Um eixo ideológico do mal climático
“Não é a sua imaginação: Os verões estão ficando mais quentes.” Assim dizia uma chamada recente no The New York Times, destacando uma análise estatística de década a década feita pelo especialista em clima James Hansen. “A maioria dos verões”, concluía a análise, “agora serão quentes ou extremamente quentes comparados aos de meados do século […]
Publicado em 24 de agosto de 2017 às, 13h37.
Última atualização em 24 de agosto de 2017 às, 14h05.
“Não é a sua imaginação: Os verões estão ficando mais quentes.” Assim dizia uma chamada recente no The New York Times, destacando uma análise estatística de década a década feita pelo especialista em clima James Hansen. “A maioria dos verões”, concluía a análise, “agora serão quentes ou extremamente quentes comparados aos de meados do século 20.”
Ou seja, qual a novidade? A essa altura, os indícios de um aquecimento global causado pelo homem continuam a se tornar mais irrefutáveis, e os cenários plausíveis para o futuro — eventos climáticos extremos, aumento dos níveis do mar, seca e outros — continuam a se tornar mais assustadores.
Em um mundo racional, uma ação urgente para limitar as mudanças climáticas seria a prioridade política esmagadora para governos de todos os lugares.
Porém, o governo dos Estados Unidos, sem dúvida, hoje é controlado por um partido dentro do qual a negação climática — a rejeição não só das evidências científicas mas também da experiência vivida óbvia, além da oposição feroz a qualquer tentativa de desacelerar essa tendência — se tornou um sinal determinante de identidade tribal.
Posto de outra maneira: os republicanos não parecem capazes de repelir a Lei da Saúde Acessível, e as recriminações entre as lideranças no Senado e o tuiteiro-chefe estão ganhando as manchetes. Mas o Partido Republicano está completamente unido em torno de seu projeto de destruir a civilização, e tem feito grande progresso rumo a esse objetivo.
Assim, de onde vem a negação climática?
Só para deixar claro, os especialistas nem sempre estão certos; mesmo um consenso científico imenso às vezes se revela errado. E se alguém oferece uma crítica bem-intencionada da visão convencional, um esforço sério de chegar à verdade, ele ou ela merece receber atenção.
O que se torna claro para qualquer um que acompanhe o debate sobre o clima, contudo, é que dificilmente algum dos céticos do clima está de fato tentando chegar à verdade. Eu não sou um cientista climático, mas eu sei com o que argumentos fajutos se parecem — e eu não consigo pensar em um único cético do clima que não esteja claramente argumentando de má-fé.
Pegue, por exemplo, todas as pessoas que comentaram sobre o fato de que 1998 foi um ano excepcionalmente quente para afirmar que o aquecimento global parou há 20 anos – como se um dia quente fora de época em maio provasse que o verão é um mito. Ou todas as pessoas que recorreram a declarações fora de contexto de pesquisadores do clima como evidências de um grande complô científico.
Ou, nesse sentido, pense em qualquer um que fala em “incerteza” como um motivo para não fazer nada – quando deveria ser óbvio que os riscos de uma mudança climática mais rápida do que o imaginado se nós fizermos muito pouco encurtarão as chances de fazer muita coisa se a mudança for mais lenta que o esperado.
Mas o que está conduzindo essa epidemia de má-fé? A resposta, eu diria, é que há efetivamente três grupos envolvidos — um tipo de eixo do mal climático.
Em primeiro lugar, e mais óbvio, há a indústria de combustíveis fósseis – pense nos irmãos Koch, que têm um interesse óbvio em continuar a vender energia suja. Além disso, a indústria — seguindo os mesmos caminhos que os grupos industriais costumavam usar para criar dúvidas sobre os perigos do tabaco, da chuva ácida, do buraco na camada de ozônio e outros — tem sistematicamente jorrado dinheiro em think tanks e cientistas dispostos a expressar ceticismo sobre as mudanças climáticas. Muitos, talvez a maioria, dos autores que alegam que querem lançar dúvidas sobre o aquecimento global se revelam, após inspeção, receptores de apoio financeiro do setor de combustíveis fósseis.
Ainda assim, os interesses mercenários das empresas de combustíveis fósseis não são toda a história aqui. Há também a ideologia.
Uma parte influente do espectro político dos EUA — pense na página de editoriais do The Wall Street Journal — é contra toda e qualquer forma de regulação econômica por parte do governo; ela está comprometida com a doutrina de Ronald Reagan, de que o governo é sempre o problema, nunca a solução.
Gente assim sempre teve um problema com poluição; Quando ações individuais desregradas impõem custos aos outros, é difícil enxergar como você pode evitar apoiar algum tipo de intervenção do poder público. E a mudança climática é a mãe de todos os problemas com a poluição.
Alguns conservadores estão dispostos a encarar esta realidade e a apoiar uma intervenção amigável ao mercado para limitar as emissões de gases estufa. Mas um número bastante grande deles prefere simplesmente negar a existência do problema — se os fatos entram em conflito com a ideologia deles, eles negam os fatos.
Por fim, há alguns poucos intelectuais públicos — menos importantes que os plutocratas e os ideólogos, mas, se alguém me perguntar, ainda mais embaraçosos — que adotam uma postura de ceticismo climático por puro ego. Na prática, eles dizem: “Olhem para mim! Eu sou esperto! Eu sou do contra! Eu vou te mostrar quão astuto eu sou negando o consenso científico!” E, em nome dessa atitude, eles estão dispostos a nos empurrar mais longe na estrada rumo à catástrofe.
O que me traz de volta à atual situação política. Neste momento os progressistas estão se sentindo melhores do que eles esperavam estar há alguns meses: O presidente Trump e seus inimigos/muy amigos no Congresso estão conseguindo muito menos do que imaginavam, e que os rivais deles temiam. Porém, isso não muda o fato de que o eixo do mal climático está hoje firmemente no comando da política americana, e que o mundo pode nunca mais se recuperar.