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Uma guerra comercial admiravelmente estúpida

Trump imagina que importando mais de outros países do que eles vendem, teremos pouco a perder. Mas ele está errado

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Paul Krugman

Publicado em 13 de junho de 2018 às, 12h08.

Então, a guerra comercial está em andamento. E como é estúpida essa guerra comercial.

A justificativa oficial – e legal – para as tarifas sobre aço e alumínio é “segurança nacional”. Esta é uma lógica obviamente fraudulenta, uma vez que as maiores vítimas diretas são nossos aliados democráticos. Porém, o presidente Trump e companhia presumivelmente não ligam de contar mentiras quando se trata de política econômica, já que isso é o que eles fazem com praticamente tudo. Eles considerariam que isso faz parte do jogo se a política trouxesse os ganhos em empregos que o Sr. Trump poderia alardear.

Vai trazer?

Eis o momento em que ser um economista de carteirinha me arranja um pouco de problemas. A resposta apropriada sobre os efeitos na criação (ou destruição) de empregos de uma política comercial – qualquer política comercial, não importa quão bem ou mal concebida – é basicamente zero.

Por quê? O Federal Reserve está atualmente em um rumo de aumentar gradualmente a taxa de juros, porque ele acredita que nós estejamos mais ou menos com pleno emprego. Ainda que as tarifas fossem expansionistas, isso só faria o Fed aumentar os juros mais depressa, o que, por sua vez, esvaziaria os empregos em outras indústrias: a construção seria afetada pelas taxas de juros elevados, o dólar ficaria mais forte, tornando a manufatura americana menos competitiva, e por aí vai. Ou seja, todo meu treinamento profissional me diz para dispensar a questão dos empregos como sendo equivocada.

Contudo, creio que este é um caso em que a macroeconomia, ainda que eu considere ela correta, entra no caminho de uma discussão útil. Nós queremos de fato saber se a guerra comercial de Trump vai ser diretamente expansionista ou contracionista – isto é, se ela somaria ou tiraria empregos mantendo a política monetária constante, ainda que nós saibamos que a política monetária não será constante.

E a resposta, quase com certeza, é que esta guerra comercial vai ser na verdade uma assassina, e não criadora de empregos, por dois motivos.

Primeiro, o Sr. Trump está impondo tarifas sobre bens intermediários – bens que são usados como insumos na produção de outras coisas, algumas das quais têm de competir em mercados globais. De modo mais óbvio, carros e outros bens manufaturados duráveis vão ficar mais caros de se produzir, o que significa que nós vamos vender menos deles. Além disso, qualquer ganho em empregos que haja no setor de metais primários vai ser compensado pela perda de empregos nas indústrias derivadas.

Segundo, outros países vão retaliar contra as exportações dos EUA, o que custará empregos em tudo, das motos às salsichas. De algumas maneiras esta situação me recorda das tarifas sobre o aço do presidente George W. Bush, que foram parcialmente motivadas por arrogância.

O governo Bush pensava na América como a superpotência inatacável do mundo, o que nós éramos em termos militares. Mas as autoridades fracassaram em reconhecer que nós não éramos de modo algum igualmente dominantes na economia e no comércio, e tínhamos muito a perder com um conflito comercial. Eles aprenderam depressa com uma União Europeia irritada e recuaram.

No caso do Sr. Trump, creio que seja um tipo diferente de ilusão: ele imagina que, como nós temos déficits comerciais, importando mais de outros países do que eles vendem para nós, nós temos pouco a perder, e o resto do mundo logo se submeterá à vontade dele. Mas ele está errado, por pelo menos quatro razões.

Primeira, ainda que nós exportemos mais do que importamos, nós ainda exportamos bastante: retaliações comerciais olho-por-olho vão prejudicar vários trabalhadores americanos (em especial fazendeiros), muitos dos quais votaram no Sr. Trump e agora se pegarão sentindo-se traídos.

Segundo, o comércio moderno é complicado – não são simplesmente países vendendo produtos finais uns aos outros, é uma questão de cadeias de valor complicadas, que a guerra comercial de Trump vai atrapalhar. Isso produzirá um bocado de perdedores americanos, mesmo que eles não estejam empregados diretamente na produção de bens exportados.

Terceiro, se a coisa piorar ainda mais, uma guerra comercial vai aumentar os preços ao consumidor. Em um período em que o Sr. Trump está desesperadamente tentando convencer famílias comuns de que elas ganharam alguma coisa com o corte de impostos dele, não precisaria de muita coisa para jogar na lama quaisquer pequenos ganhos que elas tenham obtido.

Finalmente, e eu acho que isso é realmente importante, nós estamos lidando com países de verdade aqui, essencialmente democracias. Países de verdade têm políticas de verdade. Eles têm orgulho. E os eleitores deles de verdade, de verdade, não gostam do Sr. Trump. Isso quer dizer que, ainda que os líderes deles possam querer fazer concessões, os eleitores deles provavelmente não vão permiti-las.

Pegue o exemplo do Canadá, um vizinho pequeno e de modos moderados que poderia ser gravemente afetado por uma guerra comercial com seu vizinho gigante. Você poderia imaginar que isso tornaria os canadenses muito mais facilmente intimidados que a UE, que é tanto uma superpotência econômica quanto nós. Entretanto, mesmo que o governo Trudeau estivesse disposto a ceder (até agora, autoridades do alto escalão como Chrystia Freeland parecem mais irritadas do que eu já ouvi antes), ele enfrentaria uma retaliação enorme dos eleitores canadenses por qualquer coisa que se assemelhasse a uma rendição ao valentão malvado da casa ao lado.

Ou seja, este é um conflito econômico admiravelmente estúpido para se entrar. E não é provável que a situação nesta guerra comercial se desenrole a favor do Sr. Trump.