Trump não tem integridade para ser um líder mafioso
Você não pode construir um império, mesmo que seja um império do crime, a menos que as pessoas acreditem que a sua palavra vale alguma coisa
Publicado em 24 de outubro de 2019 às, 10h24.
Muitas pessoas têm comparado o presidente Trump a um líder mafioso. Porém, eu começo a achar a comparação injusta – com os líderes mafiosos.
Afinal, você não pode construir um império, mesmo que seja um império do crime, a menos que as pessoas acreditem que a sua palavra vale alguma coisa. Elas precisam acreditar que você vai honrar suas promessas e cumprir suas ameaças. As primeiras vezes em que você renegar acordos pode parecer que você está sendo esperto e que os outros estão sendo tolos; porém, não vai demorar muito para as pessoas aprenderem a sacar qual é a sua, e perceberem que você é na verdade um cara que elas conseguem enrolar.
Eu estive pensando sobre essa realidade nos últimos dias, à medida que nós temos visto dois debates distintos em curso sobre o governo Trump.
O maior fracasso, aquele que deixou muitos de nós com um pouco de vergonha de sermos americanos, é a traição dos curdos na Síria. Nós ainda não sabemos ao certo por que Trump abandonou de modo tão casual aliados que vêm lutando e morrendo em nosso nome, mas uma coisa está clara: o presidente da Turquia, Recep Erdogan, sacou qual era a de Trump, concluiu que eram vazias as ameaças dele de retaliar contra a invasão de fato do território curdo, e aproveitou o momento.
Mas houve outro fracasso, de menor destaque, envolvendo a China. Trump tem feito da guerra comercial com a China o ponto central de sua política econômica, causando um prejuízo significativo às duas economias no processo. Recentemente, porém – talvez porque Trump percebeu a fraqueza de sua situação internamente à medida que a marcha do impeachment ganha força -, ele parece ter decidido declarar vitória e se retirar, proclamando que tinha um acordo com a China que, até mesmo pelos relatos dos oficiais dele, parecia significar que os Estados Unidos não iam conseguir nada que a China já não estivesse oferecendo o tempo todo.
Na realidade, foi pior do que isso. Os observadores mais astutos notaram depressa que tudo que nós tínhamos até agora era um anúncio unilateral das autoridades americanas de que havia um acordo, e que ele deveria ser tratado com ceticismo até que/a menos que nós recebêssemos um comunicado conjunto sobre o que foi acordado.
E sem dúvida, no dia 16 de outubro, os chineses basicamente disseram: “Ah, aquele acordo? É verdade, temos pensado sobre ele. Vamos falar mais disso.”
Em outras palavras, assim como Erdogan – e, na verdade, do mesmo modo que fez o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, um pouco antes -, eles sacaram qual era a de Trump e decidiram que dá para enrolá-lo.
O ponto é que a arte da negociação de Trump, que envolve fazer promessas que você pretende quebrar sempre que lhe parecer conveniente, só funciona se você continuar achando trouxas novos para enganar. Se houver pessoas com quem você precisa lidar repetidamente, como os líderes de outros países, uma hora eles entendem que não dá para confiar em você e que não é preciso temê-lo: Suas promessas são vazias, mas suas ameaças também.
Tudo isso tem enfraquecido a América de um modo bastante profundo. Nós costumávamos ser um país de grande poder mas com uma influência ainda maior, porque tínhamos princípios que os outros países podiam contar que seguiríamos. Agora nós temos um líder que as outras lideranças veem como alguém maleável – um sujeito inescrupuloso e mal-informado que pode ser bajulado, subornado ou simplesmente enganado para dar a eles o que quiserem.
Tornando a América grande de novo, de fato.