Exame.com
Continua após a publicidade

Um ciclo de economia mequetrefe nos EUA

Governo de Trump é marcado por incoerência de discurso e de interesses econômicos

TRUMP: para colunista, presidente americano até pode ter ideias de desglobalização, mas se depara com interesse de investidores / Carlos Barria | Reuters (Carlos Barria/Reuters)
TRUMP: para colunista, presidente americano até pode ter ideias de desglobalização, mas se depara com interesse de investidores / Carlos Barria | Reuters (Carlos Barria/Reuters)
P
Paul Krugman

Publicado em 16 de abril de 2018 às, 16h37.

Última atualização em 16 de abril de 2018 às, 16h50.

Se você esteve acompanhando os mercados de ações nos Estados Unidos, provavelmente está se sentindo enjoado. O Dow Jones está quebrando! Ah, não, está voltando ao normal! Espere, está quebrando de novo!

Em geral, tentar explicar as flutuações de ações é como tentar adivinhar debaixo de qual copo está a bolinha. Mas neste caso é bem claro o que está acontecendo. Sempre que os investidores desconfiam que Donald Trump vá realmente ir em frente com as ameaças dele de aumento de grandes taxas, provocando retaliações no exterior, as ações despencam. Toda vez que eles decidem que é só teatro, as ações se recuperam. Os mercados de fato, de fato, não gostam da ideia de uma guerra comercial.

Ou seja, vem aí uma guerra comercial? Ninguém sabe – nem mesmo, ou talvez principalmente, o próprio Sr. Trump. Pois ainda que o comércio seja um dos dois temas típicos do Sr. Trump —  o outro é a animosidade com pessoas de pele escura —, quando se trata de fazer demandas de verdade a outros países, o tuiteiro-chefe e seus ajudantes ou não sabem o que querem ou querem coisas que nossos parceiros comerciais não conseguem fornecer. Não é que não vão —  não podem.

Como resultado, predomina a incoerência: O governo ataca, depois tenta acalmar os mercados dizendo que ele não deve levar adiante suas ameaças, para depois promover uma nova rodada de ameaças.

Vamos discutir em particular o vai-não-vai do confronto de Trump com a China.

Em certos sentidos, a China realmente é um mau ator na economia global. Em particular, ela tem torcido o nariz para as regras internacionais sobre direitos de propriedade intelectual, agarrando tecnologia estrangeira sem o pagamento devido. E, para ser justo, as autoridades do governo Trump às vezes mencionam a questão da propriedade intelectual como justificativa para pegarem pesado.

Porém, se fazer a China pagar o que deve pela tecnologia fosse o objetivo, você esperaria que os Estados Unidos tanto apresentassem exigências específicas nesse sentido quanto adotassem uma estratégia focada em induzir a China a atender essas exigências.

De fato, os Estados Unidos deram muito pouca indicação sobre o que a China deveria fazer quanto à propriedade intelectual. Entretanto, se conseguir uma proteção melhor sobre os direitos de patentes e coisas assim fossem o objetivo, a América deveria estar tentando construir uma coalizão com outros países desenvolvidos para pressionar os chineses; em vez disso, nós estamos alienando todo mundo no campo de visão próximo.

De qualquer modo, o que parece realmente incomodar o Sr. Trump não são os pecados políticos legítimos da China, mas sim o superávit comercial do país com os Estados Unidos, que ele tem dito repetidamente que é de US$ 500 bilhões por ano. (Na verdade é de menos de US$ 340 bilhões, mas quem é que está contando?) Esse superávit comercial, insiste ele, significa que a China está vencendo — efetivamente roubando US$ 500 bilhões por ano da América.

Como muitas pessoas já apontaram, isso é uma economia mequetrefe. Exceto que, em épocas de desemprego em massa, os déficits comerciais não são uma subtração das economias que os têm, nem os superávits comerciais são uma soma às economias na outra ponta do desequilíbrio. Acima de tudo, o déficit comercial dos Estados Unidos é só o lado negativo do fato de que a América atrai mais investimento interno dos estrangeiros do que o montante que os americanos investem no exterior. A política comercial não tem nada a ver com isso.

Além desta confusão conceitual, há um fato cru que poucas pessoas — e, até onde eu posso ver, nenhuma no governo Trump — parecem valorizar: A China não tem mais grandes superávits comerciais.

Isso não foi sempre verdade. Há uma década, o excedente da balança comercial corrente da China — uma métrica ampla que inclui o comércio de serviços e a renda de investimentos no exterior — estava em mais de 9% do produto interno bruto, um número bastante grande. Em 2017, contudo, o superávit do país foi de apenas 1,4% do PIB, o que não é muito. Enquanto isso, os Estados Unidos tinham um déficit na balança comercial corrente de 2,4% do PIB, um pouco maior, mas ainda assim muito menor que as disparidades de meados da década de 2000.

Mas, nesse caso, por que o comércio “bilateral” entre os Estados Unidos e a China é tão desequilibrado? A resposta é que em grande medida há um tipo de ilusão estatística. A China é a Grande Montadora: É lá onde as peças de outros países, como o Japão e a Coreia do Sul, são transformadas em bens de consumo para o mercado dos Estados Unidos. Ou seja, muito do que nós importamos da China é na verdade produzido em outros lugares.

Não está claro por que nós deveríamos exigir da China que pare de desempenhar este papel. De fato, não está claro sequer que a China poderia fazer muita coisa para reduzir o superávit bilateral dela com os Estados Unidos. Para fazê-lo, ela basicamente teria de ter uma economia completamente diferente. E isso não vai acontecer a menos que nós tenhamos uma guerra comercial completa que acabe com muito da economia global como a conhecemos.

Claro, o próprio Sr. Trump talvez esteja ok com uma desglobalização em grande escala. Porém, como nós temos visto, seu querido mercado de ações odeia a ideia, e por boas razões: as empresas têm investido pesadamente no pressuposto de que uma economia global fortemente integrada está aqui para ficar, e que uma guerra comercial deixaria muitos desses investimentos à deriva.

Ah sim, além disso uma guerra comercial devastaria muito da América rural pró-Trump, já que uma grande parcela da nossa produção agrícola — o que inclui quase dois terços dos grãos alimentares — é exportada.

E é por isso que as coisas parecem tão incoerentes. Num dia o Sr. Trump fala grosso sobre o comércio; depois as ações caem, e os assessores dele patinam para dizer que a guerra comercial não vai acontecer de fato; então, ele se preocupa que esteja parecendo fraco, e tuíta mais ameaças; e assim segue. Chamemos de a arte de tentar acertar uma tacada.