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Um mundo afogado em excesso de poupança

Ao longo da última década, vários e vários experimentos de austeridade fiscal encolheram economias

JAPÃO: no quarto trimestre do ano passado, a economia do país encolheu a uma taxa anual de 6%. / REUTERS/Yuya Shino/File
JAPÃO: no quarto trimestre do ano passado, a economia do país encolheu a uma taxa anual de 6%. / REUTERS/Yuya Shino/File
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Paul Krugman

Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às, 12h32.

Chegaram os últimos números do Japão, e eles são horríveis. No quarto trimestre do ano passado, a economia do país encolheu a uma taxa anual de 6%. E nem teve a ver com o coronavírus; nós não vamos ver os impactos deste choque global até a próxima rodada de números.

Mas não tem nada de misterioso no tropeço japonês. Ele foi o resultado de uma guinada imprudente demais na direção da austeridade fiscal – neste caso, na forma de uma alta no imposto sobre o valor agregado.

A questão é que ninguém deveria estar surpreso com este resultado. Ao longo da última década nós vimos vários e vários experimentos em austeridade fiscal, seja por meio de aumentos de taxas ou cortes de gastos. E, sem exceção, o impacto do aperto fiscal tem sido o de encolher a economia. Nós também temos visto alguns poucos experimentos em gastos com déficits, os mais notáveis na explosão do déficit da América na gestão do presidente Trump, e déficits ainda maiores têm sido um estímulo à economia de modo consistente.

Ou seja, sempre foi uma ideia terrível buscar a responsabilidade fiscal? Não. Ela nunca foi uma grande ideia; afirmações de que a redução do déficit causariam uma disparada nos investimentos privados, que no passado eu ridicularizei como a crença na “fada da confiança”, nunca tiveram respaldo em evidências. Mas o mundo vem mudando de formas que tornam as políticas de austeridade mais destrutivas do que costumavam ser.

Repare que, no passado, era relativamente fácil compensar com outras políticas os efeitos negativos da austeridade fiscal: À medida que os países tentavam equilibrar seus orçamentos, os bancos centrais de cada país – o Federal Reserve dos EUA e suas instituições irmãs – poderiam ajudar a manter a economia cortando as taxas de juros.

Hoje, porém, as taxas de juros estão muito baixas até mesmo quando as economias estão robustas – cerca de 1,5 pontos percentuais nos Estados Unidos, e efetivamente negativos em grande parte da Europa e do Japão. De modo que há pouca ou nenhuma margem de corte para compensar os efeitos depressivos da austeridade.

Mas por que as taxas de juros globais estão tão baixas? A resposta basicamente se resume a um suprimento de poupança em excesso. Em todo o mundo, as pessoas querem economizar mais do que as empresas estão dispostas a investir em novas fábricas, prédios de escritórios e por aí vai. Com isso, o mundo fica inundado de economias que estão prontas para a festa mas não tem para onde ir, o que, por sua vez, é um mundo em que mercados de títulos públicos estão na prática implorando aos governos para que emprestem e gastem.

E os governos deviam aceitar essa oferta deles. A atitude sensata e prudente a se tomar neste momento é emprestar com essas taxas muito, muito baixas e aplicar o dinheiro em investimentos públicos: reconstruir nossa infraestrutura capenga, subsidiando novas tecnologias (em particular a energia verde) e assegurando que as crianças recebam saúde pública e nutrição adequada.

É claro que nós não estamos fazendo isso na América. O governo Trump vem emprestando enormes quantias, mas esbanjando o dinheiro em cortes de impostos para empresas e pessoas ricas. Ainda assim, até mesmo isso é preferível ao comportamento de governos que continuam com a ideia fixa de que prudência é igual a equilibrar o orçamento – governos que, como nós acabamos de ver no Japão, não parecem dispostos a aprender com os seguidos desastres da austeridade.

Agora é o momento certo de emprestar e investir. Mas será que alguém está disposto a fazer a coisa obviamente certa?