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Um partido desesperadamente corrupto

A essa altura, Trump está cercado por puxa-sacos e o partido Republicano, que domina o Congresso, não está disposto a desempenhar suas responsabilidades constitucionais

DONALD TRUMP:  há muitas maneiras pelas quais os integrantes do Congresso poderiam atuar para impedir Trump e limitar o estrago que ele está fazendo, diz Krugman / REUTERS/Leah Millis
DONALD TRUMP: há muitas maneiras pelas quais os integrantes do Congresso poderiam atuar para impedir Trump e limitar o estrago que ele está fazendo, diz Krugman / REUTERS/Leah Millis
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Paul Krugman

Publicado em 22 de junho de 2018 às, 12h47.

Este não é um artigo que se pergunta se Donald Trump é um duas-caras – um político que serve aos interesses de senhores no exterior às custas dos de seu próprio país. Quaisquer dúvidas razoáveis sobre essa realidade foram comprovadas pelos eventos dos últimos dias, quando ele defendeu a Rússia ao mesmo tempo em que atacou nossos aliados mais próximos.

Nós não sabemos a motivação do Sr. Trump. Será chantagem? Suborno? Ou simplesmente uma simpatia genérica por ditadores, além de um ódio pela democracia? E talvez nós nunca saibamos: se ele acabar com a investigação de Mueller e os republicanos mantiverem o controle do Congresso, o encobrimento pode continuar indefinidamente. Mas as ações dele já dizem tudo.

Como eu disse, porém, este não é um artigo sobre o Sr. Trump. É, em vez disso, sobre as pessoas que estão facilitando a traição dele dos Estados Unidos: o círculo interior de autoridades e personalidades da mídia que estão dispostos a apoiá-lo não importa o que ele diga ou faça, além do grupo mais amplo de políticos – basicamente toda a bancada republicana no Congresso – que tem o poder e a obrigação constitucional de parar o que ele está fazendo, mas que não vai levantar um dedo em defesa dos EUA.

É importante entender que a briga que o Sr. Trump está escolhendo com nossos aliados não tem a ver com nenhum conflito de interesse real, porque eles não estão, de fato, fazendo as coisas que ele os acusa de terem cometido. Não, o Canadá e a Europa não estão impondo “tarifas maciças” sobre os bens dos EUA: a grande maioria das exportações americanas entra no Canadá livre de impostos, e a tarifa europeia média é de apenas 3%. Esses são fatos simples, e não temas passíveis de discussão.

Ou seja, o Sr. Trump está justificando sua tentativa de destruir a aliança ocidental acusando nossos aliados de delitos que só existem na imaginação dele.

A mesma coisa pode ser dita sobre a afirmação dele de que o primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá, de algum modo o traiu e comprometeu a reunião de cúpula do Grupo dos 7. Na verdade, as declarações do Sr. Trudeau ao final da conferência foram comedidas e convencionais, reafirmando simplesmente – como qualquer líder normal faria – que ele defenderia os interesses do país dele. A tempestade de tuítes raivosos de Trump que se seguiu foi uma resposta a um insulto que, como no caso das “tarifas maciças”, só existe na imaginação dele.

Mas esse é o Sr. Trump, um homem cuja presidência tem sido marcada por alguma coisa em torno de sete declarações falsas por dia de governo. E quanto aos funcionários dele?

Bem, eles têm agido como os cortesãos na velha história sobre a roupa nova do imperador. (O novo topete do imperador?) Se o chefe diz alguma coisa cuja falsidade é evidente para qualquer um com olhos para ver, eles vão garantir que acreditam na versão dele.

Assim, Larry Kudlow, o economista-chefe do governo (na verdade é “economista”, mas essa é outra história) foi à TV dizer que o Sr. Trudeau “nos esfaqueou pelas costas”. Peter Navarro, principal especialista comercial (“especialista”) foi mais além, repetindo a frase sobre a facada nas costas e declarando que Trudeau tem “um lugar especial no Inferno”.

Lembram-se de quando as pessoas costumavam imaginar que o Sr. Trump seria contido pelos homens dele, que colocariam um freio em seus piores impulsos? Talvez tenha sido assim durante alguns meses, mas a essa altura ele está completamente cercado de puxa-sacos que vão dizer a ele o que quer que ele deseje escutar.

Ainda assim, os EUA não é uma monarquia – pelo menos, ainda não. O Congresso tem o poder de barrar um presidente que parece estar traindo seu juramento de posse. Ele pode até mesmo removê-lo; mesmo que não seja por impeachment, há muitas maneiras pelas quais os integrantes do Congresso poderiam atuar para impedir Trump e limitar o estrago que ele está fazendo.

Mas o Congresso é controlado por republicanos. E a resposta deles a um presidente cujas ações são não só abertamente não-americanas, mas sim antiamericanas, tem sido… alguns poucos tuítes entristecidos de um pequeno grupo de senadores, que estão descontentes com o comportamento de Trump mas não dispostos a fazer qualquer coisa de verdade. A maioria dos republicanos sequer chegou a ir tão longe; eles apenas estão em silêncio.

Por que os políticos republicanos não estão dispostos a desempenhar suas responsabilidades constitucionais? Relativamente poucos deles, suspeita-se, querem de fato uma guerra comercial, para não falar em uma ruptura da aliança ocidental. E muitos deles, também se suspeita, estão amplamente cientes de que um agente estrangeiro de fato está sentado no Salão Oval. Mas eles estão imobilizados por uma combinação de venalidade e covardia.

Por um lado, cortes de impostos para os ricos têm se tornado a prioridade máxima do Partido Republicano contemporâneo, e o Sr. Trump está dando isso a eles, de modo que eles estão dispostos a fazer vista grossa a todo o resto.

Por outro lado, a base do partido realmente ama o Sr. Trump, não pelas políticas dele, mas pela crueldade performativa que ele exibe para com minorias raciais e o modo como ele aponta o dedo na cara das “elites”. Assim, qualquer político republicano que assuma uma posição em defesa do que nós costumávamos pensar que fossem valores americanos fundamentais corre um grande risco de ser derrotado na sua próxima eleição primária. Fora que, até onde nós podemos ver, não há um único republicano eleito disposto a assumir este risco, não importa o que o Sr. Trump faça.

O que tudo isso nos mostra é que o problema que a América enfrenta é muito mais profundo do que a horripilância pessoal do Sr. Trump. Um dos nossos dois principais partidos parece ser irreparável e desgraçadamente corrupto. E, a menos que este partido perca não só a eleição deste ano, mas comece a perder com frequência, a América como nós a conhecemos está acabada.