Por que a crise financeira não deu uma lição a Wall Street?
As bravatas de Wall Street sobre as grandes coisas que eles estavam conquistando nunca fizeram muito sentido
Publicado em 13 de novembro de 2019 às, 17h38.
No verão de 2007, o New York Times publicou um artigo intitulado “Os mais ricos entre os mais ricos, orgulhosos de uma nova Era de Ouro”. O artigo abria com Sanford Weill, então diretor do Citigroup, se vangloriando de tudo que ele e seus pares bilionários tinham conquistado.
Segundo a maioria dos relatos, a crise financeira que logo em seguida engoliria a economia do mundo inteiro começou algumas semanas depois da publicação daquele texto. No fim de 2008 o setor financeiro, inclusive (e muito) o Citi, estava em processo de derretimento; o colapso só foi evitado graças a imensos empréstimos do Federal Reserve e de outras instituições oficiais. O Citi, em particular, pegou quase US$ 100 bilhões emprestados do Fed.
Seria de se imaginar que esta experiência teria ensinado uma lição a Wall Street, tornando-a um pouco menos arrogante, e que também tivesse levado a uma diminuição da influência política do setor financeiro. Porém, como eu já escrevi recentemente, os magnatas das finanças não só não foram castigados como ainda estão à solta e dando chiliques histéricos diante de qualquer esboço de crítica.
A questão é que, até mesmo antes da crise financeira, as bravatas de Wall Street sobre as grandes coisas que eles estavam conquistando nunca fizeram muito sentido.
Durante a grande alta do pós-guerra – o período após a Segunda Guerra Mundial em que os salários e rendimentos reais das famílias quase dobraram -, as finanças representavam uma parte relativamente pequena da economia, de cerca de 2% a 3% do produto interno bruto. Não era nem mesmo um setor particularmente lucrativo: Os rendimentos médios com finanças eram apenas um pouco superiores àqueles registrados no restante da economia.
Os consultores de finanças começaram a despontar como os Mestres do Universo, para usar a frase satírica de Tom Wolfe, somente em meados da década de 80; a mudança provavelmente foi reflexo de uma combinação de desregulamentação com proliferação do “shadow banking” (sistema bancário paralelo), usando arranjos financeiros para dobrar uma última vez as regras financeiras que ainda existiam. Em 2007, tanto o setor financeiro quanto o volume de crédito por liquidar tinham mais do que dobrado em relação ao tamanho da economia da América.
Mas o que essa “financialização” da economia proporcionou? O crescimento econômico não acelerou; até mesmo antes da crise de 2008 ele estava mais lento, e não mais rápido, do que fora registrado nas décadas anteriores. Os salários dos trabalhadores comuns e a renda das famílias típicas entraram em uma era de crescimento lento ou estagnação. A dívida das famílias, porém, de fato aumentou, porque era ali, e não nos investimentos das empresas, onde estava a maioria do crescimento de crédito.
Como eu já mencionei, as frustrações com a financialização americana não foram inéditas. O crescimento do sistema bancário pode ser muito valioso para os países pobres, mas uma vez que passa de um certo ponto, estudos de lugares como o Banco de Acordos Internacionais – uma instituição bastante séria, em que estão os banqueiros dos banqueiros – sugerem que isso se torna contraproducente.
Os principais – talvez os únicos – beneficiados pela hiperfinancialização parecem ser um pequeno grupo de indivíduos muito ricos, que foram capazes de manter sua riqueza graças a enormes resgates públicos em meio à crise. Logo, é um tanto impressionante ver algumas dessas mesmas pessoas nos dando lições sobre o tamanho do bem que elas fazem, e sobre os males de um governo grande.