, pode-se concluir que ele busca um repertório mais amplo para agir em caso de estagnação econômica, dependendo menos dos parâmetros caros ao mercado financeiro. Em suma: é mais povo e menos Faria Lima na Esplanada.