Trump revela os piores aspectos da política
A entrevista recente do New York Times com o presidente Trump foi horrível, e no entanto é curiosamente não-surpreendente (leia-a aqui). Sim, o homem mais poderoso do mundo é preguiçoso, ignorante, desonesto e vingativo. Mas nós já sabíamos disso. Na verdade, a coisa mais reveladora na entrevista talvez seja a defesa que o Sr. Trump […]
Publicado em 17 de abril de 2017 às, 16h47.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h31.
A entrevista recente do New York Times com o presidente Trump foi horrível, e no entanto é curiosamente não-surpreendente (leia-a aqui). Sim, o homem mais poderoso do mundo é preguiçoso, ignorante, desonesto e vingativo. Mas nós já sabíamos disso.
Na verdade, a coisa mais reveladora na entrevista talvez seja a defesa que o Sr. Trump faz de Bill O’Reilly, acusado de abuso sexual e de poder: “Ele é uma boa pessoa”.
Isso, eu argumentaria, nos revela coisas a respeito do homem de Mar-a-Lago e as motivações de sua base muito mais do que sua divagações sobre infraestrutura e comércio.
Primeiramente, contudo, eis uma questão: Que diferença fez, de verdade, que seja o Sr. Trump e não outro republicano convencional a ocupar a Casa Branca?
O governo Trump é, em todos os sentidos, uma bagunça. A grande maioria das indicações presidenciais que precisam de confirmação do Senado estão desocupadas; quaisquer pessoas que estejam nestes lugares estão preocupadas com brigas de fações internas. As tomadas de decisão mais parecem intrigas palacianas no harém de um sultão do que elaboração de políticas em uma república. E ainda há aqueles tuítes.
No entanto, o primeiro grande fracasso político e de política – a humilhante derrubada dos esforços para matar o Obamacare – não se deu por causa da disfunção executiva.
O revogar-e-trocar não foi ao chão por causa de táticas fracas; ele fracassou porque os republicanos vêm mentindo sobre a saúde pública há oito anos. Assim, quando chegou a hora de propor alguma coisa de verdade, tudo que eles podiam oferecer foram jeitos diferentes de empacotar uma perda massiva de cobertura.
Considerações parecidas se aplicam a outras frentes. A reforma fiscal parece um fiasco, não porque o governo Trump não tenha a mínima noção do que está fazendo (embora não tenha), mas porque ninguém no Partido Republicano jamais se dedicou ao trabalho difícil de entender o que deveria mudar e como vender essas mudanças.
E quanto às áreas em que o Sr. Trump às vezes soa muito distante dos republicanos ordinários, como a infraestrutura?
Uma pressão por um plano de obras de um trilhão de dólares verdadeiro (que não constitua de créditos fiscais e privatizações), que necessitaria do apoio democrata, dada a previsível oposição dos conservadores, já seria um começo. Mas dado o que nós ouvimos na entrevista – basicamente uma maçaroca de palavras incoerentes misturada com intervenções aleatórias sobre os transportes no Queens -, está claro que o governo não tem um plano de infraestrutura de verdade, e provavelmente nunca terá.
É verdade, existem alguns setores em que o Sr. Trump parece de fato destinado a ter um grande impacto – mais notavelmente, em aleijar a política ambiental. Mas isso é o que qualquer republicano teria feito; o negacionismo das mudanças climáticas e a crença de que nosso ar e água estão limpos demais são posturas dominantes no Partido Republicano moderno.
Ou seja, a governança trumpista na prática até aqui se revelou apenas governança republicana com uma administração (muito) pior. O que me traz de volta à pergunta original: O caráter horrível do homem no comando faz diferença?
Eu creio que sim. A substância da política de Trump pode não ser lá tão diferente na prática. Mas o estilo também importa, porque é o que dá forma ao clima político mais amplo. E o que o trumpismo trouxe é uma nova noção de empoderamento aos piores aspectos da política americana.
Agora já existe um gênero próprio de retratos na mídia dos apoiadores de Trump da classe trabalhadora (há até mesmo paródias desse pessoal). Vocês sabem de quem eu estou falando: entrevistas com agricultores brancos sem sorte que estão preocupados porque descobriram que todos aqueles liberais que avisaram a eles que eles seriam prejudicados pelas políticas de Trump estavam certos, mas ainda assim apoiam o Sr. Trump, porque acreditam que as elites liberais os olham de cima para baixo e acham que eles são estúpidos. Hmmm.
Enfim, uma coisa que os entrevistados dizem sempre é que o Sr. Trump é honesto e que ele diz as coisas como elas são, o que pode parecer estranho dado o tanto de mentiras que ele conta sobre quase tudo, na política ou no campo pessoal. Mas o que eles provavelmente querem dizer é que o Sr. Trump dá uma voz descarada e nada arrependida ao racismo, sexismo, desprezo por “perdedores” e por aí vai – sentimentos que sempre foram uma fonte importante de apoio para os conservadores, mas que há tempos são coisas das quais não se esperava que você debatesse abertamente.
Em outras palavras, o Sr. Trump não é um homem honesto ou destemido, mas sim, possivelmente, alguém menos hipócrita sobre os motivos obscuros por trás de sua visão de mundo do que são os políticos convencionais.
Daí a afinidade pelo Sr. O’Reilly, e a noção aparente do Sr. Trump de que as notícias sobre as atitudes do apresentador de TV são um ataque indireto a ele. Um jeito de pensar sobre a Fox News em geral, e no Sr. O’Reilly em particular, é que eles fornecem um espaço seguro para as pessoas que querem uma afirmação de que seus piores impulsos são, na verdade, justificados e perfeitamente ok. E um jeito de pensar a respeito da Casa Branca de Trump é que ela está tentando ampliar esse espaço seguro para incluir o país como um todo.
E a grande questão sobre o trumpismo – maior, sem dúvida, que a pauta legislativa – é até que ponto a feiura descarada é uma estratégia política vitoriosa.