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Políticos não precisam de novas ideias

O que importa é se um político tem boas ideias

ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS: os políticos não precisam de novas ideias para argumentar que eles poderiam melhorar consideravelmente a vida dos americanos / Scott Audette/ Reuters
ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS: os políticos não precisam de novas ideias para argumentar que eles poderiam melhorar consideravelmente a vida dos americanos / Scott Audette/ Reuters
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Paul Krugman

Publicado em 10 de maio de 2018 às, 13h18.

 

A eleição de 2020 ainda está a dois anos e meio de distância, mas o Grande Escárnio já está em andamento. Cite o nome de um candidato democrata em potencial, e você sabe como os comentaristas vão reagir: do mesmo modo que reagiram a Al Gore e a Hillary Clinton. Ele ou ela (especialmente ela), eles dirão, se tornou cansativo(a), é chato(a), incômodo. Acima de tudo, reclamarão eles, ele ou ela não oferece nenhuma ideia nova.

De alguma maneira são sempre os democratas que recebem este tipo de crítica, mesmo que todos os republicanos notáveis dos últimos três anos tenham abraçado as mesmas três más ideias: cortes de impostos para os ricos, benefícios reduzidos para os pobres e mais poluição. O Paul Ryan de 2010 era basicamente o Newt Gingrich de 1995 com um índice de massa corporal menor, e no entanto ele foi louvado vezes sem fim como um pensador inovador.

Mas deixemos de lado o tratamento assimétrico dos partidos e façamos uma pergunta simples: Por que, exatamente, nós cobramos dos políticos que tenham novas ideias?

Não estou dizendo que os políticos não deveriam ser abertos a novas formas de pensar, e a novas evidências quando se trata de políticas. Mas um partido político não é como a Apple, que precisa continuar a bolar produtos mais reluzentes para ficar à frente do Android. Há enormes problemas com a política dos EUA em muitos campos, mas muito poucos desses problemas vêm de uma escassez de novas boas ideias. Eles vêm, em vez disso, de um fracasso em agir com base no que nós já sabemos e, na maioria dos casos, temos sabido há muito tempo.

Permitam-me dar dois grandes exemplos: acesso à saúde pública e proteção ambiental.

Na saúde, nós sabemos perfeitamente bem como fornecer acesso aos cuidados de saúde mais ou menos universais, porque todos os outros países desenvolvidos fazem isso.

Como um país pode oferecer acesso universal aos cuidados com a saúde? Há efetivamente três maneiras. Você pode ter uma prestação direta de serviço de um sistema de saúde público, como o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra; você pode ter um sistema de pagador único de seguros de saúde pública, como é no Canadá (ou com o Medicare aqui); ou você pode usar uma mistura de regulamentação, atribuição e subsídios para forçar o setor privado a cobrir todo mundo, como acontece na Suíça.

E os três sistemas funcionam! É verdade, você pode ter problemas se o financiamento for insuficiente ou caso as regras não sejam reforçadas de modo eficiente, mas isso vale para qualquer política. O acesso universal aos cuidados de saúde é um problema resolvido. Nós não precisamos de novas ideias para atingir este objetivo aqui; nós chegamos quase no meio do caminho no governo do presidente Obama, e só o que nós precisamos para terminar o serviço é de um presidente e uma maioria no Congresso que sejam progressistas.

E quanto a proteger o meio ambiente? Acho que pode-se argumentar que novas ideias importantes surgiram na década de 80. Até então, a política ambiental consistia quase que totalmente de regulamentações impostas de cima para baixo. Os economistas sabiam há gerações que dava para defender a exploração das forças do mercado por meio de coisas como taxas de emissão ou licenças de emissões negociáveis, mas isso veio primeiro ao mundo da realidade política com o regime de comércio de emissões da era Bush usado para controlar a chuva ácida.

Mas tem havido grandes ideias novas desde então? Para ser mais específico, será que nós precisamos de grandes ideias novas? As ferramentas básicas – regulamentação direta em alguns casos, taxas ou licenças comercializáveis em outros – estão bastante compreendidas, e têm funcionado bem em muitos casos. O que nós precisamos é de uma maioria política efetiva disposta a agir com base no que nós já sabemos.

Eu estou dizendo que não há novas ideias relevantes à tomada de decisões políticas? É claro que não. Por exemplo, as descobertas relacionadas de que aumentos modestos no salário mínimo não parecem diminuir o emprego, e que os empregadores em geral têm um tremendo poder de monopsônio (ou de comprador único) nos mercados de trabalho, sugere algumas novas dimensões à pauta progressista.

Também não estou dizendo que a análise política e os estudos de think tanks e acadêmicos são desnecessários. Detalhes importam, e às vezes os estudos sobre políticas produzem ideias verdadeiramente novas.

Mas os políticos não precisam de novas ideias espertas para argumentar que eles poderiam melhorar consideravelmente a maioria das vidas dos americanos. Na América, até mais que em outros países, nós temos um enorme acúmulo de boas e velhas ideias que nunca pusemos em prática.

Ou seja, por que a demanda por novas ideias? Em parte é porque os comentaristas estão entediados com as discussões convencionais sobre políticas, ou porque não querem se incomodar em aprender o suficiente para entenderem os problemas de política existentes, dando preferência a coisas novas e cintilantes que eles possam louvar simplesmente por ser novidade. Em parte é só uma desculpa para desdenhar dos democratas, o que até onde eu entendo é prerrequisito do código dos comentaristas.

Mas já basta. Eu não ligo se um político tem novas ideias, e vocês também não deveriam.

O que importa é se um político tem boas ideias.