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Pagando o preço pelo Brexit

No início deste mês, Paul Krugman deu uma entrevista a Susan Lehman, editora do New York Times, para o podcast “Inside the Times”, em que discutiu as consequências do voto britânico favorável a sair da União Europeia. O texto abaixo é uma versão editada da conversa. P: Um dia depois da votação, você escreveu que […]

THERESA MAY, PRIMEIRA-MINISTRA DO REINO UNIDO: na Inglaterra, os dois maiores partidos políticos hoje estão em frangalhos, e quem provavelmente mais ganha com isso é um certo tipo de Trump britânico  / Adam Berry / Getty Images
THERESA MAY, PRIMEIRA-MINISTRA DO REINO UNIDO: na Inglaterra, os dois maiores partidos políticos hoje estão em frangalhos, e quem provavelmente mais ganha com isso é um certo tipo de Trump britânico / Adam Berry / Getty Images
P
Paul Krugman

Publicado em 25 de julho de 2016 às, 13h11.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h41.

No início deste mês, Paul Krugman deu uma entrevista a Susan Lehman, editora do New York Times, para o podcast “Inside the Times”, em que discutiu as consequências do voto britânico favorável a sair da União Europeia. O texto abaixo é uma versão editada da conversa.

P: Um dia depois da votação, você escreveu que “as consequências econômicas serão ruins, mas não tanto quanto algumas pessoas dizem”. Para quem, exatamente, as consequências serão ruins?

R: No longo prazo, acho que será ruim para muita gente – provavelmente, a maioria da população da Grã-Bretanha. Os resultados serão ruins para uma parcela significativa da população no que resta da União Europeia.

Há um motivo para acreditarmos que um comércio mais amplo, ou mais livre, é algo positivo. É o que torna as economias mais eficientes. Faz o bolo crescer. Não quer dizer que todo mundo vai ganhar um pedaço maior do bolo, e na verdade é bem possível que uma parcela considerável da Grã-Bretanha esteja em situação pior, particularmente quem não mora em Londres. Quem mora nas cidades antigas e industrializadas ao norte da Inglaterra pode até estar em uma situação um pouco melhor com a saída, mas, em linhas gerais, a Grã-Bretanha vai ficar mais pobre. A Europa ficará mais pobre.

P: Você escreveu que as consequências políticas seriam muito piores. O que você tinha em mente quando disse isso?

R: De qualquer ponto de vista, esta é uma grande derrota para as pessoas com opiniões sensatas. Você pode até dizer “talvez estas pessoas sensatas não mereçam prevalecer em situações como essas”, mas quem está pronto para subir ao palco?

Na Inglaterra, surpreendentemente, os dois maiores partidos políticos hoje estão em frangalhos, e quem provavelmente mais ganha com isso é um certo tipo de Trump britânico – aqueles que rejeitam ser parte da Europa não porque acreditam que haverá benefícios com a saída porque a Europa está inchada ou algo assim, mas sim gente que não gosta de estrangeiros, que não aprecia pessoas que se parecem ou falam de maneira diferente. Ou seja, você está dando poder a maus elementos.

Na Europa, ou o que sobrou dela, há vários movimentos assim. Me refiro à direita nacionalista na França; ou aos grupos direitistas bastante assustadores que por muito pouco não ganharam a presidência da Áustria. Há muitos destes movimentos, e tudo isso só faz aumentar a força deles, ao mesmo tempo em que eles barram qualquer tentativa da Europa de unir forças para melhorar a situação.

Ou seja, o resultado do Brexit é um golpe terrível para a elite que lidera a Europa. Ele não seria tão ruim se existisse uma alternativa razoável a estes problemas, mas não há.

P: O Secretário de Estado John Kerry deu a entender que a Inglaterra pode recuar do Brexit. O que você acha – ela vai sair da União Europeia?

R: Vai ser muito difícil não levarem isso adiante. O que acho mais provável é que a Inglaterra saia de um jeito que pareça muito que não saiu. Já tem gente chamando isso de “solução norueguesa”, porque a Noruega tem relações comerciais diferentes com a União Europeia e, em troca, aceita basicamente todos as regras da União Europeia, inclusive a livre circulação dos trabalhadores.

P: Há alguém que se beneficia disso fora os jornais, que você atacou por usar o Brexit para vender mais exemplares?

R: Pode acontecer de algumas cidades industrializadas inglesas descobrirem que estão mais ricas apesar do país estar mais pobre, porque uma libra mais fraca deixou-as mais competitivas nos mercados mundiais.

Os extremistas de direita no continente europeu também estão em festa com o resultado. Se você é um apoiador do Jobbik na Hungria ou do True Finn (referência à militância da sigla de extrema-direita finlandesa Finns Party), ou filiado a um dos muitos partidos nessa linha que estão pipocando em todo lugar, para você isto foi bom.

P: Que grande lição podemos tirar da decisão inglesa?

R: A maior lição é: no longo prazo, não vai dar para tentar criar políticas (mesmo as boas) empurrando-as goela abaixo do público e dizendo a ele que “as pessoas que entendem mais disso que você dizem que você devia fazer assim”.

Você precisa defender seu ponto de vista. É algo que tem de ser feito da maneira mais aberta possível.

Os eleitores podem até estar errados – eu acho que os eleitores na Inglaterra erraram quando escolheram sair – mas falar com eles em tom professoral, na prática dizendo a eles “vocês são estúpidos”, não é uma maneira sustentável de estimular a aprovação de políticas.

É o que se ganha pelo desprezo – havia muito desdém pelo público em geral por parte das pessoas no comando tanto da União Europeia quanto, em certo sentido, da própria Inglaterra. E agora estes líderes estão pagando o preço por isso.

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© 2016 The New York Times