Uma queda pós-pós-moderna
Epidemiologistas dizem que não estamos nem perto de uma contenção suficiente do vírus para pensar em reabrir a economia
Publicado em 19 de maio de 2020 às, 14h55.
O último relatório sobre a situação dos empregos nos EUA foi horrendo, e, como eu apontei na época, a realidade quase certamente é um pouco pior: O Departamento de Estatísticas do Trabalho nota que as dificuldades para classificar os trabalhadores interrompidos pelo coronavírus provavelmente significa que o índice de desemprego verdadeiro está mais próximo dos 20% do que dos 15%. Isso é pior do que o que se registrou na Grande Depressão.
A boa notícia, do jeito que as coisas andam, é que provavelmente nós já passamos pela pior parte do baque econômico da covid-19. O lockdown de atividades virais de alto risco tem sido bastante abrangente, e uma série de indicadores sugerem que a economia americana mais ou menos se estabilizou por volta do meio do mês passado.
Ou seja, a pergunta agora é: Que velocidade de recuperação nós podemos esperar?
Os economistas – de modo muito semelhante aos epidemiologistas, aliás – dependem muito da História para responder questões assim. O problema agora é que a História nos dá uma resposta ambígua. Não quer dizer que toda recuperação econômica seja diferente; de fato, existem padrões claros. Mas parece que houve dois tipos de retomada, e não está imediatamente claro qual dos padrões deve vigorar desta vez – se é que vai ser algum deles.
Segundo os dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho, antes de 1990 a tendência era que nós víssemos recuperações “Dia novo na América”, com os trabalhos voltando com força. De lá para cá, porém, nós tivemos “recuperações sem emprego” prolongadas, nas quais o produto interno bruto vem crescendo, mas que levam muito tempo para os empregos voltarem.
Por que a história da retomada econômica mudou? Logo no início da Grande Recessão, eu argumentei em um post no meu blog, com o título de “Recessões pós-modernas”, que recuperações econômicas acompanharam aquelas recessões causadas por taxas de juros maiores, impostas pelo Federal Reserve para conter a inflação; assim que o Fed cedeu, a economia não teve dificuldades para voltar ao que era. As últimas recessões foram causadas, em vez disso, por um excesso de expansão do setor privado: a bolha imobiliária comercial da década de 80, a bolha de tech dos anos 90. Estas foram crises muito mais difíceis de sanar.
E eu previ, corretamente, que a Grande Recessão, causada pelo colapso de uma imensa bolha imobiliária nos EUA, seria acompanhada por outra retomada sem empregos.
Ou seja, onde situar a atual queda? Minha conclusão relutante é que ela é mais parecida com as quedas pré-1990 do que com os episódios mais recentes.
Por que relutante? Bem, eu estava certo sobre a bolha imobiliária, a Grande Recessão e várias outras coisas daquela vez, e é sempre tentador revisitar os hits do passado. E vamos ser francos: Quando se leva em conta minhas posições políticas, eu não gosto da ideia do presidente Trump surfando a eleição de novembro em cima de uma onda de economia se recuperando depressa, e gostaria de acreditar que não é possível que isso aconteça.
Mas a covid-19 é, em certos sentidos, como a alta nas taxas de juros que gerou a recessão de 1981-82. É algo imposto à economia que vem de fora, por assim dizer, em vez de ser o resultado de um excesso do setor privado, de modo que é de se esperar uma recuperação rápida tão logo o choque passe.
Uma recuperação rápida, contudo, depende de permitir que a pandemia recue. E é por isso que a pressão do governo Trump e aliados por uma reabertura rápida da economia provavelmente é algo autodestrutivo. Epidemiologistas, que têm muito mais chances de acertar isso do que o resto de nós, dizem que não estamos nem perto de uma contenção suficiente do vírus para pensar em reabrir; eles estão extremamente preocupados com a possibilidade de passarmos por uma segunda onda.
Portanto, se nós fôssemos pacientes e disciplinados, provavelmente poderíamos ver uma retomada rápida em algum momento. Só que “disciplinado” não é um termo que muitas pessoas aplicariam a Trump.