Paul Ryan está saindo. Já vai tarde
As forças que colocaram Paul Ryan em uma posição de poder são as mesma forças que puseram a América à beira de uma crise constitucional
Publicado em 25 de abril de 2018 às, 17h55.
Por que Paul Ryan decidiu não disputar a reeleição? Quais vão ser as consequências? Seus palpites são tão bons quanto os meus. Eu posso especular com base no que leio nos jornais, mas vocês também.
Por outro lado, eu de fato tenho algumas visões sobre como o Sr. Ryan – que tem sido desde sempre um óbvio charlatão, para qualquer um disposto a enxergar – veio a se tornar porta-voz da Câmara dos Deputados. E é uma história que reflete negativamente não só no Sr. Ryan, e não só no partido dele, mas também nos autoproclamados centristas e na imprensa, que, ao prevaricarem, acabaram incentivando a carreira dele. Além disso, as forças que colocaram o Sr. Ryan em uma posição de poder são as mesma forças que puseram a América à beira de uma crise constitucional.
Sobre o Sr. Ryan: Incrivelmente, eu estou vendo algumas reportagens sobre a saída dele que o retratam como um especialista político sério e um gavião fiscal que, infelizmente, se viu incapaz de cumprir sua missão na era Trump. Inacreditável.
Vejam, o único princípio animador por trás de tudo que o Sr. Ryan fez ou ao qual se opôs foi confortar os confortáveis enquanto afligia os aflitos. Alguém consegue citar um único exemplo da suposta preocupação dele com o déficit que o tenha tornado disposto a impor um fardo sobre os ricos, ou em que a suposta compaixão dele o tornasse propenso a melhorar as vidas dos pobres? Lembrem-se, ele votou contra a proposta da comissão da dívida Simpson-Bowles não por causa das suas verdadeiras falhas, mas porque aquilo aumentaria impostos e fracassaria em revogar o Obamacare.
Além disso, as propostas dele para a redução do déficit sempre foram fraudes. A perda de receita com os cortes de impostos sempre superava qualquer corte de investimentos explícito, de modo que o fingimento de realidade fiscal vinha inteiramente dos “asteriscos mágicos”: receita extra obtida com o fechamento de brechas não especificadas, e redução de gastos criada por cortes de programas não especificados. Eu o chamei de enganador em 2010, e nada do que ele fez desde então pôs este juízo em dúvida.
Sendo assim, como um artista da tapeação tão evidente consegue uma reputação como alguém sério e preocupado com a idoneidade fiscal? Basicamente, ele se beneficiou de um sistema de cotas ideológico.
Neste momento, nesta era de Donald Trump, há um número significativo de formadores de opinião – em especial na imprensa, mas não só ali – cujas carreiras, cujas marcas, dependem da ideia de que eles estão acima das disputas políticas.
Para pessoas assim, afirmar que os dois lados têm sua razão, que há pessoas sérias e honestas tanto na esquerda quanto na direita, praticamente define suas identidades.
No entanto, a realidade da política americana no século 21 é de polarização assimétrica em vários níveis. Um deles é intelectual: Embora ainda haja alguns pensadores conservadores sérios e honestos, eles não têm influência no Partido Republicano moderno. O que resta a alguém de centro fazer?
A resposta, na maioria das vezes, tem envolvido o que nós poderíamos chamar de ingenuidade motivada.
Centristas que não conseguiram achar exemplos reais de conservadores sérios e honestos rasgaram elogios aos políticos que faziam esse papel na tv. O Sr. Ryan, por sinal, não era muito bom em interpretar um; especialistas fiscais de verdade ridicularizaram seus orçamentos com molho secreto. Mas deixem isso pra lá: A narrativa pedia que o personagem que o Sr. Ryan interpretava existisse, e sendo assim, todo mundo fez de conta que ele era o produto autêntico.
E permitam-me dizer que a mesma imparcialidade-só-que-não que transformou o Sr. Ryan em um herói fiscal desempenhou um papel crucial na eleição do Sr. trump. Como o candidato à presidência mais corrupto da história americana conseguiu batalhar uma vitória no Colégio Eleitoral?
Houve muitos fatores, sendo que qualquer um deles poderia ter mudado a maré em uma eleição apertada. Mas não seria tão disputada se grande parte da imprensa não tivesse se envolvido em uma orgia de falsa equivalência.
O que nos traz ao papel do Partido Republicano no Congresso, e do Sr. Ryan em especial, na era Trump.
Alguns analistas parecem surpresos com a maneira com a qual muitos dos que falavam sem parar em idoneidade fiscal no governo de Barack Obama alegremente apoiaram cortes fiscais que vão explodir o déficit no governo Trump. Eles também parecem chocados com a aparente indiferença do Sr. Ryan e seus colegas quanto à corrupção e o desprezo pelo estado de direito demonstradas pelo Sr. Trump. O que aconteceu aos princípios deles?
A resposta, sem dúvida, é que os princípios que eles diziam possuir nunca tiveram qualquer coisa a ver com os objetivos reais deles. Em particular, os republicanos não abandonaram suas preocupações com os déficits orçamentários, porque eles nunca ligaram para déficits; eles só fingiram preocupação como desculpa para cortar programas sociais.
Além disso, se vocês se perguntam por que o Sr. Ryan nunca se posicionou contra a corrupção trumpiana, por que ele nunca demonstrou preocupação alguma com as tendências autoritárias do Sr. Trump, o que é que levou vocês a achar que ele assumiria tal posição? De novo, se vocês observarem as ações do Sr. Ryan, e não o personagem que ele tem interpretado diante de plateias crédulas, ele nunca se mostrou disposto a sacrificar qualquer coisa que fosse – nem um centavo sequer – em nome de seus alegados princípios. Por que diabos vocês esperavam que ele botasse o pescoço dele na reta para defender o estado de direito?
E agora, o Sr. Ryan está saindo. Já vai tarde. Mas segurem as comemorações: Se ele não foi muito melhor que o resto de seu partido, ele também não foi pior. É possível que seu sucessor como porta-voz seja alguém com mais colhões que ele – mas só se esse sucessor for, bom, um democrata.