Quem realmente ganha com o crescimento econômico?
Houve um tempo em que perguntar quem se beneficia do crescimento econômico não parecia urgente, porque a renda estava subindo de modo ordenado para praticamente todo mundo
Publicado em 13 de setembro de 2018 às, 13h00.
Última atualização em 13 de setembro de 2018 às, 13h20.
“O que há num nome?”, perguntou Shakespeare. Mas vamos lá, eu sou um economista, portanto, permitam-me perguntar algo um pouco diferente: O que há num número?
Muita coisa, sugerem os senadores Chuck Schumer e Martin Heinrich. Nesta semana, eles apresentaram um projeto de lei que direcionaria o Departamento de Análise Econômica, que produz estimativas sobre nosso produto interno bruto, para produzir estimativas nos dizendo quem se beneficia do crescimento — por exemplo, quanto está indo para a classe média.
Esta é uma ideia realmente boa.
Vejam, eu não sou uma daquelas pessoas que acham o produto interno bruto uma estatística terrivelmente falha ou inútil. É um número do qual precisamos para muitos propósitos. Mas por si só ele não é uma medida adequada de sucesso econômico.
Há várias razões pelas quais isso é verdade, mas uma das principais é que ele diz a você apenas o que está acontecendo com a renda média, o que nem sempre é relevante em relação a como a maioria das pessoas vive. Se Jeff Bezos entra em um bar, a riqueza média dos clientes do bar subitamente dispara para vários bilhões de dólares, mas nenhum dos bebedores não-Bezos se tornou mais rico.
Houve um tempo em que perguntar quem se beneficia do crescimento econômico não parecia urgente, porque a renda estava subindo de modo ordenado para praticamente todo mundo. Desde a década de 70, contudo, a relação entre o crescimento geral e a renda individual parece ter sido quebrada para muitos americanos. De um lado, os salários têm estagnado para muitos; corrigido para a inflação, o homem trabalhador médio ganha muito menos hoje do que recebia em 1979. Por outro lado, alguns têm visto suas rendas crescerem muito mais depressa do que a renda do país como um todo. Assim é que CEOs das maiores empresas ganham hoje 270 vezes o salário de um trabalhador médio, alta de mais de 27 vezes comparada a 1980.
Uma desconexão semelhante entre o crescimento geral e a experiência individual parece estar por trás da falta de ânimo do público com o estado atual da economia e seu desprezo pelo corte de impostos de 2017. Os números do PIB têm sido bons nos trimestres recentes, mas muito do crescimento foi para lucros corporativos em disparada, ao passo que os salários médios reais não foram a lugar algum.
Mas como fatos como estes se encaixam na história geral do crescimento econômico? Para responder a esta pergunta, nós precisamos de “contas nacionais de distribuição” que monitorem como o crescimento está localizado entre segmentos diferentes da população.
Produzir tais contas é difícil, mas não impossível. De fato, os economistas Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman já produziram contas estimativas com detalhes consideráveis ao longo da metade do século passado. A principal mensagem é sobre o crescimento estar indo de maneira desproporcional para o topo e não sendo dividido com a metade de baixo da população, mas há também algumas surpresas apontando na outra direção. Por exemplo, a classe média, embora continue para trás, tem se saído melhor do que algumas medições comuns indicavam, graças aos benefícios complementares.
Porém, há uma grande diferença entre as estimativas produzidas por economistas independentes e relatórios regulares do governo dos EUA, seja porque o governo tem os recursos para fazer o trabalho mais facilmente, seja porque as pessoas (e os políticos) vão prestar mais atenção. Por isso é que o Washington Center para o Crescimento Justo, um think tank progressista, tem feito campanha por algo como a proposta Schumer-Heinrich.
Então, por que não fazer isso?
Algumas pessoas podem argumentar que criar contas de distribuição é complicado, que requer dar alguns palpites instruídos sobre como juntar diferentes fontes de informação. Mas isso também é verdade quanto ao processo usado para criar contas nacionais existentes, inclusive estimativas do PIB! Os números econômicos não precisam ser perfeitos ou acima de críticas para serem extremamente úteis.
Em um mundo razoável, então, algo como a proposta Schumer-Heinrich se tornaria lei em um futuro próximo. No mundo real, é claro, a proposta não vai a lugar algum pelo menos por enquanto, porque os republicanos não querem que ninguém saiba o que contas nacionais de distribuição podem revelar.
A essa altura, todo mundo sabe que os conservadores com frequência gritam “socialista!” sempre que alguém propõe fazer alguma coisa para ajudar os integrantes menos afortunados da nossa sociedade – uma razão fundamental pela qual muitos americanos hoje em dia têm uma visão favorável do socialismo: se cobertura médica de saúde garantida é socialismo, pode vir. Mas a direita não grita “falta” diante de qualquer tentativa de limitar a desigualdade; ela faz a mesma coisa sempre que alguém sequer tenta falar sobre classe econômica, ou medir como as diferentes classes estão se saindo.
Meu exemplo favorito aqui ainda é o do ex-senador Rick Santorum, que denunciou o termo “classe média” como “papo de marxista”. Mas esta foi só uma versão particularmente ridícula de uma tentativa geral da direita de suprimir o debate das pesquisas sobre para onde vai o dinheiro da economia. A posição básica do Partido Republicano é que o que você não sabe não pode machucá-los.
E, para ser justo, os progressistas gostam da ideia de contas de distribuição em parte porque eles acreditam que mais conhecimento nesta área ajudaria a própria causa deles. Mas aí é que está: conhecimento é objetivamente melhor que ignorância. E, na América contemporânea, saber quem de fato se beneficia do crescimento econômico é realmente, verdadeiramente importante. Logo, vamos tornar descobrir isso, e disseminar os resultados, parte do trabalho do governo.