Um presidente petulante pode fazer um tremendo estrago
Depois da vitória eleitoral surpresa de Donald Trump, muitas pessoas de direita e até mesmo de centro tentaram argumentar que ele não seria de fato tão ruim. Cada vez que ele demonstrava um indício de comedimento – mesmo que isso equivalesse a nada mais que ler suas falas sem improviso e ficar longe do Twitter […]
Publicado em 5 de julho de 2017 às, 12h46.
Depois da vitória eleitoral surpresa de Donald Trump, muitas pessoas de direita e até mesmo de centro tentaram argumentar que ele não seria de fato tão ruim. Cada vez que ele demonstrava um indício de comedimento – mesmo que isso equivalesse a nada mais que ler suas falas sem improviso e ficar longe do Twitter por um dia ou dois -, especialistas se apressavam em dizer que ele acabava de “se tornar presidente”.
Mas será que agora nós podemos admitir que ele realmente é tão ruim quanto – ou pior do que – seus críticos mais severos previram que ele seria? E não é só o desprezo dele pelo estado de direito, que apareceu com tanta clareza no depoimento de James Comey, o ex-diretor do FBI: como o acadêmico da área jurídica Jeffey Toobin diz, se isso não for obstrução da justiça, o que é? Também há a forma como o caráter do Sr. Trump, a combinação dele de revanchismo mesquinho com preguiça pura, fazem dele claramente alguém longe de estar à altura do trabalho.
E isso é um grande problema. Pense, por um minuto, em quanto estrago este homem tem causado em várias frentes em apenas cinco meses.
Considere a cobertura de saúde pública. Ainda não está claro se os republicanos sequer vão conseguir aprovar um substituto para o Obamacare (embora esteja claro que, se eles o fizerem, ele irá tirar a cobertura de dezenas de milhões). Mas o que quer que aconteça no campo legislativo, há grandes problemas em andamento nos mercados de seguros enquanto conversamos: empresas caindo fora, deixando algumas partes do país descobertas, ou pedindo grandes incrementos nos prêmios.
Por quê? Não é, independentemente do que possam dizer os republicanos, porque o Obamacare é um sistema impraticável; mercados de seguros estavam claramente se estabilizando no último outono. Em vez disso, como as próprias seguradoras têm explicado, o problema é a incerteza criada pelo Sr. Trump e companhia, em particular o fracasso em deixar claro se os subsídios cruciais serão mantidos. Na Carolina do Norte, por exemplo, a Blue Cross Blue Shield entrou com um pedido para um aumento de 23% nos prêmios, mas declarou que teria pedido apenas 9% se tivesse certeza de que os subsídios de divisão de custos continuariam.
Se é assim, por que ela não recebeu essa garantia? Será porque o Sr. Trump acredita nas próprias declarações de que ele pode fazer o Obamacare desmoronar, e depois conseguir que os eleitores culpem os democratas? Ou será porque ele está muito ocupado tuitando xingamentos e jogando golfe para lidar com o problema? É difícil dizer, mas, de qualquer maneira, isso não é jeito de fazer política.
Ou então, considere a decisão notável de ficar do lado da Arábia Saudita na disputa dela com o Qatar, um país pequeno que sedia uma imensa base militar americana. Não há mocinhos nessa briga, mas existem todas as razões para os Estados Unidos ficarem fora dela.
Então, o que Sr. Trump estava fazendo? Não existe um traço de visão estratégica; algumas fontes sugerem que talvez ele sequer soubesse sobre a enorme base americana no Qatar e o papel fundamental dela.
A explicação mais provável para as ações dele, que teriam causado uma crise na região (e empurrado o Qatar para os braços do Irã) é que os sauditas o bajularam – o Ritz-Carlton projetou uma imagem de cinco andares do rosto dele na lateral de seu prédio em Riade – e os lobistas deles gastaram grandes quantias no hotel Trump de Washington.
Normalmente, nós consideraríamos ridículo sugerir que um presidente americano pudesse ser tão ignorante a respeito de temas cruciais, e fosse levado a tomar decisões perigosas à política externa com base em incentivos tão rudimentares. Mas será que nós podemos pensar assim sobre um homem que não consegue encarar a verdade quanto ao tamanho do público de sua inauguração, que se orgulha de sua vitória eleitoral nas circunstâncias mais impróprias? Sim.
Além disso, considere a recusa dele em concordar com o princípio central da Otan, a obrigação de sair em defesa dos nossos aliados – uma recusa que foi como um choque e surpreendeu até mesmo sua própria equipe de política externa. O que foi aquilo? Ninguém sabe, mas vale lembrar que o Sr. Trump aparentemente reclamou com os líderes da União Europeia sobre a dificuldade de estabelecer campos de golfe nos países deles. Ou seja, talvez tenha sido pura petulância.
O ponto, de novo, é que tudo indica que o Sr. Trump não está à altura do trabalho de ser presidente e muito menos disposto a se afastar e deixar outros fazerem o serviço direito. E isso está começando a ter consequências reais, de cobertura de saúde prejudicada a alianças arruinadas a credibilidade perdida no cenário mundial.
Mas, você dirá, as ações estão em alta, então, quão ruim isso pode ser? E também é verdade que, ainda que Wall Street tenha perdido um pouco de seu entusiasmo inicial com a Trumpnomics – o dólar está de volta novamente aos níveis pré-eleição -, os investidores e empresas não parecem estar ajustando seus preços com base nos riscos de uma política realmente desastrosa.
Esse risco, contudo, é real até demais – e alguém desconfiaria de que o dinheiro grande, que tende a igualar fortuna a virtude, será o último a perceber quão grande esse risco é de verdade. A presidência americana é, de muitas maneiras, uma espécie de monarquia eleita, em que um líder temperamentalmente e intelectualmente desqualificado pode causar um estrago imenso.
É isso o que está acontecendo agora. E nós não estamos sequer a um décimo do caminho do primeiro mandato do Sr. Trump. O pior, quase com certeza, ainda está por vir.