Todo o estrago que um presidente inapto pode causar
De acordo com uma nova pesquisa da Quinnipiac, uma maioria de americanos considera que Donald Trump é inapto para ser presidente. Isso é bastante notável. Mas você precisa se perguntar quão maior esse número seria se as pessoas de fato soubessem o que está acontecendo. Pois o problema com o Sr. Trump não é apenas […]
Publicado em 11 de outubro de 2017 às, 09h00.
De acordo com uma nova pesquisa da Quinnipiac, uma maioria de americanos considera que Donald Trump é inapto para ser presidente. Isso é bastante notável. Mas você precisa se perguntar quão maior esse número seria se as pessoas de fato soubessem o que está acontecendo.
Pois o problema com o Sr. Trump não é apenas o que ele está fazendo, mas o que ele não está. Na cabeça dele, tudo gira a seu redor, e enquanto ele fica massageando seu ego frágil, funções básicas do governo são negligenciadas, ou pior.
Falemos de duas histórias que podem parecer distintas: o abandono mortal de Porto Rico e a sabotagem contínua da cobertura de saúde. O que essas histórias têm em comum é que milhões de americanos vão sofrer, e mais centenas – se não milhares – vão morrer. E tudo porque o Sr. Trump e seus oficiais são egoístas demais para fazer o trabalho deles.
Comece com o desastre em Porto Rico e nas Ilhas Virgens vizinhas aos EUA.
Quando o furacão Maria aconteceu no mês passado, derrubou a energia em Porto Rico inteira, e vai levar meses até que a eletricidade seja reestabelecida. Falta de energia pode ser mortal por si só, mas o que é ainda pior que isso é que, em grande parte por causa do blecaute, muito da população continua sem acesso a água potável. Quantos mais vão morrer porque os hospitais não conseguem funcionar, ou por doenças proliferadas pela água não-potável? Ninguém sabe.
Mas a situação é terrível, e o tempo não está do lado de Porto Rico: quanto mais isso demorar, pior a crise humanitária vai ser. Certamente, portanto, você esperaria que trazer e distribuir ajuda humanitária seria a prioridade máxima do governo americano. Afinal, nós estamos falando das vidas de três milhões e meios de compatriotas nossos – mais que a população de Iowa ou da região metropolitana de San Diego.
E aí, nós vimos o tipo de esforço sem restrições e a todo vapor que tal catástrofe exige? Não.
Admita-se, é difícil medir a resposta federal. Mas nenhum das medidas extraordinárias que você esperaria ver se materializaram.
O envio de recursos militares parece ter sido menor e mais lento do que foi no Texas depois do Harvey ou na Flórida depois do Irma, ainda que a situação de Porto Rico seja muito mais terrível. Durante dias, o governo Trump se recusou a suspender as restrições ao envio de cargas importadas para Porto Rico, mesmo tendo revogado essas regras para o Texas e a Flórida.
Por quê? Segundo o presidente, “pessoas que trabalham na indústria naval” não gostaram da ideia.
Fora isso, o governo Trump ainda não enviou um pedido de ajuda ao Congresso.
E onde está a liderança? Há um motivo pelo qual nós esperamos que o presidente foque de maneira visível os maiores desastres nacionais, o que inclui uma visita à área atingida assim que possível. Não é só teatro: é um sinal de prioridades urgentes para o resto do governo, e em certa medida para o país em geral.
Porém, o Sr. Trump passou dias após o Maria tuitando sobre jogadores de futebol americano. Quando ele finalmente se dignou a dizer algo sobre Porto Rico, foi para culpar a região pelos próprios problemas.
A impressão que alguém tem é de um indivíduo amplamente egocêntrico que não consegue focar nas necessidades dos outros, nem mesmo quando isso é o ponto central do seu trabalho.
Fora isso, há a cobertura de saúde.
A revogação do Obamacare falhou de novo, pelo simples motivo de que a Graham-Cassidy, assim como as outras propostas do Partido Republicano, era um pedaço de lixo mal-intencionado. Entretanto, enquanto a Lei da Saúde Acessível sobrevive, o governo Trump tenta abertamente sabotar seu funcionamento.
Essa sabotagem está acontecendo de várias formas. O governo se recusou a confirmar se irá pagar subsídios cruciais às seguradoras para cobrir os clientes de baixa renda. Recusou-se a esclarecer se a exigência de que as pessoas saudáveis contratem convênios será reforçada, e também cancelou ou suspendeu iniciativas mais amplas destinadas a fazer mais pessoas se inscreverem.
Estas ações se traduzem diretamente em preços muito maiores: as seguradoras não sabem se serão compensadas pelos principais custos, e elas têm todos os motivos para esperar um grupo de risco menor e mais doente do que antes. Além disso, já é tarde demais para reduzir o estrago: as seguradas estão concluindo seus índices de 2018 enquanto você lê isso.
Por que os trumpistas estão fazendo isso? É um cálculo cínico – faça a lei de saúde fracassar, depois afirme que ela já estava condenada o tempo todo? Eu duvido. Por um lado, nós não estamos falando de pessoas conhecidas por cálculos estratégicos avançados. Por outro, o A.C.A [Affordable Care Act, ou lei de saúde acessível, em tradução livre] não vai realmente desmoronar; ela irá apenas se tornar um programa mais focado nos americanos mais doentes e mais pobres, e a oposição política para revogá-la não vai desaparecer. Por fim, quando a má notícia chegar, todo mundo vai saber em quem botar a culpa.
Não, a sabotagem do A.C.A é melhor encarada não como uma estratégia, mas como birra. Nós não podemos revogar o Obamacare? Ok, nesse caso, nós vamos estragá-lo. Não tem a ver com atingir um objetivo claro, mas com restaurar a autoestima danificada do presidente.
Para resumir, o Sr. Trump é de verdade inadequado para este ou qualquer outro alto cargo. E o estrago causado por sua inaptidão só vai continuar a crescer.
(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times do dia 29 de setembro de 2017.)