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Análise: Comunicação do ajuste e as urgências políticas de Lula testam Haddad

Com agenda fiscal à prova e resistências internas, ministro busca equilibrar discurso de austeridade sem esvaziar investimentos demandados pelo Planalto

 (Diogo Zacarias/MF/Divulgação)
(Diogo Zacarias/MF/Divulgação)

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, enfrenta obstáculos cada vez mais intrincados para restabelecer a confiança do mercado e demonstrar que o governo é capaz de seguir uma trajetória fiscal sustentável.

A crítica predominante é que a agenda fiscal se apoia, sobretudo, no aumento da arrecadação, enquanto as contenções de despesas seguem vagamente delineadas, sem clareza operacional. A ambiguidade na comunicação tem alimentado receios sobre a capacidade do governo de manter o equilíbrio fiscal sem comprometer articulações políticas fundamentais.

Os sinais emitidos por Haddad, embora tentem transmitir responsabilidade, ainda esbarram na resistência dos agentes financeiros. A indefinição quanto aos cortes específicos e a necessidade de alinhamento interno acentuam a percepção de que a política econômica enfrenta impasses.

O cenário de volatilidade cambial e incerteza sobre ativos reflete a dificuldade do governo em persuadir o empresariado de que há coordenação firme e coerente na implementação das medidas anunciadas.

Um novo fator de desgaste surgiu nos últimos dias com a proposta de lei que visa aumentar a autonomia das estatais em relação ao arcabouço fiscal.

A iniciativa foi recebida por parte dos agentes econômicos como uma manobra para flexibilizar as regras e criar mais espaço no orçamento, reforçando temores sobre uma erosão do compromisso com a disciplina nas contas públicas.

Mesmo com Haddad negando veementemente essa interpretação, a desconfiança persiste, intensificando a percepção de fragilidade do ajuste prometido pela equipe do ministro.

Em paralelo ao esforço de comunicação do pacote de medidas de contenção de despesas, a mudança iminente nas lideranças do Congresso, o governo busca facilitar a aprovação de pautas voltadas ao aumento de receita, como a reformulação do Imposto de Renda para faixas mais altas de renda, prevista para 2025.

A transição de lideranças é vista como uma oportunidade de aliviar as dificuldades enfrentadas na gestão de Arthur Lira. A antecipação de uma minirreforma ministerial, prevista para o Carnaval, também reflete a necessidade de acomodar interesses partidários e estabilizar alianças essenciais para sustentar a pauta econômica no próximo ciclo legislativo.

A mais recente rodada de pesquisas, que indicam aumento discreto na desaprovação do governo, agrava o quadro de turbulências no ambiente palaciano em Brasília.

O desgaste afeta estratos fundamentais da base social de Lula, aumentando a pressão por ajustes na agenda econômica para evitar cortes que possam aprofundar o desconforto popular. Manter intacta a imagem do presidente como garantidor do bem-estar social é crucial para assegurar coesão política e pavimentar a segunda metade do mandato.

Não bastasse o desafiador cenário legislativo, setores estratégicos do PT defendem que o governo deve flexibilizar a execução do arcabouço fiscal para liberar recursos voltados à infraestrutura e programas sociais, fundamentais para alavancar o crescimento econômico e consolidar a base eleitoral com vistas à reeleição de 2026.

Nesse contexto, a conquista de melhores classificações de risco surge como um ativo relevante para ampliar a confiança externa e atrair investimentos, mas enfrenta resistência interna.

Convencer Lula de que a credibilidade fiscal é mais estratégica do que ampliar os gastos sociais imediatos é um desafio latente. A disputa envolve escolhas delicadas entre construir uma narrativa de disciplina econômica ou apostar em investimentos que tragam retorno político mais tangível.

A posição de Haddad na condução da política econômica se vê gradualmente pressionada pela ascensão de figuras como Gleisi Hoffmann, presidente do PT, cotada para assumir função estratégica no Palácio do Planalto a partir de 2025.

A crescente influência do núcleo político, incluindo-se aí a Casa Civil, chefiada por Rui Costa, torna o equilíbrio entre as demandas de mercado e as expectativas partidárias ainda mais complexo, exigindo uma negociação constante para preservar a governabilidade.

O ministro da Fazenda segue empenhado em manter canais de interlocução com o setor privado, mas a resistência dos investidores ilustra que a narrativa fiscal não tem se traduzido em aval efetivo. O isolamento político de Haddad, em meio a divergências internas, adiciona complexidade à condução do ajuste.

Entre a cruz e a espada

O percurso trilhado pelo governo Lula rumo a 2026 começa numa encruzilhada entre manter alianças e atender demandas sociais ou se equilibrar na agenda com vistas à necessidade de adoção de algum comedimento na esfera fiscal.

O Planalto precisará demonstrar destreza incomum para adaptar sua estratégia sem desestabilizar a confiança do mercado e, simultaneamente, garantir uma narrativa que sustente o crescimento e a coalizão governista.

Os próximos meses serão decisivos para Haddad, que terá de persuadir não apenas investidores, mas também o próprio presidente, de que o rigor nos gastos é uma escolha estratégica, capaz de assegurar uma travessia mais segura rumo à reeleição.

A tarefa é ainda mais árdua porque o mesmo Lula acaba de exibir a banqueiros como troféu uma lista de países que têm relação dívida pública/PIB bem pior que a brasileira.